O Tesouro da Pedra dos Olhos – Por Adelpho Monjardim

Pico verdadeiramente impressionante, pelo aspecto e forma bizarra, prende de imediato a atenção, pois raro é contemplar-se coisa igual. Para os que buscam no estudo das rochas desvendar os arcanos das idades o campo é ali vasto e profícuo.
Em meio a um anfiteatro de montanhas ergue-se altivo e sobranceiro; soberano inconteste, sem temer quem lhe dispute o cetro. O cabeço rochoso, o pico propriamente dito, alcança pouco mais de uma centena de metros na parte em que, audaciosamente, se projeta para o céu; enquanto as bases se aprofundam na espessura verde da montanha que lhe serve de base.
A rocha é uma formação gnáissica em franca decomposição, não só atacada por agentes químicos, que lhes esfoliam as paredes, como pela ação eólica.
Com exceção da parte sul, quem o fitar acreditará estar contemplando um bloco inteiriço, homogêneo, o que está longe da verdade. Divide-se ele em seções. A maior a leste, onde se encontram as curiosas cavidades, duas portentosas cavernas. Logo após a maior a pedra fende-se de alto a baixo, formando a seção norte, que se assemelha a imponente torre de castelo medieval. Pela parte sul a fenda se apresenta bastante desenvolvida, espécie de chaminé, isolando do corpo principal considerável porção da escarpa. No sopé da rocha, tendo como respiradouro a chaminé, forma-se estreita gruta, origem das histórias de tesouros ocultos.
Procuramos com este rápido esboço geográfico e geológico dar idéia do lugar, palco do fato que vamos narrar, com as suas cores naturais e sugestivas.
Virada para o nascente a face principal cai lisa e a pique. Quase no meio, a uns setenta metros do solo, abrem-se as duas enormes cavidades, circulares e profundas. Uma muito grande e a outra um pouco menor. Embora arriscado, o acesso primeira, a menor, se faz por largo rebordo que se vai estreitando ao aproximar-se dela. O espaço que as separa é grande e lisa a superfície da rocha, pintalgada de gravatás, desafiando os audazes.
As cavidades motivaram o nome popular de Pedra dos Olhos, embora o geográfico seja Frei Leopardi, extravagância de cartógrafo ou simples erro de grafia. O certo seria Frade ou Leopardo. Dois nomes distintos à escolha. Frade, porque visto de um ponto a sudeste, lembra um monge embuçado. Observado das bandas do sul, assemelha-se a um leopardo sentado sobre os quartos trazeiros, emprestando-lhe os gravatás, a pigmentação característica.
São também outros os nomes: Pico de Jucutuquara e Pico João de Leão. Este pouco conhecido e a ele se prende mais uma história de tesouros. João de Leão, exilado espanhol, chegara a Vitória não se sabe como. Arredio, esquivo, quis fugir ao convívio de todos e naquele monte buscou refúgio. Naqueles tempos, meados do Século XIX, tudo ali era mato, um fim de mundo.
O tempo que ali viveu não se sabe. Como chegou sumiu sem deixar vestígios.
Como de se esperar, surgiu o conto de dinheiro enterrado. Os curiosos não tardaram em subir o morro e embora rebuscassem em todos os sentidos de lá voltaram com as mãos vazias.
Passaram-se os anos, um século ou mais, quando outra enigmática figura aparece, um padre. Todas as manhãs subia o morro até a pedra de onde só descia à noite. Assim procedeu dias seguidos até desaparecer misteriosamente. Os curiosos foram ao morro e vasculharam a pedra a fim de saber que ali estivera fazendo o forasteiro.
Corno explicamos, não é a rocha um bloco homogêneo. Na sua base abre-se pequena gruta de onde parte a chaminé que vai ter ao cume, dividindo-a em duas partes. Ali encontraram uma picareta e no paredão as suas marcas, pois lá estava cavado um buraco de alguma profundidade. Daí a lenda de que o homem, nortista, tivera um sonho, revelação do tesouro ali escondido.
Quando da elaboração de uma monografia sobre o Pico Frei Leopardi, tivemos a oportunidade de constatar a cavidade e as marcas da picareta. Quanto ao buraco julgamo-lo natural da rocha.
Muitos anos após o ocorrido, um Sr. Martins, português de origem e espírita convicto, contou-nos do tesouro uma história rocambolesca da qual fora protagonista. Chamado para desvendar o mistério e com os seus exorcismos afugentar os maus espíritos de guarda ao tesouro, para lá seguiu certa manhã. Com muito sacrifício chegou à cumeada da pedra, sacrifício em parte recompensado pela perspectiva magnífica de ver Vitória aos seus pés e a alguns dos Municípios vizinhos. Com o roteiro que possuía iniciou os trabalhos. Tudo corria às maravilhas e indicava estar próximo o sucesso. O ouro estaria sob o enorme bloco que se destacava do corpo principal da pedra. Ao aproximar-se de uma fenda oculta pela vegetação, provavelmente o esconderijo procurado, eis que rubro de cólera surge irado frade que parecia lançar chamas pelas pupilas incandescentes. Soltando gritos pavorosos, que foram ouvidos lá embaixo no bairro, expulsou-o de lá com o incêndio que fez lavrar nos matos que cobriam o cume.
A custo escapou do incêndio e das pedras que lhe foram lançadas pelo satânico monge quando em fuga pela perigosa e difícil descida.
Fonte: O Espírito Santo na História, na Lenda e no Folclore, 1983
Autor: Adelpho Poli Monjardim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2015
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