O Fantasma do Solar dos Monjardim - Por Adelpho Monjardim
A Casa Grande, como familiarmente designávamos o vetusto casarão da Fazenda de Jucutuquara, nos viera dos Capitães-Mores do Espírito Santo, remotos ancestrais. Como todo casarão antigo desfrutava a fama de mal-assombrado e as lendas corriam mundo. Era prazer ouvir dos velhos criados as histórias de fantasmas, lobisomens e mulas-sem-cabeça, que surgiam às horas mortas das sextas-feiras. Ouvíamos apavorados, mas não arredávamos pé. Na hora de dormir a boa mamãe que nos suportasse.
Só quem conhece a velha mansão pode avaliar o quanto se presta para cenário dessa natureza.
A nordeste da Ilha de Vitória, Jucutuquara é uma planície, em anfiteatro, espremida entre montanhas que lhe emprestam a um tempo aspecto imponente e sombrio. Em uma dessas montanhas, mais ao norte, assenta-se a Casa Grande. Caminhando para o interior um monte de aparência severa parece barrar o passo ao viandante — é o Pico de Jucutuquara, cabeço granítico que emerge da terra e lembra um tubarão tentando abocanhar as nuvens. É igualmente impressionante por duas cavidades circulares e profundas, rasgadas na sua face principal, como duas órbitas sem luz, procurando devassar o vazio do espaço.
Em meio ao grandioso e íntimo cenário ergue-se a Casa Grande. Fora testigo e marco do domínio lusitano. Vira sob aquele teto o desfilar de várias gerações e as suas paredes foram confidentes de íntimos segredos. A imensa varanda, que tantas vezes sentira e vibrara aos passos do grande Saint-Hilaire e do austero Feijó, parece sonhar, indiferente e de crepita, alheia a tudo. Hoje a Casa Grande é morta. Mergulhada na atonia de um quase abandono, ela que viveu dias felizes de solar de fazenda, cheios de ruídos e alegria, cercada de escravos e de engenhos, morre lentamente, sem ter quem lhe assista a dolorosa agonia. Destino de todas as antigas herdades. Aos seus incontáveis janeiros acrescentaram o predicado de mal-assombrada.
Contavam os serviçais, alguns nascidos no solar, que às noites, quando recolhidos os de casa, um vulto de branco, arrastando os chinelos, percorria os corredores como alma penada.
Certa noite, contava a sexagenária Claudina, ao passar o vulto branco, frente à porta do seu quarto, quando ele já estava um pouco adiante, perguntou: — O Sr. Barão deseja alguma coisa? Antes não o fizesse. Ao virar-se a estranha criatura um rosto desumanamente lívido fitou-a. Não eram olhos, mas duas órbitas vazias, profundas e escuras como a noite. A boca, rasgando-se num rictus perverso, ia dizer algo quando, aterrorizada, ela trancou a porta e se pôs a rezar.
Daquela noite em diante ela passou a recolher-se mais cedo, mas as mesmas horas o arrastar de chinelos se fazia ouvir. Agora o estranho arranhava a porta com unhas que pareciam garras. O fervor das orações afastava o monstro. Não definitivamente, porque o fato se repetia todas as noites. Parecia uma maldição.
Uma semana se passou sem a aterradora assombração, com o que se alegrou a velha Claudina, feliz e desafrontada. Entretanto fora apenas uma trégua. O diabólico ser engendrara novo tormento. Às sextas-feiras, à misteriosa hora da meia-noite, o sino da capela, montado no portal da entrada, dobrava finados! O repicar lúgubre e plangente sacudia o silêncio da noite, levando à redondeza os lamentos de além-túmulo.
Através da soturna voz do bronze a assombração estendeu-se à vizinhança. Ante a ansiedade e ao pânico que se apoderou de todos, almas piedosas sugeriram a presença de um padre a fim de conjurar a funesta manifestação das trevas.
Na sexta-feira, na hora exata, o padre se reuniu aos de casa e mais vizinhos para o exorcismo. Mal soaram as primeiras badaladas o padre deu início à cerimônia. Estridentes e pavorosos gritos se ouviram, partindo do telhado, por cima do portal suporte do sino. O badalar cessou de súbito e ao baque de algo pesado contra as lajes sucedeu o argênteo ruído de bronze estilhaçado. O horrendo clamor se foi diluindo no espaço até tornar-se inaudível.
Encorajado o grupo correu para a porta principal. Ao escancará-la, à luz do lampião, viram espalhados na calçada os destroços do sino.
Fonte: O Espírito Santo na História, na Lenda e no Folclore, 1983
Autor: Adelpho Poli Monjardim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2015
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