As botas do espanhol – Por Adelpho Monjardim
Município do extremo norte espírito-santense, Conceição da Barra é hoje uma das suas mais prósperas unidades. Nos fins do século passado foi palco de interessante episódio que até hoje intriga a todos. Não é ficção, fato real.
Sem dizer de onde vinha, surgiu na Barra um estrangeiro. Entrado em anos, era tipo esquivo com cara de poucos amigos. Alto, bastante alto, rosto anguloso, o farto bigode de guias reviradas para cima emprestava-lhe ares quixotescos, senão atrevidos. Era espanhol. As botas, que se alongavam até os joelhos, chamavam a atenção. O aspecto marcial, os ares de comando, revelavam o militar. Toda a sua bagagem uma pesada arca. Instalou-se na única estalagem da vila. Não tinha amigos e não procurou fazê-los. Arredio, era de gênio intratável.
Passaram-se os meses e ele sempre esquivo. Só à estalajadeira falava, assim mesmo o necessário.
Um dia, bem cedo, ele saiu sem ser visto. Quando voltou já era tarde alta. Estranho, não calçava as botas. No mesmo dia e da mesma forma desapareceu. Passaram-se os dias. Um mês, dois e nada dele voltar. Desiludida e desconfiada a estalajadeira resolveu arrombar a porta do quarto e desvendar o mistério. Tudo estava como ele deixara: a cama desarrumada, a bacia, com água, no lavatório, a toalha de rosto no espaldar da cadeira, um sabonete gasto e a arca aberta e vazia. A ave batera a linda plumagem.
Meses e meses se passaram até conhecido morador da Vila receber uma carta da Espanha. Intrigado abriu-a, pois não conhecia ninguém naquele país. O que leu deixou-o estarrecido. Veio então saber chamar-se Pablo o misterioso espanhol.
História longa e dramática. Capitão do Exército Espanhol, no Marrocos, fugira com o dinheiro destinado ao pagamento das tropas ali estacionadas; importância bastante forte.
Viúvo, deixara a filha em Cádiz, razão pela qual voltara à pátria e fora preso. Antes enterrara o dinheiro nas botas que usava. Do lugar avistava a torre da igreja, um dos marcos para encontrá-lo. Ao destinatário revelaria o lugar exato sob a seguinte condição: teria de ir à Espanha buscar a sua filha e dela tomar conta até que estivesse encaminhada na vida.
O destinatário sentiu-se lisonjeado com a preferência, quando outras pessoas igualmente dignas existiam na Vila. Desvanecia-o a confiança. A responsabilidade de educar a filha seria recompensada pelo dinheiro que iria receber, mas esse dinheiro era roubado. Aceitando a proposta tornar-se-ia cúmplice e passível das penas da lei. Prudentemente silenciou, como se não houvesse recebido a carta. O espanhol tivera um cúmplice, também preso, em França.
O destinatário da carta não guardara segredo e o seu conteúdo tornou-se público. A caça ao tesouro passou a ser a coqueluche da Vila. Sem reservas a população lançou-se à sua procura. Em poucos dias Conceição da Barra transformou-se numa paisagem lunar, como se por ali tivesse passado uma legião de toupeiras.
Raciocinando chega-se à conclusão que a escolha do espanhol tivera justo motivo. Pois da propriedade do mesmo não se avista a torre da igreja? E não era ela um dos marcos localizadores do tesouro? Logicamente era ele o indicado para receber a proposta; porquanto pesquisaria em terreno próprio sem despertar suspeitas.
Todavia o tesouro não foi encontrado, embora procurado pelos melhores faiscadores.
O espanhol não fornecera o roteiro. Apenas, ao pretendido beneficiário, mencionara a torre da igreja como inteligente e velada sugestão, coisa diariamente vista da sua propriedade. Baseados nas informações os mais argutos pesquisadores revolveram a Barra debaixo para cima, sem que as botas aparecessem.
Certa noite, na venda principal da Vila, ponto de reunião dos importantes do lugar, entrou esbaforido o João Serrador. Espanto geral. Acalmando-se com um gole de cachaça, contou o que lhe sucedera, nas proximidades da serraria, a dois quilômetros dali. Noite escura, atento ao chão que pisava, tendo por companhia os vagalumes, quando surgiu das sombras um estranho alto e magro. Assustou-se, mas logo se acalmou. Devido à escuridão não pôde divisar o rosto do desconhecido. Mais perto ele lhe falou. A sua voz causava arrepios. Pedia que o acompanhasse ao lugar onde ele havia enterrado um tesouro. Só então percebeu que se tratava do fantasma do espanhol. Como um louco desandou a correr, ouvindo ainda os seus gritos.
Indignados todos reprovaram a covardia do João Serrador, mas ninguém ousou acompanhá-lo ao lugar da aparição, onde o espanhol perdera as botas.
Fonte: O Espírito Santo na História, na Lenda e no Folclore, 1983
Autor: Adelpho Poli Monjardim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2015
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