Ano de 1551 – Por Basílio Daemon
1551. Tendo no ano antecedente chegado à Bahia uma armada trazendo por capitânia um galeão por nome Velho , (42) nela vêm quatro padres jesuítas, que foram Afonso Brás, Salvador Rodrigues, Manoel de Paiva e Francisco Pires, três dos quais, os primeiros, estiveram na capitania do Espírito Santo, e para onde foi mandado neste ano pelo padre provincial Manoel da Nóbrega o padre Afonso Brás e um irmão companheiro de nome José de Paiva, que também entendia do ofício de carpinteiro. Tendo estes partido de Porto Seguro a 23 de março aqui chegaram a esta capitania sendo recebidos com alvoroço pelo povo pela necessidade que tinha de sacerdote,(43) pois só quando tocava algum galeão ou caravelo,(44) que ia ou vinha das capitanias do norte e sul é que auferiam os sacramentos da igreja; é então ouvida pela primeira vez pelos indígenas a palavra sagrada de Afonso Brás, que os admirou e fizera respeitarem-no. Na vila do Espírito Santo, deram o padre Afonso Brás e o irmão companheiro princípio à catequese dos índios, doutrinando e exortando-os, principiando ali uma pequena capela.(45) Mais tarde tendo-se mudado o donatário e mais pessoas gradas da capitania para esta cidade da Vitória, devido às correrias e contínuos ataques dos índios, deu o padre Afonso Brás princípio à igreja e convento, hoje capela nacional e palácio da presidência,(46) estabelecendo ali um pequeno seminário para meninos,(47) e residência sua e do irmão companheiro,(48) onde principiaram a ensinar, fazendo prédicas e catequizando os índios, assim como confessando, batizando e exortando. O irmão companheiro nas horas vagas, depois dos exercícios espirituais, ocupava-se no ofício de carpinteiro. Há a notar que o padre Afonso Brás só esteve na capitania pouco mais de dois anos, como adiante se vê, pelo que pouco pôde fazer. Afonso Brás neste mesmo ano escreveu ao superior da Ordem, comunicando o desleixo que havia na capitania, assim como os vícios de que estava contaminada.
Idem. Continuando os ataques dos indígenas na vila do Espírito Santo, nos quais em encontros morreram alguns dos povoadores, delibera Vasco Coutinho e outros estabelecerem-se na ilha de Duarte de Lemos tendo-a este abandonado e seguido para Porto Seguro, por ser a ilha rodeada por mar e haver abundância d’água, o que na vila do Espírito Santo faltava, e por ser mais fácil a defesa dos moradores, que se viam continuamente incomodados. Estabelecidos que foram, principiaram a chamar à nova povoação de Vila Nova, enquanto à do Espírito Santo denominaram de Vila Velha, nome que conservou-se por muitos anos, como até hoje; apesar de uma lei da Assembleia Provincial restabelecer-lhe o primitivo nome, ainda muitos assim a denominam. Chegados que foram, edificaram casas nas cercanias do pequeno seminário construído por Afonso Brás, montando quatro engenhos, fazendo plantações de vinhas, canas e cereais, levantando cercados e dispondo definitivamente todos os meios de defesa contra os índios. Contudo, a 8 de setembro deste ano é atacada a nova vila pelos indígenas, havendo um combate renhido, em que foram aqueles vencidos e expulsos por uma vez desta ilha, sendo nesta ocasião dado o nome de vila da Vitória(49) em atenção ao valor, brilhantes feitos, e gloriosa vitória que alcançaram os povoadores, ficando até hoje existente este nome, que, por decreto de 2 de Março de 1822, foi confirmado ainda na criação da cidade, antes Vila [Nova],(50) antiga ilha de Duarte de Lemos e primitivamente ilha de Santo Antônio.
Idem. É preso neste ano na própria baía desta capital Cristóvão Cabral, capitão de uma caravela da esquadrilha pertencente ao donatário Pero de Góis, o qual voltando do Rio de Janeiro se encontrara no alto-mar com uma nau francesa com que combatera, não podendo vencê-la por faltar-lhe ânimo, e assim fugido do combate, afastando-se veio aportar aqui, causando-lhe isso desgosto. Aqui mesmo foi Cristóvão Cabral deposto do comando de capitão da caravela, estabelecendo-se nesta capitania.
Idem. É mandado pelo governador geral do Brasil, Tomé de Souza, cumprir a ordem régia de 20 de junho deste mesmo ano, na qual se garantia àqueles que quisessem vir para as capitanias da Bahia e do Espírito Santo, e que se transportassem à sua custa, a isenção de pagamento de dízimos por espaço de cinco anos; aos que fossem lavradores, a viagem grátis e isenção de pagamento de dízimos por espaço de três anos; aos que exercessem ofícios de calafate, carpinteiro, tanoeiro, serralheiro, ferreiro, besteiro, cavouqueiro, serrador, oleiro e outros ofícios mecânicos, pagarem a redízima e mais direitos, demonstrado isto ainda em uma carta datada de 15 de agosto deste mesmo ano, e escrita por um tal Lima Dias, mestre de obras.
Notas
42 “...em Vila Velha, que os padres jesuítas deram início ao seu apostolado no Espírito Santo, quando aqui chegaram a 23 de março de 1551, vindos no galeão Velho, acompanhados de outros religiosos que seguiram para o sul.” [Bitten - court, Frei Pedro, p. 32-3]
43 Copia de unas cartas (outra embiada el puerto del Spiritu Santo), índices 16 e 17.
44 O termo não está consignado nem no Diccionario de Moraes nem no Elucidário de Viterbo. Talvez fosse um lapso por caravelão.
45 “Em março de 1551, tendo chegado o Pe. Afonso Brás e um irmão de nome José de Paiva, ambos da Companhia de Jesus e os primeiros que aqui vinham, e notando a insuficiência da capela existente para os fiéis, deram começo à capela, consagrando-a a Nossa Senhora do Rosário. [Nery, Carta pastoral, p. 20]
46 Palácio do governo. Na época, e até o fim da República Velha, os governantes provinciais se chamavam presidentes e não governadores.
47 “O padre Nóbrega escrevendo em 1552 ao padre provincial de Portugal, dizia: Afonso Brás tem cuidado do Espírito Santo, tem grande colégio, manda-me pedir meninos para principiar.” [Cartas jesuítas, p. 96, apud Nery, Carta pas - toral, p. 77]
48 “Passada a Páscoa, ordenamos de fazer uma pobre casa para nos podermos recolher nela. Ela está já coberta de palha, e sem paredes. Trabalharei por que se edifique aqui uma ermida junto dela em um sítio mui bom, na qual possamos dizer missa, confessar, fazer a doutrina, e outras coisas semelhantes…” [Copia de unas cartas (outra embiada el puerto del Spiritu Santo), indice 17]
49 (a) “…chegados ao lugar do seu destino, começaram os colonos a edificar uma vila, que tomou a invocação de Nossa Senhora da Vitória, antes de se pelejar a batalha.” [Southey, HB, I, p. 69] (b) Teixeira cita fontes diversas que contrariam a hipótese de Daemon, entre as quais a provisão passada por Antônio Cardoso de Barros, datada de 3 de março de 1550: “Faço saber aos que esta virem, que por nesta vila da Vitória [grifo nosso], província do Espírito Santo, capitania de Vasco Fernandes Coutinho...” [DH, XXXV, 66, apud Oliveira, HEES, p. 66] (c) Nery, Carta pastoral, p. 25.
50 Correção nossa. No original, Vila Velha
Nota: 1ª edição do livro foi publicada em
Fonte: Província do Espírito Santo - 2ª edição, SECULT/2010
Autor: Basílio Carvalho Daemon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2019
Assim se explica a construção da igreja de Santa Luzia, a mais antiga da cidade
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