As precursoras de uma literatura feita por mulheres no ES
Em 1869, fundou-se, em Vitória, a primeira escola de estudos secundários para mulheres, mais tarde intitulada Colégio Nossa Senhora da Penha, preâmbulo da Escola Normal do Espírito Santo e centro formador das professoras primárias do nosso Estado. Segundo Maria Stella de Novaes, lá se ensinava gramática, aritmética, música (tocar piano), trabalhos de agulha, francês, geografia e história, “conhecimentos julgados, então, indispensáveis à mulher”.
Às meninas era obrigatória a aprendizagem do piano. Aos homens, reserva-se a literatura. Eram rejeitadas as mulheres que ousavam transpor estas regras.
Amélia de Oliveira (1868-1945) por exemplo, a eterna noiva de Olavo Bilac, irmã de Alberto de Oliveira, começou a publicar os seus versos em 1883, com 15 anos, tendo assinado até 1887 dezenas de poesias em jornais e revistas da época. Em fins de 1889, recebeu, no entanto, carta de seu noivo onde se lê:
“Não me agradou ver um soneto teu no almanaque da Gazeta de Notícias deste ano. Não foi o fato de vir em um almanaque que me desagradou: desagradou-me a sua publicação (...) Há uma frase de Ramalho Ortigão, que é uma das maiores verdades que tenho lido: - O primeiro dever de uma mulher honesta é não ser conhecida (...) uma senhora, desde que se faz escritora, tem de se sujeitar ao juízo de todos. Não quer isso dizer que não faças versos. Pelo contrário. Quero que os faça, muitos, para os teus irmãos, para as tuas amigas, e principalmente para mim, mas nunca para o público, porque o público envenena e mancha tudo o que lhe cai sob os olhos”.
A posição de Bilac é a tônica machista do final do século passado. As mulheres podiam fazer versos, desde que não os publicassem, para não se tornarem públicas. Isso fez com que fosse muito reduzido o número de escritoras que tivessem publicado um livro, no século passado. A história da literatura espírito-santense não registra um sequer.
Adelina Tecla Correia Lyrio (1863-1938) participou das campanhas abolicionistas e dos saraus lítero-musicais que se organizaram nas sociedades libertadoras na década de 80 do século passado, sob a liderança de Afonso Cláudio de Freitas Rosa (1895-1934), primeiro presidente do Espírito Santo, no regime republicano. Nesses saraus, registraram-se os primeiros poemas escritos e declamados por mulheres capixabas. As senhoras Dalmácia e Petronilha Antunes de Serqueira ofereceram como brinde para a quermesse um adorno de mesa, em forma de serpente, acompanhado dos seguintes versos:
“De nossas livres florestas,
Volve também a serpente,
a assistir nossas festas
de um povo independente.
O brado da liberdade
que soou pela montanha,
fê-la prezar a amizade,
tirou-lhe veneno e sanha
Ao altar da Pátria amada,
ela vem se devotar,
querendo, com seu produto,
os escravos libertar.”
O poema era acompanhado pelas iniciais O.D.C., que, de acordo com Novaes, era uma fórmula usada nas ofertas com os significados: Oferece, Dedica e Consagra.
A primeira poetisa do Espírito Santo foi, todavia, a professora Adelina Tecla Correia Lyrio que publicou, em 29/01/1881, o seguinte poema:
Inspirações
“Nas tardes da primavera,
bafejadas pela brisa,
que triste rola nos bosques,
saudoso canto desliza;
que o sabiá, na floresta,
gorjeta uma canção,
sinto minha alma enlevada
de suave inspiração.
É nestas tardes amenas,
que na erma soledade,
solta a triste juriti
ternos cantos de saudade;
que, no prado, as lindas flores
exalam divino odor,
que minha lira suspira
saudosos cantos de amor.
É no silêncio da noite,
à luz alva do luar,
que as flores, a meiga aragem,
ligeira, vem bafejar.
Quando a onda vagarosa,
na praia vai desmaiar.
Que mil conchinhas reluzem,
à luz alva do luar.”
São versos românticos, em redondilhas maiores, sem maior criatividade, visto que calcados nas imagens bucólicas à moda de Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu, numa época de transformações estéticas na poesia (1881). Mas, marcam o desafio de uma jovem que enfrentou o preconceito contra a mulher escritora. Outra escritora capixaba, que chegou a publicar poemas em jornais da época, “A Lyra”, “Gazeta Literária”, foi Orminda Escobar Gomes (1875-1972).
Em 1852, no Rio, foi criado o Jornal das Senhoras, escrito e dirigido por mulheres; todavia, no Espírito Santo, só apareceram artigos escritos em jornais, em 1902, por Cecília Pitanga e, em 1904, por “Cadassil”, pseudônimo de Cacilda Werneck Pereira Leite. Foram as primeiras mulheres jornalistas do Espírito Santo.
Escrever continuava uma atividade interditada às mulheres. Estas deveriam recitar poemas escritos por homens. Arlinda Quitiba, de Vila Velha, foi uma dessas declamadoras do fim do século. Maria Stella de Novaes cita o preconceito masculino tão arraigado contra a mulher – poeta na fala do Doutor Felix Pacheco, em entrevista à revista Fon – Fon, em 1917, quando afirmava que a principal qualidade da mulher deveria ser o “o horror à poesia”. Havia uma quintilha popular, da época, que dizia:
“Estude a geografia,
leia alguma boa história,
mas, não se atire a poesia.
Porque mulher, que se faz poeta,
põe o marido pateta”.
No extremo sul do Estado, em São José do Calçado, foi criado, em 1889, um “Clube literário amor às letras”, composto só de mulheres, sob a presidência de Donária Brandão do Vale, Amélia Alvim e Rita Nunes. E, enquanto Adelina Lyrio teve seguidoras, na capital, em Orminda Escobar Gomes, Cecília Pitanga Pinto, Silvia Meireles da Silva Santos, foi, também, no sul do Estado, em São Pedro de Itabapoana, que surgiu a primeira escritora do Espírito Santo, Maria Antonieta de Siqueira Tatagiba (1895-1928).
São Pedro de Itabapoana, na divisa do Espírito Santo com o estado do Rio, foi um dos mais prósperos municípios do Espírito Santo, até 1930, quando perdeu sua autonomia municipal para Mimoso do Sul. Seu primeiro posseiro das terras indígenas foi Francisco José Lopes da Rocha, em 1837. Tornou-se freguesia de São Pedro do Cachoeiro de Itapemirim, em 1856; Distrito, em 1857. Freguesia de São Pedro do Itabapoana, em 1863. Em 1865, sua população era de 5.691 pessoas, tendo eleito um Deputado Principal, para o biênio 1867-69, o 3º Vice Presidente da Província do Espírito Santo, em 1870, e sua primeira escola primária data de 1876. Em 1878, foi nomeada professora pública do lugar, Isabel Neves do Santos. Também em 1879, foi construída uma estrada que ligou São Pedro de Alcântara do Itabapoana à Estação de Santo Eduardo, ramal férreo Carangola. Em 1883, fundou-se, em São Pedro a “Sociedade literária José de Alencar”; em fevereiro de 1885, o Teatro São Pedro de Alcântara; em 1886, a banda de música “Quando tinha vontade”, em 1887, a banda musical “União São Pedro”, e em 1888, a banda de música “São Pedro de Alcântara”. Em 1888, inaugurou-se o “Porto da Prata”, com navegação fluvial entre Mimoso, São João do Muqui e São José das Torres e o Clube Republicano São Pedro de Alcântara. Em 1889 foi efusivamente comemorada a Proclamação da República, com bandas de música, desfiles e baile. Em 1890, foi instalado o Município de São Pedro do Itabapoana, desmembrado de Cachoeiro de Itapemirim, transformado em cidade, em 1891. Em 1895 chegou a estação de trem no município, e em 1896, fundou-se o “Colégio Professor Franco”, este um republicano histórico, de ensino secundário.
Foi nessa próspera cidade do sul do Estado, mais evoluída culturalmente que a própria capital, com estreita ligação com a capital do Brasil, que nasceu Maria Antonieta de Siqueira, em 1895, depois casada com José Vieira Tatagiba, magistrado, romancista e poeta.
Em São Pedro de Itabapoana, eram comuns os concertos musicais, em que a senhora Yayá Medina cantava e poetas recitavam suas mais recentes composições. Imitava-se, na província, a vida da capital do país, o Rio de Janeiro. Em 1902, fundou-se a “Sociedade literária Gonçalves Dias” e inaugurou-se o telégrafo nacional. Em 1908, o teatro Tália, com finalidades culturais – dançantes – recreativas. Na festa cívica de 07/09/1908, dentre as várias solenidades, houve a conferência sobre a “Mulher”, proferida pelo acadêmico de Direito, Francisco Monteiro de Almeida, em que este “elogiava o seu papel importante na sociedade”.
Vários jornais existiram em São Pedro de Itabapoana, na época em que viveu Maria Antonieta S. Tatagiba, dentre os quais: O município, 1894; A evolução, 1898; A pátria, 1899; O progresso, 1903; O rebate, 1904; A reforma, 1904; O binóculo, 1907. A semana, órgão da Câmara Municipal, de 1913, registra como um de seus gerentes o nome de Maria Antonieta Tatagiba. Esta foi também a primeira ginasiana e normalista de São Pedro do Itabapoana, mais tarde considerada a “princesa das poetisas capixabas”.
Em 1929, um anos após a morte prematura de Maria Antonieta Tatagiba, vítima de tuberculose, em 13/03/1928, São Pedro de Itabapoana possuía cerca de 50.000 habitantes, quase o dobro da capital, 75 máquinas de café, 309 propriedades agrícolas classificadas, 46 escolhas públicas estaduais e 02 grupos escolares, luz elétrica inaugurada em 1922, engenhos de açúcar, aguardente e arroz, 01 fábrica de tecido, 02 de goiabada, 04 de queijos e de ferradura, 07 agências de correio, 180 estabelecimentos comerciais, 14 farmácias e 08 médicos. Em sua cidade, a 07 de setembro de 1922, no centenário da independência do Brasil, “a professora Dª Maria Antonieta Tatagiba proferiu brilhante conferência dissertando sobre o direito do povo pela sua emancipação política e desenvolvimento natural. Já conhecida por seus trabalhos literários publicados em jornais da cidade, Maria Antonieta foi aplaudida calorosamente”.
Em 1923, coordenou um festival infantil juntamente com sua colega professora Antonia de Castro Mattos, no salão nobre da Câmara Municipal com apresentação de comédias, canções e poemas. Em 1927, publicou pela extinga Editora Leite Ribeiro, no Rio de Janeiro, poemas reunidos no livro A frauta agreste, com capa de Raul Pederneiras. No mesmo ano, D. Eulina Tomé de Souza, líder feminista, profere no Cine Ideal de São Pedro de Alcântara uma conferência sobre “Emancipação da mulher”, repetida no dia seguinte, no coreto da Praça da Matriz, e destinada à “classe operária”. Um ano após sua morte, Maria Antonieta Tatagiba é homenageada, no Dia do Mestre, pelos seus alunos que vão, em romaria, ao cemitério que estava enterrada.
Frauta agreste, de 1927, é uma obra esteticamente hibrida posto que apresenta características românticas, parnasianas e simbolistas, com uma feitura neoclássica, à Julia de Almeida. Recorda os primeiros poemas de Cecília Meireles, da mesma época, sobretudo os de Viagem, escritos de 1929 a 1937. “Sempre inspirada em quadros da natureza, revela uma alma panteísta, de quem viveu a vida desfrutando e amando intensamente os cenários bucólicos, na simplicidade e exuberância de seus momentos mais subjetivos”, segundo palavras de Elmo Elton, Maria Antonieta define-se como uma “Tocadora de frauta”.
“Tocadora de frauta, em meu caminho,
Das cidades fugi, fugi do burburinho
Onde viça a miséria e a orgia tumultua...
E a vaidade que goza, sem pensar,
não vê, pisando o negro pó da rua,
... que nele há de acabar...” (p.45)
Como poeta, é em sua “Dor silente” que retrata o “desgosto profundo, sob um véu de vã serenidade”.
“Dentro em mim é gelada e escura a atmosfera.
Nem prazeres nem luz neste tormento eterno,
somente a mágoa é que em minha alma impera...
Em meus lábios, entanto, um sorriso persiste,
como um raio de sol, descorado de inverno,
tentando iluminar uma paisagem triste!”
No Espírito Santo do final do século passado, e início deste século, só numa cidade como São Pedro de Itabapoana, desde o início voltada para as artes, a cultura musical e literária, terra de ilustres brasileiros, engajados política e socialmente com as transformações sociais e os ideais de liberdade e justiça, poderia ter surgido um nome como o da escritora Maria Antonieta S. Tatagiba, construtora de uma literatura que incorpora o nome feminino a um universo antes restrito aos homens.
Fonte: A Literatura do Espírito Santo: Uma marginalidae periférica, 1996
Autor: Francisco Aurelio Ribeiro
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