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Companheiros de Vila Velha

Árvore da Praça da Igreja do Rosário, simbolizando a união dos Companheiros de Vila Velha do Tiro de Guerra 105

Já que estamos tratando da memória de Vila Velha cabe aqui lembrar dos nossos companheiros de farda que residiam nessa cidade e que enfrentaram o Tiro de Guerra 105 como nós. Foram eles: Ernani Macieira de Souza Filho, Fídolo, Jair Santos, Jabes Vitalino Teixeira Gueiros, Oscar Ferreira Coelho, Oscar Almeida e Waldomiro Pereira. Na Glória, então Fábrica, residia um a companheiro descendente de alemães, muito risonho, certeiro atirador, irmão de Maria Teresa Meyerfreund e, no Aribiri, Aloísio, José Gáudio Simões e José Vítor, que era ourives. Dois outros moravam em São Torquato, um deles de nome Ari. Foram excelentes companheiros dos dois, temos na lembrança a fisionomia de ambos.

Constituía um pequeno grupo unido, animado e, como não poderia deixar de ser, compartilhador da mesma condução: do bonde até Paul e da barca ou bote até Vitória. Mesmo não indo para Vitória no mesmo horário, o grupo viajava junto, com certeza, na volta. Ainda havia uma exceção: duas vezes por semana, pela manhã, tínhamos a educação física obrigatória, praticada num terreno baldio próximo à praça do Trabalho, no final da avenida Capixaba. Nesses dias ocupávamos o mesmo bonde para Vitória e, chegando a Vitória, deixávamos a farda na sede para, formados e com uniforme de educação física, irmos até aquela praça para a prática dos exercícios físicos.

Quando pegávamos o bonde vestindo nossas fardas éramos soldados como quaisquer outros e nessa condição devíamos observar a hierarquia militar onde estivéssemos, fazendo a saudação militar sob a forma de continência como se fora um bom dia ou uma boa tarde, apenas por uma questão de atenção e respeito mútuo, o mesmo se verificando entre os superiores de mesma patente.

Para evitar constrangimentos nós andávamos pelas ruas sempre atentos à passagem de nossos superiores para prestar-lhes a devida continência. Se, por quaisquer circunstâncias, éramos chamados por um deles, frente a frente e chocando os calçados nos calcanhares, ficávamos perfilado e lhe fazíamos a continência identificando-nos por nome, número e corporação a que estávamos servindo. Era o enquadramento militar. Só depois disso, respondendo ao gesto, o superior mandava que baixássemos a mão e dizia o porquê da solicitação. Satisfeito com o atendimento, dispensava o perfilado que, novamente fazendo-lhe continência – mão fechada e espalmada angularmente junto à fronte e baixando-a rapidamente – e rodando nos calcanhares, fava meia volta e retomava o seu rumo.

Deixar de fazer a continência a um superior era um ato de transgressão disciplinar sujeito a reprimenda e enquadramento. Na vida civil a continência corresponderia a uma auto-representação, rito usado principalmente em clubes de serviço, expondo a classificação do indivíduo como profissional, com o cargo ocupado dentro daquela instituição.

O gesto da continência não consiste somente em levar a mão espalmada angularmente junto à fronte ou à pala do quepe. Há também uma série de elementos a serem considerados: tempo, lugar, símbolo e superior a que se está prestando a saudação. O militar ao deixar de observar esses quesitos comete transgressão sujeita a advertência no mesmo momento da ocorrência ou por escrito no boletim do dia.

Fomos testemunha ocular de uma dessas ocorrências acontecida com um dileto companheiro de farda. Nosso grupo, que se dirigia para a aula de educação física em Vitória, saltava do bonde das 7:00, em Paul, para apanhar a abarca. A barca proveniente de Vitória chegara junto com o bonde e os passageiros, procurando tomar a outra condução, tinham seus caminhos cruzados. Nessa barca desembarcava o pessoal de farda que seguia para o 3 BC, sendo que a oficialidade vinha na frente com os subalternos mais atrás. Nesse exato momento estávamos deixando o bonde e corríamos em direção à barca para assegurar um lugar sentado, mas percebemos a tempo a presença dos militares e, refreando a pressa, passamos a caminhar em passo normal e, com ele, à medida que os superiores iam passando, íamos prestando continência de acordo com as normas da caserna.

Tudo estaria perfeito não fosse o nosso saudoso companheiro Waldomiro Pereira ter-se atrasado na saída do bonde. Para nos alcançar, ao invés de andar depressa, saiu correndo em nossa direção e nessa trajetória, no mesmo embalo, percebeu que passaria ao lado do então Capitão Paoliello. Não perdeu tempo, e mesmo correndo sapecou a continência em sua direção. Inconformado com a saudação incorreta, de imediato o capitão gritou:

- Soldado! Volte aqui e me preste novamente a continência!

O Waldomiro, mais vermelho do que nunca, como lhe fora determinado chocou os calçados junto aos calcanhares e, perfilado, prestou a continência pedida.

O Capitão Paoliello, dando-se por satisfeito e sem mais comentário, respondeu à continência e determinou que o soldado Waldomiro retomasse o seu caminho. Ao fazê-lo foi por nós cercado, recebendo a solidariedade dos companheiros de farda, pois o mesmo poderia acontecer conosco no dia seguinte. Não houve gozação e o Waldomiro, educado e bom moço, sobretudo benquisto, agradeceu sensibilizado o nosso gesto, deixando para trás o desagradável incidente vivido como soldado. Quanto ao capitão disciplinador, deve ter esquecido de pronto aquele momento que, dentre tantos, fora mais um na sua vida de caserna.

 

Livro: Ecos de Vila Velha, 2001
Autor: José Anchieta de Setúbal
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2011

 

 

LINKS RELACIONADOS:

 

>> A Criação do Tiro de Guerra no ES 

>> Tiros de Guerra 105 e 277

 


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