Estudos sobre a descoberta da Província - Parte VII
É neste ano de 1534, a 5 de abril, que é passada a carta de doação feita a Francisco Ferreira Coutinho, por el-rei D. João III, da capitania da Bahia de Todos os Santos. A 10 do mesmo mês é passada outra a Duarte Coelho Pereira, da capitania de Pernambuco, entre a costa do rio São Francisco e o rio Iguaraçu. A 27 de maio a de Pedro de Campos Tourinho, da capitania de Porto Seguro. No dia 1º de junho é passada ainda a de Vasco Fernando [sic] Coutinho, da capitania do Espírito Santo.
Foram passados os forais das doações: o de Francisco Pereira Coutinho, a 26 de agosto; o de Pedro de Campos Tourinho, a 23 de setembro; o de Duarte Coelho Pereira, a 24 do mesmo mês; o de Martim Afonso de Souza e Pero Lopes de Souza, a 6 de outubro das capitanias de São Vicente e Santo Amaro; e a de Vasco Fernandes Coutinho, a 7 do mesmo mês de outubro.
Foram divididas estas doações: em cem léguas a Martim Afonso, oitenta a Pero Lopes e cinquenta léguas a uns, e trinta e duas a outros.
Conquanto João de Barros, um dos nossos primeiros historiadores e donatário do Maranhão, diga que o Brasil fora dividido em doze capitanias, não nomeando quais elas e seus proprietários, o que reservava para uma obra que compôs com o título de Santa Cruz, e que se acha perdida até hoje, todavia, há a notar que os cronistas, historiadores e os manuscritos encontrados só falam de oito capitanias doadas, e são as de São Vicente, Santo Amaro, Paraíba do Sul, Espírito Santo, Porto Seguro, Ilhéus, Bahia de Todos os Santos, Pernambuco e Maranhão.
Aires do Casal, monsenhor Pizarro, Varnhagen, cônego Pinheiro, frei Jaboatão, frei Santa Maria, Melo Moraes, João Manoel, José Torres, Ferdinand Diniz, Southey, Abreu e Lima, padre Pompeu, Rocha Pita, Barbosa Machado, José de Vasconcelos, Joaquim Norberto, Eanes Azurara, Rui de Pina, Castanheda, Damião de Góes e muitos outros são concordes sobre este ponto.
Sabe-se ainda que estas doações foram feitas no ano de 1532; mas as respectivas cartas e forais só foram passadas no ano de 1534, segundo mencionamos.
A estes donatários, a título de senhorios pelos serviços prestados ao Estado, assistiam certos direitos de conquistar e repartir terras; nomear oficiais de justiça, prover empregos, usar de reais regalias, à exceção de condenar à morte, negociar em pau-brasil, cunhar moedas, etc.; também eram obrigados a povoar, cultivar, estender as conquistas para o interior, perseguir os piratas, e pagar um imposto anual como o de suserano para com o seu real amo.
Neste ano, pois, segundo as crônicas e documentos, não há notícia de ter chegado a esta província ou à costa do Brasil frota ou navio algum; conquanto julguemos o contrário, pois que em Pernambuco e Bahia já havia grande negócio e exportação de pau-brasil, parecendo impossível que, à vista disso, pudesse passar-se um ano sem a chegada de navios, quando menos para carregar essa mercadoria, então muito procurada.
Seja como for, esta é a verdade, e dela não nos afastaremos na nossa descrição.
Em 21 de janeiro de 1535, é passada separadamente a carta de doação a Pero Lopes de Souza, da capitania de Santo Amaro.
A 9 de março é registrada na Câmara de Olinda a carta de doação da capitania de Pernambuco, pelo próprio doado Duarte Coelho. São quase aniquilados nesta época, pelos índios caetés, os novos povoadores pela ferocidade com que foram atacados, e a não ser a coragem de Duarte Coelho, teriam necessariamente todos sucumbido. Valeram-lhes ainda os corajosos oficiais que tinham em sua companhia, e o socorro que lhes foi prestado pela tribo dos índios tabaiares, que deu ensanchas para resistirem e sustentaram-se, atacando os caetés, repelindo-os para os centros das matas.
Duarte Coelho foi ferido nesta ocasião, e muito deveu este donatário a Tabira, chefe dos tabaiares, que de um valor extraordinário e talento para a guerra ia espiar os caetés até em seus próprios arraiais, armando-lhes emboscadas, atacando-os durante a noite, e fazendo-lhes sortidas que os desnorteavam, tornando-se por isso o terror destes ferozes índios. Como grandes auxiliares, tinha esta tribo ainda dois fortes guerreiros por nomes Hagise e Piragibe, que igualmente com Tabira muito se distinguiram, merecendo por seus serviços serem condecorados por D. João III com o hábito de Cristo.
A 11 de março é confirmada ao historiador João de Barros a doação da capitania do Maranhão; mas vendo o donatário que não tinha os suficientes recursos para uma tal empresa, associou a ela a Fernando Álvares de Andrade e Aires da Cunha; concordou no entanto que fosse Aires da Cunha o chefe da expedição, que teria de vir para o Brasil, o que se efetuou neste mesmo ano na partida de uma armada composta de dez navios, novecentos homens, cento e treze cavalos, diferentes espécies de animais domésticos e muitas provisões; mas tão infelizes foram os navegantes que naufragaram nos baixios que rodeiam a ilha do Maranhão, tendo escapado unicamente alguma gente, por diversos modos, indo abrigar-se na ilha do Medo, hoje do Boqueirão, entre 2º e 30’ de latitude e 46º e 36’ de longitude ocidental.
Dois filhos do historiador João de Barros a custo se tinham salvado, abrigando-se em uma ilha na embocadura do rio, permanecendo ali por algum tempo; João de Barros mandou socorrê-los por um navio, mas já tarde, pois que tinham abandonado a ilha e caminhado pela costa, onde foram cair nas mãos dos índios potiguares, que os mataram a três léguas do Rio Grande do Norte, na foz do rio conhecido pelos indígenas com o nome de Babique.
À vista de tal contratempo, Aires da Cunha voltou para Portugal no primeiro navio que para lá partiu, pois que conheceu não ser bastante suficiente a gente escapa e serem insuficientes os necessários utensílios que lhe ficaram para fundar a povoação da nova capitania.
João de Barros, também contrariado por haver perdido dois filhos, assim como imensos cabedais que havia empregado, e de que ficara devendo no Estado, 600.000 mil réis, pela compra de artilharia e munições, quantia que el-rei D. Sebastião, depois de ser declarado maior, em 1568, lhe perdoou; por estas perdas e desgostos, viu-se forçado a renunciar seus direitos sobre a capitania do Maranhão.
Como sabe-se, esta esquadra não tocou em terras desta província, pois se fizera de rumo quando partiu de Portugal em direitura àquela capitania.
A 23 de maio deste mesmo ano chegou Vasco Fernandes Coutinho, com D. Jorge de Menezes e Simão de Castelo Branco, dois fidalgos degradados, e mais sessenta homens à baía desta província, a 20º 17’ e 30” sul, e 40º 19’ e 30” oeste do meridiano de Greenwich, posição tomada do monte Moreno em 1871; ou 18º 30’ e 21º 20’ de latitude, entre 42º e 46º de longitude oeste, como foi por muito tempo conhecida a posição geográfica desta baía.
Vasco Fernandes Coutinho, nesse mesmo dia, que era domingo, desembarcou com a sua gente em terras que ficam à margem direita da entrada da baía desta capital, em uma enseada que ele julgou ser a foz de um rio, e à qual deu o nome de Espírito Santo, em consequência de ser esse o dia em que a Igreja comemorava a Páscoa do Espírito Santo, ficando desde aquela época também conhecida aquela primeira povoação da província com este nome, que mais tarde foi mudado para Vila Velha, mas que, presentemente, conserva o nome primitivo. Posteriormente à fundação dessa povoação, foi também dado a todo o território dessa então capitania, desde o rio Itabapoana até o Mucuri, o nome de Espírito Santo.
Os selvagens procuraram logo obstar o desembarque de Vasco Fernandes Coutinho e a sua gente, mas foram repelidos pelas armas e com tal denodo que refugiaram-se para o centro, podendo eles tomar posse do terreno e aí, entre duas colinas, assentarem seus arraiais, principiando assim a povoar este então inculto e quase desconhecido território.
Ordenou imediatamente a edificação de um forte, de diferentes casas e de um engenho; estando sempre alerta a obstar os ataques dos índios aimorés, que continuamente os incomodaram até o ano de 1558, em que foram derrotados por Fernando de Sá.
Ali, pois, deu-se o primeiro desembarque do donatário, ali foi fundada a primeira povoação da província, e foi ele e os seus companheiros os primeiros que exploraram esta baía.
Com a chegada e desembarque, na província do Espírito Santo, do donatário Vasco Fernandes Coutinho, a 23 de maio de 1535, temos finalizado a notícia dos navegantes que tocaram ou não nas costas desta província, tendo para isso nos baseado nos melhores autores sobre a história do Brasil, e nos documentos e manuscritos até hoje conhecidos, e outros desconhecidos, que possuímos.
Fizemos saliente aquele que primeiro reconheceu o litoral da província do Espírito Santo, e os que tocaram em sua costa, para assim basearmos o ponto principal de cuja prova nos encarreguemos, como também os dias e anos em que se deram as partidas, chegadas, desembarques e volta das armadas, frotas e navegantes, que vieram à descoberta, reconhecimento, guarda e estabelecimento nesta parte da América, apresentando os dados em que nos fundamos para nossas asserções, como também demonstrando os enganos em que laboraram alguns cronistas, historiadores e aqueles que se ocuparam em escrever sobre diversos pontos de nossa história pátria ou luso-brasileira. Julgamos que, à vista das provas apresentadas e dos fundamentos em que nos firmamos, dúvida alguma pode aparecer ou suscitar-se sobre o ponto de que nos ocupamos, embora haja discordâncias em alguns autores, entre eles o Sr. visconde de Porto Seguro, que firmou-se no que mentirosamente disse Américo Vespúcio, dando paternidade a Gonçalo Coelho.
Provamos ainda não ter vindo ou tocado no Brasil armada ou frota alguma nos anos 1506, 1507, 1509, 1511, 1512, 1513, 1514, 1518, 1521, 1522, 1523, 1525, 1529 e 1533; assim também que, no ano de 1506, só o fato conhecido sobre negócios do Brasil foi o da bula dada pelo papa Júlio II, reconhecendo o tratado de Tordesilhas sobre os limites entre Portugal e Espanha, desta parte da América. No de 1513 a apresentação de três índios brasileiros a el-rei D. Manoel, por Jorge Lopes Bixorda. No de 1521, o falecimento de el-rei D. Manoel, em cujo reinado fora descoberto o Brasil, tendo nele fixado o domínio da coroa portuguesa, sucedendo-lhe no trono seu filho D. João III, que fora aclamado seis dias depois da morte de seu pai. No de 1522 a confirmação da carta régia de doação feita a Fernão de Noronha da ilha de São João, hoje ilha de Fernando de Noronha. No de 1529 o acordo assinado em Saragoça pelo qual a Espanha e Portugal deram por firmes e valiosos os limites de suas possessões na América. No de 1530 a carta patente dada por D. João III em que nomeava Martim Afonso de Souza capitão-mor da armada que se preparava a vir para o Brasil, a guardar suas costas e fazer descobertas e estabelecimentos. No de 1533 a concessão feita por Martim Afonso a Francisco Pinto, de uma sesmaria de terras na então capitania de São Vicente.
Vê-se, pois, que frisando nós os fatos dados em diferentes anos, já com a chegada, estabelecimento e estada de navegantes no território brasileiro, como dos anos em que aqui não chegou frota ou armada, tivemos por fim provar que, no ano de 1525, não só não partiu nem cá aportou vindo de Portugal ou de outra nação navio ou navegante algum, como tão pouco saíra das pequenas feitorias que se iam formando neste império nenhum destemido empreendedor a reconhecer esta costa e nela aportar.
Conquanto, como já fizemos ver, alguns escritores, ainda que poucos, deram como descoberta esta província no ano de 1525, e outros em 1535, o erro é tão palpável, que nenhuma dúvida pode suscitar-se à vista das provas apresentadas, já porque no primeiro dos anos, no de 1525, ficara confirmada a não existência de algum fato comprobatório a essa descoberta, por já estar ela feita, como em 1535, com a chegada de Vasco Fernandes Coutinho à sua então donataria, nada mais se necessitava a esse fim, pois que não é curial, nem se pode supor, que fossem marcados na carta de doação os limites da dita capitania, sem que já fosse conhecido todo o litoral desta província, nem que estivesse ignorada esta costa por espaço de trinta e quatro anos, contados da data da descoberta do Brasil, quando já era há trinta e um anos, como demonstramos.
Nem Simão de Vasconcelos, nem Aires do Casal, nem Vaz Caminha, nem Pedro de Souza, nem Rocha Pita, para nós autoridades insuspeitas, falam em ter esta província sido descoberta em 1525, pelo que julgamos que esse engano encontrado em alguns poucos autores vem derivado de algum erro cronológico na confecção de notas, aliás talvez escritas na melhor intenção.
Seja como for, a verdade é que foi Cristóvão Jaques o descobridor desta província no ano de 1504, sendo o primeiro que reconheceu toda a costa brasileira, desde Pernambuco até São Pedro do Rio Grande do Sul, perseguindo até o estreito de Magalhães, por ser aquele que, trazendo marcos, fora o incumbido de percorrendo-a assentá-los em lugares diversos.
Não há pois duvidar da época em que foi descoberta a província, à vista dos fatos e das provas por nós emitidas, já na declaração dos escrivães, pilotos das frotas e armadas que vieram ao Brasil nesse espaço de trinta e quatro anos, já nos cronistas e historiadores que escreveram nesse século, já nos manuscritos e documentos encontrados, e aos quais nos cingimos.
Nota: 1ª edição do livro foi publicada em 1879
Fonte: Província do Espírito Santo - 2ª edição, SECULT/2010
Autor: Basílio Carvalho Daemon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2019
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