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Convento de Nossa Senhora da Penha – Por Monsenhor Pedrinha, em 1891

Convento da Penha - Foto aérea, 1951

Descrever o Convento de Nossa Senhora da Penha com a dignidade e nobreza, que merece, é empresa para mim sobremodo difícil, senão de todo impossível.

Amo, porém esse monumento, como solene testemunho de que a fé e mais a caridade cristãs tudo podem e nobilitam: amo-o, porque é um epitáfio glorioso, apregoando incessante, sobre as cinzas dos nossos avoengos, suas nobres façanhas e seus brios; amo-o, porque é um manancial perene de bênçãos, de onde se hão derivado muitas consolações e confortos! Admiro-o também com devoção e patriotismo, porque nele vejo um esplêndido milagre da religiosidade cristã; nele vejo os suores dos meus patrícios, transformados em pérolas com que se adorna a auréola de suas glórias.

O amor não sofre esquecimento, a admiração exige louvor.

Pois bem, pagarei gostoso esses dois tributos, como me permitem as circunstâncias, limitando-me a externar aqui as impressões que tive em o visitando em abril deste ano.

Estando eu na capital de minha saudosa província, convidou-me a frescura de uma agradável manhã a visitar a grandiosa Penha. O céu mostrava-se diáfano e festival, e uma brisa fagueira, recolhendo o orvalho e odor das árvores e flores, refrescava e embalsamava a terra e o ar.

Tomei ligeiro baixel, que, singrando travesso a graciosa Baía do Espírito Santo, galantemente dourada com os matutinos raios solares, abicou à praia meridional da Baía, e entrei em Vila Velha, não menos respeitável agora, no somo de suas decrepitude, do que outrora ilustre nas glórias de seus troféus.

Visitei-a toda, recordando-me com prazer de sua antiga opulência, mas lastimando a penúria de sua atual pobreza e esquecimento. A vila de Vasco Fernandes Coutinho, a antiga capital, comerciante, ativa, rica, poderosa e festejada, hoje é tomada da modorra e apatia..., com glórias no passado, sim, mas sem esperanças no futuro, nem gozo no presente, porque até das glórias passadas, parece, não tem já memória!

Deixando a vila no seu recolhimento de velha, fui subindo vagaroso e contemplativo, por sob densa e fresca floresta, a serra da Penha. Tudo o que lera ou ouvira sobre a fundação da capela, do convento, e mais sucessos, pôs-se-me então diante dos olhos, de um modo vivo e eloqüente! Os heroísmos pasmosos de Pedro Palácios os feitos memorandos de Nicolau Afonso, Antonio dos Mártires, Antonio das Chagas, Sebastião do Espírito Santo, e outros, pareciam esculpidos naquelas pedras em caracteres de ouro, ou cinzelados com luminosos traços naquele céu, que muitas vezes se abatera aos estrondos de tantas maravilhas.

Chegando ao pícaro do alto colosso, estendi os olhos pela vastidão sem fim da terra, do mar e do espaço, e pasmei a vista nesse panorama rico e soberano! Medindo com um olhar a serra, que pisava, considerando a celebridade de seu nome, o valor de seu prestígio e a pompa de sua soberania, saudei-a assim cantando:

Oh! Penha majestosa e sublimada,

Nunca assaz maravilha decantada

Do opulento Brasil!

A filha de Sion, rica e formosa,

Gasalhado dás nobre e generosa

Em teu belo alcantil.

Tua linda alcatifa o mar adora

E humilde, a osculando, canta e chora

Em místico bramir:

Chora — sim - não podendo ver-te a face;

Mas orvalha a cecém que a teus pés nasce

E te canta a sorrir.

 

A pétrea solidez de que te veste

É um escudo potente que fizeste

Contra a morte fatal!

E a fronte sobre as nuvens reclinando,

Asilo perenal estás mostrando

Ao pávido mortal!

 

És famosa e do mundo festejada,

Porque em tua fulgente cumeada

Resplandece grã Luz,

Que dardeja milagres infinitos,

E o mundo pondo os olhos nela fitos

Ela mostra Jesus.

 

Muitos e novos pensamentos abalaram-me o peito..., e meu espírito já se suspendia nas asas do entusiasmo, já se batia com o peso de misteriosas saudades. Entrei para logo no convento, visitando-o todo e bem de passo, com curiosidade de quem visita um monumento célebre, e com o respeito e fervor com que se visita um lugar santo. Fui lendo as grandezas passadas naqueles tão desusados alicerces, que pareciam menos base que abismo; naquela dificílima, mas bem acabada estrutura, naquelas inscrições, naqueles quadros — já apontando rasgos de caridade, já mostrando assombros de benéficos milagres!

Mas fui lendo também suas ruínas no carcomido e esburacado do soalho; nas paredes aranhentas e lixosas, na tristonha calada daquela soledade!...

E senão quando, pareceu-me ouvir das mesmas ruínas esta sentida queixa em tom lacrimoso:

Repara o mundo, ingrato, inconstante,

Que tantas mercês da Senhora obtém,

Já vai olvidando a pródiga amante

Aplaude, mas foge, sozinha a detém!!

 

Os hinos canoros, que outrora entoavam

Zelosos levitas, em sua homenagem;

E aquele alvoroço com que festejavam

Seu monte roubou-lhe imiga voragem.

 

O monte sagrado deserto e choroso,

Mostrando os milagres da Virgem bondosa,

Dá vozes — dizendo: vem, mundo esquivoso,

A mãe o regaço te oferece amorosa...

 

Entrei na capela da soberana virgem, examinei e admirei esse mimo da piedade cristã e aproximei-me do altar da Senhora, para lhe dar humilde louvor de filho e de devoto: ajoelhei-me diante de sua bela imagem, como pretendo também consolá-la naquela solidão, ou mitigar-lhe maternais saudades.

Tudo então falava e transportava-me: as paredes vetustas e solitárias; o respeitoso silêncio, que reinava em todo o edifício; a elegante capela, com uns ares de piedade angelical; a risonha imagem da Senhora da Penha, em cujo airoso vulto se mostrava o amor e a generosidade de mãe terníssima, em cujo nobre e galhardo porte como reluziam suas virtudes celestes e seus gloriosos resplendores, tudo me estava dando mais amor, mais admiração e entusiasmo! Pedi licença à sereníssima Virgem, para lhe fazer um soneto e me expandir assim diante de tão novos e tão gostosos afetos. Qual pobre bardo, que mais sente as emoções no peito, que as pode traduzir nos lábios, cantei desafinado, mas cantei:

Permita-me deponha a teus pés

Um soneto, Senhora, que fiz,

É um pobre soneto, bem sei,

Mas amor e louvor ele diz.

 

Inclinado depois a fronte respeitoso, falei mais com o coração, que com a boca:

Não posso te ofertar laurel nenhum prestante,

Nem sei te engrinaldar a fronte refulgente:

Formosa e tão gentil, oh! Virgem resplendente,

Mal posso lobrigar teu sólio rutilante!

 

Em tua exaltação, oh! Lume deslumbrante!

Perdeu seu brilho o sol, e Deus munificente

Mostrou seu poderio e fino amor ingente,

A glória e seu valor, o brio teu ovante!

 

Excelsa e doce Mãe, rainha gloriosa,

Eu, criatura vil, bichinho desprezível,

Nenhuma flor possuo, nem voz melodiosa,

 

Para alcatifar teus pés, ou te cantar prazível!

Dá-me, porém, uma flor ou uma voz sonorosa

E um dia receberás um almo mimo plausível.

 

Desafoguei-me com o canto, e meu coração sentiu-se sobremaneira satisfeito com este preito de servo e com este louvor de filho amoroso. Percorri de novo todo o convento, e não sei por que se me representava estar ele a encarecer-me a necessidade que tem o Brasil de mão forte e possante, para romper os obstáculos que o estorvam nos seus avanços de verdadeiro progresso..., e a lembrar-me o estado quase estacionário desta província tão favorecida da natureza, quão esquecida dos naturais.

Com isto chegou o tempo de me partir, que chegou depressa: fui à capela a fazer minhas despedidas e protestos de admiração e amor, e aí, aos pés da Virgem implore amparasse dirigisse ela a província e todo o Brasil! - no caminhar difícil, mas glorioso, que leva à próspera fortuna, com que lhe está acenando a Providência. E assim terminei minha prece, compendiando-a neste simples pensamento, que pobres rimas traduziram:

 

Estende, Virgem Maria

Desta Penha alcantilada,

Terno olhar sobre o Brasil

De quem és mãe desvelada;

 

Protege, oh! Mãe dadivosa,

Minha província formosa,

Faze se torne famosa,

Rica, grande e sublimada.

 

Já o sol dourava o cimo do monte, aclarava os vales e florestas e difundia seus risos de alegria por toda a natureza.

Em derredor de mim tudo me parecia sorrir e melodiar em dois coros este concerto divino, que benignas auras levavam ao trono da Mãe de Deus:

"Quoe est ista, quae ascendit per desertum sicut virgula fumi ex aromatibus mirrae, et turis et universi pulveris pigmentarii?"

"Ista est speciosa inter filias Jerusalem."

 

Pati do Alferes, Setembro de 1891. (Publicado no Brasil)

Nota: O Monsenhor Pedrinha (1864-19I9), autor do texto acima publicado, foi poeta, ensaísta, orador sacro e parlamentar por mais de uma legislatura. De família tradicional de desbravadores, nascido às margens do rio Doce, foi um dos maiores intelectuais de sua época. Patrono da cadeira 18 da AEL.)

(Rio de Janeiro: Tip. de O Apóstolo, 1896. CAPÍTULO XIII.)

 

Fonte: Revista da Academia Espírito-Santense de Letras – Comemorativo ao 86º aniversário da AEL, ano 2007
Autor: Monsenhor Eurípedes Pedrinha
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2015

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