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Tímidos Ensaios – Por Monsenhor Eurípedes Pedrinha (1891)

Capa da Revista da Academia Espírito-Santense de Letras – Comemorativo ao 86º aniversário da AEL, ano 2007

TÍMIDOS ENSAIOS.

PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO

Cadeira 18 (Patrono)

Província em geral: etimologia de seu nome, superfície, população e espaço físico

 

Introdução

Descrever o que se acontece, encomiar o que se admira, gostar da terra de seu berço, falar de quem se ama, - é do homem: é-nos isto tão natural como a flor odorífera ao exalar seu perfume. Falar, porém, com acerto e descrição é do sábio, falar com graça e encanto é do poeta, falar verdade e com verdade é do cristão. Amo minha província como filho de extremado afeto, conheço-a toda pelos livros, que nos contam, mas não mostram, conheço grande parte que vi e revi e admirei. Admiro especialmente o majestoso Rio Doce, o imponente Juparanã, a gentil Linhares: lastimo a selvageria dos índios, amo o meu Riacho, como o berço querido; admiro com entusiasmo o convento de Nossa Senhora da Penha, pregão de glórias, monumento mais que humano.

De alguma outra parte da província, conhecida, vista e admirada por mim, não falarei, destas sim - que me levam admiração sobre todas, ainda que só bastaram a muita amizade que lhes tenho e a brevidade que intento. Da província em geral direi muito por alto a etimologia de seu nome, superfície, população, aspecto físico. Escreverei, não como sábio, que o não posso, não como poeta que o não sei; mas como patriota que ama, como cristão que não exagera.

A forma será rude, as descrições pobres, as considerações rasas, porque, além de tudo, é isto antes impressões de um passeio, do que descrições literárias, ou notícia histórica ou geográfica. A verdade, porém, enfeite mais primoroso da pena, transluzirá neste papel, luminosa.

"Esta capitania se tem por melhor coisa do Brasil, depois do Rio de Janeiro", Carta do venerando padre Manuel da Nóbrega, em 1560.

A viçosa mata e alegres campos de Mboab vestiam flores muito gentis e formosas; a pura atmosfera, preenche de suavíssima fragrância que em profusão derramavam aquelas pétalas e ramos virentes, mostrava-se benéfica e atraente:, a igreja Católica solenizava com aparatosa pompa um dos maiores dias do cristianismo, no qual o céu mandara aos apóstolos os ensinamentos e sabedoria para regarem e defenderem a já nascida e frutuosa árvore da moralidade da vida, quando, embalado pelas auras de um futuro prospero e lisonjeiro, entrou Vasco Fernandes Coutinho a risonha e muito graciosa baía dessas ricas terras de que foi ele o primeiro donatário em domingo do Espírito—Santo, 23 de maio de 1535.

Cuidou para logo Coutinho assentar habitações na margem direita dessa mimosa baía, e trocar-lhe o nome de Mboab, que no índio significa — calçados - no de Espírito Santo, em comemoração desse dia, e para, porventura, nos testemunhar o catolicismo daqueles tempos de tanto brilho e tanta glória. Estendeu-se o nome sobre toda sua então vastíssima capitania e depois sobre toda a sua província, hoje de 44.900 quilômetros quadrados, com uma pequena população de 100.800 habitantes. Tem um céu alegre e lindamente azulado, o solo pouco regular, é mais montanhoso que plano. Por todo ele luxuriante e variadíssima vegetação esta apregoando a grandes vozes sua feracidade, refrescando e purificando a atmosfera, e desafiando com seus com seus fascinantes tesouros de riquezas a lavoura, o comércio, a indústria, a navegação, as ciências naturais.

Rios e regatos, riachos e ribeiros, graciosamente cortejados de lagos, lagoas, cascatas, catadupas e arroios, dispostos em todo o primor da natureza, descem até o litoral — já se distanciando, já se aproximando e confundindo em serpear de ativo folguedo e alacridade, com o seu povoado de muitos e saborosos peixes, por sob matagais de frescuras. Ao longe da cosa alvejam vastos areais, vestindo-se interessantes e pequeninas lagoas e relvosos brejos. Palmeiras guriris, com suas palmas radicais e muitas variedades de dicotiledôneas e cactos de purpurinas flores balançando-se com a brisa suave e fresca variação dos climas tropicais, dão-lhes ares dos agrestes do norte. Ao sul do Rio Doce, erguem-se elevadas serras da cordilheira dos Aimorés, rasgadas e lavadas todas pelas impetuosas correntes de muitos rios e recreadas pelas amenidades de frescas ribeiras.

Ao norte porém, do Rio Doce e ao sul de sua foz até Santa Cruz topam-se vastas e bem estendidas planícies, e só um ou outro pico, qual obsequioso e fiel guarda, depara-se ao viajante, como maneando o cimo povoado de relvas. Mas a gigantesca e exuberante vegetação, que cobre essas regiões de vários e diferentes aspectos, revela a uberdade incontestável do seu solo. Entretanto, lá se fica esquecida e desamparada da mãe pátria essa tão rica e formosíssima filha! Ninguém lhe pede o tesouro à sua liberdade; ninguém atencioso olha sua formosura; ninguém lhe enxuga o pranto do desprezo e da desolação a que a têm sacrificado do indiferentismo, o desamor, a ingratidão.

 

Pati do Alferes, setembro de 1891. (Publicado no Brasil)

Nota: O Monsenhor Pedrinha (1864-1919), autor do texto acima publicado, foi poeta, ensaísta, orador sacro e parlamentar por mais de uma legislatura. De família tradicional de desbravadores, nascido às margens do Rio Doce, foi um dos maiores intelectuais de sua época. Patrono da cadeira 18 da AEL.)

(Rio de Janeiro: Tip. de O Apóstolo, 1896. CAPÍTULO XIII.)

 

Fonte: Revista da Academia Espírito-Santense de Letras – Comemorativo ao 86º aniversário da AEL, ano 2007
Autor: Monsenhor Eurípedes Pedrinha
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2015

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