Desportos - Por Renato Pacheco
O pênalti perdido
“ – Chico, e aquele pênalti perdido pelo Marmorato?
O pênalti, que daria aos capixabas o empate com a seleção mineira, foi o nosso Brasil e Uruguai de 50. Marmorato, beque riobranquense – e naquele tempo era beque mesmo – veio lá de trás, destróier resoluto singrando através do silêncio expectante do Estádio Governador Bley. Depois, foi o petardo formidável que até hoje ecoa na memória dos pósteros – nós, os pósteros – quando a bola explodiu no alambrado atrás do gol fazendo plat. Ad aeternitatem plat. Imortalizado plat, imortalizado Marmorato.
Grijó ri ouvindo o plat remoto e vivo, torcendo o corpo miúdo de ex-ponta-direita. Porque, naquele tempo (e estamos falando de saudades), havia linha com ponta-direita, que tinha de ser miúdo e corredor como Chico, para ser perfeito.
Com a prerrogativa de quem participou da preliminar do jogo, relembra ele:
- Marmorato só bateu pênalti porque ninguém quis bater. Foi um ato de coragem.”
Esta recordação do cronista Luís de Almeida, pseudônimo sob o qual se esconde o grande escritor capixaba Luiz Guilherme Santos Neves, mostra a grande importância que o futebol havia adquirido na cidade.
De fato, futebol e regatas, se não os únicos, eram os mais populares desportos vitorienses.
O grande clássico do futebol era o Vitória x Rio Branco, que a imprensa apelidara de o Fla x Flu capixaba.
O primeiro campeonato espírito-santense de futebol abrangendo clubes de todo o Estado realizou-se em 1931, mas não logrou êxito, em virtude das dificuldades de comunicação da época e foi vencido pelo Rio Branco FC em duas partidas contra o Cachoeiro FC.
O campeonato local de 1934 contou com sete clubes: a Associação Viminas de Esportes (AVE), que reunia os funcionários da Estrada de Ferro Vitória a Minas; o Uruguaiano; o Rio Branco, de Jucutuquara; o Vitória, da elite; o Santo Antônio, do bairro do mesmo nome; o Americano; e o São João.
Foi então que o Rio Branco FC, fundado em 21 de junho de 1913, resolveu transformar seu barracão, em Jucutuquara, num monumental stadium, que seria inaugurado em 30 de maio de 1936: “animada pelas consecutivas vitórias das cores do Estado em variadas modalidades de ‘sports’, na capital do Brasil, germinou e alastrou-se, ao calor do entusiasmo coletivo, à ideia de dotar-se Vitória de um ‘stadium’.
O sonho virou pesadelo: embora muito se falasse que a obra era fruto da união para “realizações que se equiparam a essa que hoje honra o Espírito Santo e as tradições do Rio Branco FC e que, justamente, recebe o nome Stadium Governador Bley.”
Cheio de dívidas, o clube teve de entregar o estádio que acabou encampado pelo Estado, passando ali a funcionar o Serviço e Escola de Educação Física. Este débâcle de certa forma também arruinou o futebol vitoriense, tanto que A Tribuna, em 1939, dá a seguinte manchete: “ressurgimento do esporte bretão entre nós: torneio aberto.” Compareceram a este torneio, que foi o início do campeonato, o Vitória, o Riobranquinho (condição humilde a que chegara o Rio Branco), o Santos, o Centenário, a Polícia Militar e o Americano, saindo vencedor o primeiro time citado.
Em 1943 havia, em Vitória, o Rio Branco (que voltara ao nome antigo), o Vitória, o Santos, o Leopoldina, o Vila-velhense, o Americano, o Caxias (antigo Polícia Militar) e o América.
O scratch capixaba (naquele tempo o campeonato brasileiro era por estados) era Dias III, Betinho e Pator; Carlota, Rogociono e Juju; Alemão, Darly, Alcy, Jervel e Nilton, sendo reservas Betinho, Pito, Walter, Brant, Wilson, Lambari e Joaninho.
Além do futebol de clubes, por toda a parte havia peladas com bolas de meia, borracha ou couro, sendo as mais famosas a do lado do Saldanha e a da Praia Comprida, onde “todas as manhãs uma pelada muito competitiva e competente se desenvolvia em frente ao bar do Walter, que hoje leva o nome de Miramar”.
Alvarus de Oliveira, falando dos “botes de tostão”, diz que “as regatas são o esporte preferido do capixaba”. De fato, além das regatas de catraieiros havia quatro regatas oficiais dos clubes Álvares Cabral, Saldanha da Gama, Náutico Brasil e Viminas, Os dois primeiros eram os tradicionais rivais, sendo que o Saldanha levava ligeira vantagem pela sua sede ao lado do mar e fábrica própria de embarcações.
Havia regatas com onze páreos, ficando o rebocador Antenor Guimarães à disposição dos sócios dos clubes para melhor assistirem à disputa.
Lutando contra o Vasco da Gama, Flamengo e Guanabara do Rio de Janeiro, o Saldanha ganhou, em 17 de novembro de 1933, a prova clássica “Estado Unidos do Brasil”, tendo o barco como patrão José da Costa Morgado Horta (Costinha), e remadores Wilson Freitas, Darly Encarnação, Arlindo Cardoso, Orfeu Santos, Orozimbo Ferreira, Bráulio Santa Clara, Geraldo Vassalo e Manoel Ferraz Coutinho Júnior.
Oliveira Santos faz uma pinturesca descrição de uma regata a que assistiu: “Procuravam as pessoas de todas as classes, no dia do prélio, vestir-se a propósito, de forma que era bastante olhar para logo saber quais as suas simpatias.” Preto e branco se Álvares, e vermelho e branco se Saldanha.
Muitos botes e lanchas embandeiradas, como as de Antenor Guimarães, Mesquita, Saúde, Praticagem e particulares coalhavam a baía.
Os vapores do porto também se embandeiravam com as bandeiras de todas as nações, dando um aspecto festivo à disputa.
Viva o Álvares! Viva o Saldanha! – eram gritos frequentes.
Muitos espectadores ficavam na margem do canal acompanhado a regata com o mesmo entusiasmo.
A partida dos barcos era dada no Penedo, em frente à sede do Saldanha.
Nas olimpíadas de Berlim, em 1936, dois capixabas se fizeram presentes: Ary Furtado (Pavão) no basquete e Wilson Freitas na regata.
Além de futebol e regata, o Vitória, o Álvares e o Saldanha também disputavam campeonatos de basquete. O Vitória, que trouxera em 1935 Togo Renan Soares (Kanela), técnico do Botafogo, para dirigir sua equipe, foi campeão nos quatro anos seguintes. Com a perda de sua quadra, na Jerônimo Monteiro, o Vitória decaiu no basquete. Em 1943 inaugura-se uma cancha no terreno baldio ao lado do teatro Carlos Gomes, onde muitos circos foram armados: chamava-se Interventor Jones Santos Neves e durante muitos anos (até a construção do prédio do IAPI) centralizou as atenções para o basquete local.
Não só os clubes disputavam torneios de basquete: as escolas também o faziam. EM 1936 houve um animado torneio entre São Vicente, Escola Normal, Escola Superior do Comércio e Faculdade de Direito, tendo saído vencedor o São Vicente: “a vibração e o entusiasmo da torcida, sobretudo dos ginasianos do São Vicente, que se apinhavam unidos nas arquibancadas, tocaram as raias do delírio”, comenta o analista do Diário da Manhã.
O Serviço de Educação Física do Estado e a Casa do Estudante Capixaba procuravam organizar o atletismo com provas de salto, em extensão, em altura e de vara; corridas de 110 metros com barreiras, 100 metros rasos, 400 metros e 1500 metros; lançamento de dardo; arremesso de disco; provas de futebol; basquete e vôlei.
Havia também adeptos de tênis, tanto no Parque Tênis quanto no Praia Tênis, o primeiro no Parque Moscoso e o segundo em terrenos da CCBFE na Praia Comprida. Eram adeptos deste esporte: Alcides Guimarães, Asdrúbal Peixoto, Raul Oliveira Neves, Paulo Ribeiro Write, e Jonas e Guilherme Santos Neves.
O xadrez tinha o Capichaba Xadrês Clube, que realizou torneio em 1936, tendo tirado o primeiro lugar Raul Sodré e os segundos lugares César Gianordoli, Nelson Augusto Moreira e Thiers Cunha. Outros enxadristas: Délio Dessaune, Arnaldo Magalhães Júnior, Nilton de Barros, Clóvis Machado, major Edgar Fontoura de Barros, José Akerman, Ranulfo Gianordoli, Hilário Soneghet, João Mameri e Mauro de Araújo Braga.
Outras modalidades desportivas eram realizadas com menor frequência.
O water-pólo, no mar, na prainha em frente ao Saldanha. O golfe, no Victoria Country and Golf Club, que reuniu estrangeiros e uns poucos nacionais no terreno onde hoje está o Campus da Universidade Federal do Espírito Santo.
Corridas de cavalo havia na praia de Camburi, “aprazível recanto”, e eram promovidas por Lourival Nunes e Brandolino Ribeiro.
O pugilismo se apresentou no tablado do Politeama, tendo Clement Sinclair sido derrotado por Alípio dos Santos, o Pantera Negra, no quinto round.
Fundou-se também o Moto Clube Espírito-santense, com quinze motociclistas, que faziam excursões até a Serra, onde realizavam torneio de tiro ao alvo, corrida de sacos e corrida de três pés. Entre os “motoqueiros” de então, estavam Guilheme de Prá, famoso pela subida da morte com uma Harley de dois cilindros, Henrique Ribeiro, Mário Batistela, Dionísio e Flávio Abaurre e Augusto Amado.
Fonte: Os dias antigos, 1998
Autor: Renato Pacheco
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2012
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