Dom João Intimado - Por João Baptista Herkenhoff
Em recente reunião da comissão Estadual da Verdade referi-me àqueles que sofreram gravames no período ditatorial, mesmo sem terem sido presos ou vítimas de tortura física. A tortura moral pode ser tão dolorosa quanto a que flagela o corpo. Relembrei episódio que teve como vítima o arcebispo D. João Baptista da Motta e Albuquerque. Ele foi intimado a comparecer ao antigo 3° BC, batalhão do Exercito situado em Vila Velha.
D. João Baptista, como D. Hélder Câmara e outros bispos brasileiros, entendia que a luta pela justiça e pela igualdade é uma luta cristã, como também é cristã a repulsa aos abusos contra a pessoa humana. Dentro da concepção de Cristianismo engajado cabia dar apoio às reformas de base, inclusive a Reforma Agrária.
Cabia denunciar, sem meias palavras, as afrontas que se perpetravam contra os presos políticos. No clima de caça às bruxas que se seguiu a 31 de março de 1964, o apoio da Igreja aos movimentos libertários recebia a etiqueta de subversão. Conseqüentemente. Via-se D. João Baptista como subversivo ou, no mínimo, complacente com a subversão.
Não podia haver tolerância para com os comunistas, os apoiadores do Comunismo e os que serviam ao projeto de transformar o Brasil numa nova Cuba.
D. João Baptista foi intimado para explicar, no batalhão do Exército, o que estava acontecendo na Arquidiocese de Vitória, onde padres pregavam um Evangelho político. Queriam que D. João coibisse o trabalho desses sacerdotes, que reprimisse o envenenamento da Religião por teses comunistas. Não tiveram coragem de atacar mais diretamente o prelado, mas alcançaram de forma contundente alguns de seus principais colaboradores.
Por que os inquisidores não foram à residência do bispo pedir esclarecimentos? Por que impuseram ao arcebispo locomover-se até o território do batalhão? A intimação para comparecer ao Batalhão de Caçadores, onde estavam ocorrendo processos sumários para punir comunistas, humilhou D. João.
Católicos e cristãos não católicos compreenderam que alguma coisa tinha de ser feita para demonstrar solidariedade ao arcebispo ofendido.
Um grupo de grande respeitabilidade social organizou uma sessão de desagravo ao arcebispo. O ato de reparação ocorreu no Colégio de Carmo, um estabelecimento de ensino de grande tradição, pertencente à Igreja e que seria extremamente audacioso invadir. O salão ficou literalmente lotado. A Polícia Política esteve presente, gravou tudo, mas teve de engolir a manifestação. Solicitaram que eu falasse desagravando D. João. Falei. Foi o discurso mais importante que proferi em minha vida.
Fonte: Jornal A Gazeta, 23/10/2013
Autor: João Baptista Herkenhoff
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2013
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