Dos Emboabas ao Monte Líbano - Capítulo I
Este livro começa no tempo dos emboabas. Recordemo-nos de que, em 1693, um bandeirante taubateano, Antônio Rodrigues Arzão, chegou à Vila da Vitória, com três oitavas de ouro, que apresentou ao Capitão-Mor, João de Velasco e Molina, e aos Oficiais da Câmara. Era o primeiro ouro descoberto, retirado das minas do Brasil e originário da Casa do Casca, afluente do Rio Doce. Ouro, na verdade espírito-santense, visto como, pela Carta-Régia de doação da Capitania a Vasco Fernandes Coutinho, essa região pertencia ao Espírito Santo. Não se havia, ainda, firmado o infeliz e arbitrário Acordo de Limites, que transformou a Capitania em estreita faixa litorânea.
Desse metal, foram cunhadas duas medalhas: uma ficou em poder do próprio Arzão; outra, com Velasco e Molina.
Reconheceram os espírito-santenses a grandeza da aventura realizada pelo intimorato bandeirante que, através de trilhas primitivas e lendárias vias fluviais, teve a sinceridade singular de trazer o valioso achado ao seu verdadeiro dono: o Espírito Santo. E seus membros, castigados na caminhada perigosa, a vencer matas e travessias incógnitas, sua tez crestada pelo Sol e seu vestuário andrajoso, foram devidamente reconhecidos, pensados e recompensados. A Câmara da Vila forneceu-lhe roupas, remédios, hospedagem e todas as demais assistências.
Realizava-se, portanto, um capítulo da “bárbara epopeia humana das conquistas”, que o poeta decantaria:
E Rodrigues Arzão, que andou em longes serras
E vales cataguás, ignotos e medonhos,
À caça do gentio, entre insídias e guerras
E busca de um tesouro, em delirantes sonhos!...
A bandeira lá vai. Segue-lhe a esteira o Encanto,
Que há de as terras florir, à luz de um sonho louro...
— E Rodrigues Arzão chega ao Espírito Santo
Para mostrar ao mundo — uma faísca de ouro!
Almeida Cousin — ITAMONTE
Mas o ouro de Arzão motivou um dos mais famosos movimentos históricos do Brasil, decantado na prosa e no verso, e conduziu as autoridades a iniciativas enérgicas relativas à construção de fortalezas, para a guarda do Espírito Santo contra invasões estrangeiras, atraídas pelas notícias das minas auríferas. Veio a proibição de estradas para o Oeste. Ficou, assim, a Capitania impedida de conquistar seu próprio território.
Divulgada a confirmação da descoberta do ouro tão ambicionado, intensificou-se o movimento das bandeiras, resultante, principalmente, da Carta de 1° de março de 1697, na qual o Governador do Rio de Janeiro, Castro Caldas, participava a El-Rei que os paulistas haviam encontrado dezoito a vinte ribeiros de ouro da melhor qualidade, nos sertões de Taubaté. Eram os famosos pactolos. Deslocou-se o povo, numa verdadeira arrancada para o Eldorado Brasileiro, a deslumbrante Aurilândia.
O caminho — Rio de Janeiro a Parati, Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá à garganta do Embaú, na Mantiqueira (atual município de Cruzeiro), era o itinerário seguido pelos que visavam à zona encantada, envolta nas esperanças da riqueza fácil. Dali, subiam os futuros mineradores ao Rio das Mortes, a Ouro Preto, ao Rio das Velhas e a Ribeirão do Carmo. Em face, porém, da extensão a percorrer, o Capitão-General Governador do Rio de Janeiro, que viajara a São Paulo, comunicava a El-Rei, em Ofício de 20 de maio de 1698, o flagelo da fome, que atingia os mineradores. Necessário tornava-se um caminho direto dali para as Gerais, com a redução da viagem a quinze dias. Até então, era de quarenta e cinco a noventa!...(1)
Da Bahia, igualmente, transportavam-se os interessados ao País do Ouro, em maior parte, por via fluvial (Rios São Francisco e das Velhas), ou pelos caminhos terrestres. Em 1700, por exemplo, o Governador Geral, Dom João de Lencastre, despachara dois contingentes que, da cidade do Salvador, foram para o Sul, “pela parte Norte do Rio São Francisco, das serranias donde têm nascença os Rios Pardos, Doce, das Velhas e Verde”.(2) Os contingentes eram comandados pelo paulista João Gois de Araújoe outro com cem homens, por Pedro Gomes da França. Deviam, os referidos Capitães, investigar tanto a existência de minerais, quanto descobrir um caminho mais curto, entre Minas e a cidade da Bahia.
Mas a febre do ouro intensificou-se de tal modo que, a 23 de setembro de 1702, em Carta a Dom Pedro II, o mesmo governador relatava a situação calamitosa das Minas, lugar cheio de estrangeiros de várias nações, ao passo que as Capitanias do Sul estavam quase desertas, porque seus habitantes iam buscar ouro. Militares e marinheiros desertavam... Muitos vinham para o Espírito Santo; internavam-se na zona do Castelo.
Brancos, mulatos, carijós, mamelucos, curibecas, pretos, fidalgos, plebeus, escravos, servos, ricos, pobres e indigentes, vindos de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Portugal, Ilhas, índia Portuguesa e África, formavam a miscelânea calculada em cinquenta mil pessoas, em 1705.(3) E tal volume tomou a onda emigratória para o Brasil que, alarmada, a Corte considerou que o Reino se despovoasse!... Portugal estava entregue ao trabalho das mulheres, pois é sabido que os portugueses deixavam as famílias no Reino. Veio, então, o remédio da proibição do trânsito, para as possessões espanholas, e exigência de passaporte, para as pessoas que se destinassem ao Brasil.
Não nos cabe, de certo, nesta ligeira introdução, um estudo completo e minucioso do trabalho complexo e fabuloso das catas, que tantas vidas sacrificou e tanto ódio acirrou. Podia-se comparar a Aurilândia não ao Inferno Verde, saturado de lendas, dominado pelas feras, pelos répteis, insetos portadores de morte, índios indômitos e antropófagos. Era outro, porém, mais triste, porque cenário de ódio, da cobiça, inveja, sede de domínio, ignorância, materialização da vida!... que o tornavam Rubro, porque tingido pelo sangue humano derramado no Rio das Mortes! Até o resultado das lutas — verdadeiras guerras — entre paulistas e emboabas. Cumpre-nos registrar apenas que a notícia do ouro do Brasil concorreu para que do Reino viessem os ascendentes do maior administrador do Espírito Santo, aquele que, induzido pela mesma vontade intangível dos seus maiores e inteligência privilegiada, herança feliz dos seus genitores, teria de votar-se à elevação do seu berço natal, no conceito da pátria brasileira.
Remontam, de fato, os velhos troncos da Família Sousa Monteiro aos reinois, que vieram para a Zona do Casca, já pacificada, entretanto, porque no tempo da Capitania, criada pelo Alvará de 2 de dezembro de 1720, em consequência da Carta Régia de 21 de fevereiro do mesmo ano, separou o Distrito das Minas da Capitania de São Paulo. Assim, o bisavô de Jerônimo, Antônio de Souza Monteiro, nasceu, a 3 de fevereiro de 1733, em Santa Eulália de Margaride, Arquidiocese de Braga, e casou-se em 1775 com Joana Gomes Pereira de Macedo, natural de Santa Eufêmia de Calheiros (Braga), batizada a 30 de julho de 1759. Foram os pais de Alferes Antônio de Sousa Monteiro, nascido em 1776 e batizado a 30 de setembro do mesmo ano, em Bento Rodrigues, comarca de Mariana, portanto brasileiro e mineiro, descendente dos que vieram de Portugal. Casou-se, em terceiras núpcias, com Graciana Justa da Piedade, falecida a 16 de fevereiro de 1887, em Cachoeiro do Itapemirim. Foram os pais de Francisco de Sousa Monteiro, nascido a 24 de abril de 1823, em Minas Gerais, fundador e senhor do Monte Líbano, em Cachoeiro do Itapemirim.
Pelo lado materno, encontramos Bernardino Ferreira Rios, português, casado com Bárbara Domitila Pereira de Almeida, nascida a 4 de dezembro de 1809, em Paulo Moreira, hoje “Alvinópolis”. Foram os pais de Henriqueta Rios de Sousa, nascida a 20 de maio de 1839. Casou-se com o Capitão Francisco de Sousa Monteiro, acima referido. Bernardino Rios estabelecera-se, como comerciante, em Paulo Moreira. Do consórcio de Francisco e Henriqueta, nasceram os seguintes filhos:
• Antônio (Antonico), a 4 de agosto de 1856. Faleceu a 19 de junho de 1913.
• Bárbara (Sinhá Bárbara), a 25 de novembro de 1858. Faleceu a 19 de junho de 1875.
• Maria Bárbara (Maricota), a 25 de agosto de 1860. Casou-se com o Dr. Manuel Leite de Novaes Melo, médico da Colônia do Rio Novo, depois Deputado Provincial e Federal. Era natural de Alagoas e filho dos Barões de Piaçabuçu. Dona Maricota faleceu, a 29 de julho de 1947.
• Maria Graciana (lóta), a 30 de março de 1862. Faleceu a 20 de abril de 1881.
• Bernardino (Didinho), a 6 de outubro de 1864. Foi Presidente do Estado do Espírito Santo, Deputado Estadual e Senador. Faleceu a 1° de março de 1930. Casou-se com Dona Iná Goulart Monteiro, falecida a 24 de novembro de 1965.
• Fernando, futuro Bispo do Espírito Santo, a 22 de setembro de 1866. Faleceu a 23 de março de 1916.
• Helena (Dodona), a 8 de agosto de 1868. Falecida. • J E R Ô N I M O (Nhonhô), futuro Presidente do Espírito Santo, a 4 de junho de 1870. Casou-se com Cecília Bastos. Jerônimo faleceu a 22 de outubro de 1933.
• José, a 4 de julho de 1876. Casou-se com Adélia Goulart Monteiro, a irmã de Iná. Faleceu a 10 de outubro de 1937.
• Bárbara (Barbinha), a 15 de março de 1878. Casou-se com o Dr. Carlos Adolfo Lindenberg, engenheiro. Faleceu a 24 de novembro de 1967.
• Henriqueta (Quequeta), a 7 de julho de 1879. Casou-se com o Dr. Florentino Avidos, engenheiro. Foi Presidente do Estado do Espírito Santo, no quadriênio de 1924 a 28. Henriqueta faleceu a 9 de março de 1919, em Belo Horizonte.
O Capitão Sousa Monteiro ia sempre ao Rio de Janeiro, tratar de negócios e da educação dos filhos. Em 1884, levou as filhas Helena e Barbinha e o filho José, para o Matoso. Veremos que levara Jerônimo para Itu.
Certa vez, viajando a cavalo para a Barra do Itapemirim, onde se tomava condução marítima para o Rio de Janeiro, dele se aproximou, na estrada, um jovem cavaleiro. Era Cícero Bastos, empregado de uma casa comercial em Cachoeiro e que, no futuro, seria sogro de Jerônimo.
* * *
Os Monteiros eram bem-humorados; distraíam-se com troças, brincadeiras simples, mormente no Carnaval e nas Aleluias, quando, na Fazenda Monte Líbano, era indispensável a queima do Judas. Reuniam-se os irmãos e alguns primos. O Judas tinha, de praxe, um “testamento” gozado. Quase sempre, José era o autor.
Pelo Carnaval, aparecia na Fazenda um cortejo de máscaras, a cavalo, conduzido pelo Tio Antônio Rios e Bernardino. Vinham primos e amigos; encontravam tudo preparado, porque Antônio e Henriqueta compravam, com antecedência, serpentinas e sacos de confetes. Brincava-se com a “batalha”, nos corredores e salas enormes. Nenhuma bebida. Ceia: chá, canjica, bolo de milho, roscas doces, café, leite, etc. Isso, até quando a política levou os Monteiros para o Rio de Janeiro, São Paulo e Vitória.
Certa vez, chegou num grupo carnavalesco uma jovem delicada, com um sinalzinho preto na face (moda de então), chapeuzinho florido, leque de plumas, anquinhas. Um amor!... Dançou com Antônio. E ninguém podia descobrir-lhe a identidade, enquanto uma dama rechonchuda permanecia sentada, apreciando a brincadeira.
Na hora da ceia (10 horas), quando todos deviam tirar as máscaras, segundo as ordens de Dª Henriqueta, veio a surpresa: eram Bernardino, a senhorita, e o Dr. Júlio Leite, a matrona!... Que alegria! Palmas!...
(1) S. Suannes - O s emboabas, 4.
(2) S. Suannes - Idem, 9.
(3) S. Suannes - Idem, 12.
Notas:
A presente obra da emérita historiadora Maria Stella de Novaes teve sua primeira edição publicada pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo -APEES, em 1979, quando então se celebrava o centenário de nascimento de Jerônimo Monteiro, um dos mais reconhecidos homens públicos da história do Espírito Santo.
Esta nova edição, bastante melhorada, também sob os cuidados do APEES, contém a reprodução de uma seleção interessantíssima de fotografias da época — acervo de inestimável valor estético-histórico, encomendado pelo próprio Jerônimo Monteiro e produzido durante o seu governo — que por si só, já justificaria a reimpressão, além do extraordinário conteúdo histórico que relata.
Autora: Maria Stella de Novaes
Fonte: Jerônimo Monteiro - Sua vida e sua obra (2a Edição - Vitória, 2017 - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Coleção Canaã Vol. 24)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2019
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