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E Agora, José? Para Onde Marataízes Vai? - Por Ronald Mignone

Ronald Mignone

Como já dito, até a década de 80, o perfil do turista que visitava Marataízes era o de uma pessoa com um nível cultural alto, relativamente bem de vida, que queria passar suas férias num lugar aprazível, sem barulhos, onde pudesse ficar tranquilo, pois as atrações da cidade eram lúdicas e não havia riscos maiores para os frequentadores, a não ser um ou outro mineiro afoito que subestimava as ondas e o temível “arrieiro”, como se chama na região uma corrente traiçoeira que puxa as pessoas para a parte mais funda do mar.

O Iate Clube de Marataízes era palco de shows memoráveis, com bandas e artistas de sucesso lá se apresentando, sempre com casa cheia e certeza de diversão garantida.

Uma lista que me vem à memória de artistas que por lá se apresentaram contem os nomes de Roberto Carlos, Clara Nunes, Sidney Magal, Jô Soares, Chico Anísio, Grande Otelo, Fafá de Belém, Elizete Cardoso, Eliana Pittman, Francisco Cuoco, Sargentelli e as Frenéticas, Barão Vermelho (com Cazuza!), Dr. Silvana e Cia, Fábio Junior, Milton Nascimento e o Clube da Esquina, Gretchen, Blitz, Ney Matogrosso, Vanuza, Os Trapalhões, Dercy Gonçalves e outros que, com certeza, ainda fogem à minha memória.

Os bailes de carnaval, de réveillon, noite do Havaí, Garota Verão e Garoto Pão eram disputadíssimos e super bem frequentados no Iate Clube, movimentando e agitando a cidade, que sempre se renovava em bares da moda, sempre com música ao vivo de altíssima qualidade.

Escreveram a história dos bares famosos de Marataízes, em ordem cronológica, a Kabana (nos anos 60, inicialmente instalada na pracinha e depois transferida para a esquina da Rua Cachoeiro de Itapemirim), o Chalé 70, o Xodó, a Boate do Boliche, o Play Dance, o Tô-à-Toa, o Quintal Bar (na Barra), o Sóton, a Boate New York no Boliche, o Maresia (meu bar, montado nos jardins de nossa casa na Cidade Nova), o Veleiro, dentre outros.

Nos anos 80 eu e meu amigo Marcio Leite (que tinha o apelido de Marcio Gay, mas de gay não tinha nada), filho de Chiquinho da Emater e de Dona Terezinha, capitaneávamos a boate da AABB como DJs. Por lá só rolavam os hits do momento, como New Order, Depeche Mode, Madonna, Pet Shop Boys, Talking Heads, The Smiths, além das bandas de rock nacional, que estava renascendo naquela década.

Mesmo sem TV a cabo ou internet, conseguíamos acompanhar o que rolava nas rádios FM do Rio e de Vitória, numa gambiarra que eu fazia na minha casa, com uma antena enorme em cima da torre da caixa d’água de 8 metros e altura, apoiada em uma vara de pescar, sendo isso crucial para ficarmos literalmente antenados com os hits da época, o que foi crucial para que a boate da AABB fizesse o sucesso que fez nessa época, tanto no inverno, como no verão.

Em Janeiro de 1986, realizou-se o Festival de Música Sol Maior, na Vila de Itapemirim, evento que chamamos de “Rock in Vila”, que contou com a apresentação de artistas e bandas tais como Lobão e os Ronaldos, Capital Inicial, Plebe Rude, Kiko Zambianchi, Vinicius Cantuária, Grafitte, dentre outros. Foi uma festa esse festival, com todos os dias se shows com o público lotando o evento.

Em janeiro de 1982, a prefeitura realizou um show antológico na pracinha de Marataízes, com Jorge Ben Jor, lotando o local. Pessoalmente, nunca vi um show na cidade tão lotado e tão bom de se assistir. Nessa época, as atrações musicais eram de bom gosto, atraindo um público seleto e o nome de Marataízes corria pelo Estado como uma cidade excelente para se passar as férias.

Nos anos seguintes, já na década de 90, com o mar engolindo a praia do Centro e com o advento do trio elétrico, mudou-se o perfil do visitante de Marataízes. Meu amigo Marcus Waiandt Filho dava uma boa descrição desse novo turista da cidade. Dizia Marcus que o turista que passou a frequentar Marataízes trazia até o gelo do isopor da cerveja, que também trazia da sua cidade de origem, pouco ou nada gastando na praia.

O trio elétrico no carnaval, apesar de atrair uma multidão de pessoas na rua, sempre foi palco de brigas constantes, culminando até na morte de alguns. Proliferaram também carros de propaganda sonora na cidade (proibidos em vários outros lugares), com o volume altíssimo, anunciando produtos, festas, cultos de igrejas e outras atrações, causando uma poluição sonora absurda.

Passaram a fazer coro com esses carros de propaganda sonora dezenas de veículos de particulares tocando funk carioca, com letras de péssimo gosto, em alto volume, que estacionavam na frente dos poucos lugares atrativos que restavam, obrigando os demais que ali frequentavam a ouvir aquela música (?) horrorosa.

A combinação desses fatores, ou seja, a desvirtuação cultural da cidade, a invasão dos chamados farofeiros, que são os turistas sem dinheiro que não gastam nada na cidade, a permissividade das autoridades para alguns absurdos e reiterados erros de escolha de atrações e shows pelas administrações municipais, aliado à destruição da Praia do Centro pela erosão marinha, não poderia culminar em outro resultado, senão a derrocada de Marataízes como atração turística, perdendo tudo o que conquistou nos seus tempos áureos.

Há em Marataízes, contudo, alguns abnegados que não perdem a esperança no retorno da cidade aos seus tempos áureos, como Dª Marlene, do Hotel Dona Balbina, que, juntamente com outros cidadãos, tentam resgatar o carnaval de rua no balneário.

Fazem coro com essas iniciativas meus amigos, Guilherme Bastos Pinheiro, criador do bloco de carnaval “Mocidade Nova”, e Beto Caravela, o maior incentivador do carnaval de rua da Barra, que conta com o desfile dos blocos “Alegria, Alegria” e “Esplendor da Noite”, criador de vários sambas enredo, além do meu amigo Zé Mauro, da Vila, que também fez várias letras para o carnaval da Barra.

Rodrigo Perim é o criador do Motofest, que reúnia motoclistas de todo o país em um evento festejadíssimo, digno de aplauso, que deveria ter se tornado um evento oficial festivo da cidade. Pena que a atual administração municipal não tenha dado o apoio necessário à sua realização nesses últimos dois anos.

Em 2010, a prefeitura municipal já fez a tradicional Festa das Canoas com uma visão diferente, sem se limitar à permissão de barraquinhas que vendem produtos chineses contrabandeados se instalar na praça do Centro. Já é um alento e demonstra uma certa preocupação das autoridades em ofertar atrações de maior qualidade aos maratimbas e visitantes.

A praça do centro de Marataízes, por sinal, precisa de um “up” urgentemente. Hoje ela é árida, estéril, não é convidativa. É preciso que se construa ali um espaço mais atraente, sem todo o concreto ali erigido.

A recuperação da praia do Centro é uma obra que resgatou o orgulho do maratimba, com Marataízes sendo chamada na imprensa nacional de “A Dubai Capixaba”. Todavia, engana-se quem pensa que apenas essa obra há muito tempo reclamada trará Marataízes de volta a um lugar de destaque no cenário turístico no Estado. Demonstra uma visão simplista e até infantil a pessoa que imaginar isso.

O desafio agora é encontrar a verdadeira vocação do turismo da cidade, o que passa pela conscientização de sua população acerca de várias coisas, algumas bem simples, como por exemplo, a necessidade de manter-se a cidade limpa, não esperando que só a prefeitura exerça esse papel.

Há deveres de casa que não podem ser deixados para depois, sendo de extrema importância que se desenvolva uma cultura de preservação e conservação de monumentos históricos da cidade, que se fomente também o turismo histórico e rural; que se preserve e proteja o bioma da parte sul do município, que tem praias lindíssimas e que se encontra ainda pouco alterado; que se patrocine eventos de real bom gosto, que atraiam, consequentemente, turistas de nível cultural mais elevado, que deixam divisas e não desfiguram a cidade, nem incomodam os demais visitantes; que se incremente a educação e a cultura dos munícipes, para que cumpram seu papel como cidadãos, exigindo das autoridades melhores serviços, mas, ao mesmo tempo, cumprindo de verdade seus deveres como tais.

A tarefa de preparar a cidade e seus habitantes para o futuro não é fácil, mas também não é nada impossível. Basta que cada um faça sua parte, sendo um cidadão maratimba de verdade, que ama sua cidade, torce e faz por onde para que ela e ele mesmo sempre se desenvolvam de forma sólida e sustentável.

Dinheiro não deverá faltar para que os investimentos em educação, urbanismo, prestação de serviços essenciais, dentre outras ações a serem feitas pela administração municipal, sejam levadas a cabo, em razão dos royalties que a prospecção do petróleo descoberto no litoral de Marataízes irá trazer para o município.

Já em 2001, o orçamento municipal receberá, da cota-parte que lhe cabe nos royalties do petróleo, a importância de R$ 2.879.953,52; em 2012 essa verba já estará na casa dos R$ 3.075.790,36; e, em 2013 atingirá a casa dos R$ 3.284.944,10.[1]

Resta esperar e torcer para que o atual prefeito e os que lhe sucederão compreendam a importância de seu papel, podendo entrar para história como fiascos ou como os grandes realizadores das mudanças necessárias ao progresso sustentável do município de Marataízes.

Conheça, a seguir, casos e fatos pitorescos acerca de Marataízes e de sua gente, contados por um dos seus protagonistas. A semelhança com fatos e pessoas é proposital, pois tudo o que você irá ler em seguida aconteceu de verdade.

Ou não... Pergunte para Miralda, “Buchecha”, Nadinho, Raulino “Pé-de-Rodo” ou Aprígio, que eles te contam.

 

NOTA: [1] Anexo I da LEI Nº 1345 de 25 de Outubro de 2010, publicada no DO do Município de Marataízes de 25/10/2010, p. 5.

 

Fonte: Crônicas da História de Marataízes - Um olhar sobre a cidade, 2010
Autor: Ronald Mignone
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2016

 

Saiba mais sobre o autor:

Ronald Mignone é “maratimba da gema”. Na verdade, por motivos de força maior, o filho mais novo de Humberto Mignone Junior e Maria Línis Wanderley Penha veio ao mundo em Cachoeiro, no dia no dia 4 de agosto de 1967. “Meus pais já moravam em Marataízes e minha mãe foi para Cachoeiro apenas para eu nascer, por conta da precariedade dos serviços hospitalares da época”, justifica.

Dono de uma memória invejável, Ronald lembra da infância em Marataízes e das escolas por onde passou. Jardim de Infância da Barra, Jardim da “Tia” Eliete Pedra, em Marataízes, Maria da Glória e Narciso Araújo, na Vila. Suas recordações mais marcantes da época de estudante estão no Polivalente, onde cursou o antigo “ginasial”, e no Cristo Rei, de Cachoeiro, onde fez o “colegial” de 1982 a 1984 e – ele faz questão de lembrar – foi capitão da equipe de vôlei que “ganhou tudo no sul do Estado”.

Chegou a cursar um período do curso de Engenharia Mecânica na UFES, em 1985, mas abandonou o curso para, no ano seguinte, entrar na Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim, onde se formou em 1990. Exerce a profissão desde 1991. Advogou em Itapemirim até 1993, quando foi tentar a sorte em Brasília. Na capital federal, deu sequência à carreira, atuando também como professor de Direito em diversas faculdades. Emplacou algumas teses jurídicas, sendo que algumas viraram tese no STJ.

Nas terras candangas, Ronald Mignone ainda foi presidente do Jeep Clube de Brasília e, para divulgar as tradições de sua terra natal e aliviar um pouco da saudade, ajudou a fundar a “Casa do Capixaba”.

Prestes a voltar para Marataízes (não sabe se em definitivo), Ronald está concluindo o seu projeto mais recente. O livro “Crônicas da História de Marataízes: um olhar sobre a cidade”, que deverá ser lançado ainda neste mês, promete despertar grandes emoções entre os leitores.

Numa rápida entrevista, Ronald Migone nos contou detalhes sobre o livro e as suas perspectivas para os próximos anos em Marataízes. Leia!

 

O Jornal Online – Qual foi a principal motivação para escrever as “Crônicas da História de Marataízes”?

Ronald Mignone – Já tinha em mente que iria escrever um livro, só não havia decidido qual seria o tema. Ao criar um grupo de Marataízes numa rede social, vendo as fotos antigas postadas, várias memórias de minha infância e adolescência vieram à tona e tive o insight de escrever sobre a cidade. Já conhecia um bocado a história da região, por pesquisa e por histórias contadas pelo pai, e resolvi contar a história de Marataízes e do seu “município-mãe”, Itapemirim, de forma leve, passando depois a fatos e “causos” que foram vivenciados por mim e por outros maratimbas, fazendo também uma provocação ao leitor acerca dos destinos de Marataízes como cidade turística, chamando à responsabilidade os formadores de opinião sobre a necessidade de se direcionar o futuro para um turismo sustentável não só pela balneabilidade das suas praias, mas, também, pela sua rica história e pelo turismo rural.

 

 O Jornal Online – O que podemos esperar das crônicas? Acredita que muitas pessoas vão “viajar no tempo” com as histórias?

Ronald Mignone – Irão viajar sim. Procurei escrever o livro de forma leve, afastando-me do rigor técnico de minha escrita natural, advinda da minha profissão. Conto os “causos” de maneira divertida, leve, identificando sensações, aspectos geográficos e históricos, experiências. As pessoas que já puderam ler a “boneca” do livro disseram que se sentiram transportados para dentro da história da região, pela forma como relato os aspectos históricos, assim como nos “causos” que conto.

Fiz parte de uma geração que fez história na cidade, responsável pelo boomdo voleibol em Marataízes. Conto como tudo começou, em 1980, na quadra de areia de Homero Lontra Costa, no local que ficou conhecido como o “Vôlei do Seu Homero”, culminando na criação de equipes vencedoras no sul do Estado e no surgimento de estrelas de nível internacional, como o Fábio Magalhães.

Conto o boom do surf na cidade também. Comecei a pegar onda em 1985, no ano em que passei no vestibular para engenharia em Vitória.

Falo dos tempos áureos da cidade, passeando pelos bares que marcaram época e pelo Iate Clube. Conto do meu bar, o Maresia & Cia, montado por mim nos jardins da nossa casa, na Cidade Nova, que teve um sucesso estrondoso. O livro é uma viagem e deixei propositalmente de contar dezenas de outras histórias como reserva técnica para um novo livro que pretendo começar a escrever logo.

 

O Jornal Online – Há previsão para o lançamento do livro?

Ronald Mignone – Estarei em Marataízes a partir da próxima quinta-feira, dia 2 de dezembro, antecipando a minha ida, que se daria só depois do Natal, para tratar dos detalhes do patrocínio do livro. Minha mais nova grande amiga, a Luciana Fernandes, da agência de publicidade LFernandes, de Cachoeiro, “comprou” minha ideia e entrou de cabeça na empreitada, tendo elaborado um projeto gráfico magnífico. Luciana fez vários contatos com possíveis patrocinadores e, já no dia da minha chegada, temos algumas reuniões agendadas.

Tenho ciência da ausência de incentivo para iniciativas do gênero em Marataízes, por falta de visão cultural – coisa que desde sempre apregôo que é o maior problema do município – e, por isso, não me limitarei a procurar apenas patrocínio na cidade. Se vier dela, melhor ainda. Mostrará que essa visão, ou melhor, essa falta de visão cultural está mudando.

Meu intento é fazer o lançamento do livro logo nos últimos dias de dezembro.

 

 O Jornal Online – Depois de tanto tempo morando longe de Marataízes, como você enxerga o momento atual do município e da região? É possível uma nova “Era de Ouro”?

Ronald Mignone – Apesar de morar a mais de 1.200km de distância de Marataízes há quase 20 anos, invariavelmente todo ano venho à cidade, por vezes mais de uma vez por ano. Procuro sempre estar antenado com o que acontece no município, preocupado que sou com a terra que amo de verdade e que pretendo voltar a residir em curto prazo.

Marataízes está passando por um processo de transformação, de amadurecimento, com possibilidades reais de passar a ter um orçamento que possibilite à administração pública realizar investimentos em infraestrutura que melhore a vida do maratimba. Falo de geração de empregos, de incremento na educação no município. O investimento na educação é importantíssimo para que a população se conscientize que Marataízes não voltará o ter o lugar de destaque como referência turística no Estado se não urbanizar de forma eficiente seus atrativos, o que passa por várias medidas, para que, concomitantemente, um turismo de qualidade seja oferecido para atrair “turistas de qualidade”, que deixem divisas na região.

Isso não é sectarismo, é uma visão minha séria, abalizada em minha experiência de vida, de conhecimento de várias outras cidades no país e fora dele. Para mim, a questão é simples: tomando como exemplo as cidades de Búzios/RJ, Pirenópolis/GO, Parati/RJ, Itacaré/BA, etc., não atraem nem pretendem atrair turismo barato, de gente que não gasta dinheiro na cidade. Lá não se tem trio elétrico, poluição sonora e visual, lixo pelas ruas, comerciantes despreparados. Trato disso no livro, chamando o leitor – em especial o maratimba – à responsabilidade pelo rumo que ele quer que Marataízes tome.

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