Fiado Só Amanhã - Por José Costa
Quando moço, a farra era brava mas romântica, o Benzetacil o suficiente e a pudicícia reinante enxotava para o abrigo das asas das então ditas mariposas os nossos saudosos arroubos. E a gente percorria todos os botequins que mantinham seus olhos acesos para o vazio das madrugadas.
Ainda consigo recompor na emoção o bafo exalante de álcool e fumo, o vozerio e as gargalhadas, todo o clima, enfim, que enchia de vida, quando não de morte, aqueles pequenos altares à boêmia. O que mais me marcou terá sido o clarão solitário exposto à quietude conservadora de Jucutuquara, ao fundo do qual vicejava, tal pétala de pureza brotada no coração do pecado, uma silenciosa moradora da noite. Doce mulher ornada de mistérios e dotada de tanta vida por expandir-se, eu bem que deveria prever seu florescimento ao primeiro toque do sol. E pudesse assim tê-la colhido ao nascer.
Os estudiosos dos costumes da terra deverão reconstituir certas casas, nem exatamente bares, nem propriamente botequins, como o Menezes, na Jerônimo Monteiro, virtuose na arte de produzir infusões que transformavam milagrosamente a cachaça em coloridas batidas, as mais variadas, como as de gengibre, mastruço, limão, pau-pereira, laranjinha e salsa-da-praia, onde o ovo cozido era a marca, o emblema, o alvará, o dístico. Botequim destituído de ovo cozido não é botequim, é um vil balcão de vender pinga.
Meu intruso viés rural traz-me à memória os botequins perdidos na imensidão das arrepiantes solidões da roça que a noite de breu entremostrava no seu ventre sinistro. Mal iluminados pela vaga luz trêmula das lamparinas, uma luz incerta feita de um dourado morto e que insinuava nervosos desenhos nas paredes sem cor. Ali se acumulavam homens herméticos, curtos nas palavras e secos nas emoções e que arrastavam nas botinas e exibiam no olhar frio e rude esporas traiçoeiras. Cavalos imóveis, melados pela luz mortiça que escorria do interior dos botequins, tão absortos pareciam como se estivessem eles próprios numa boa, afetados por algum barato, enquanto seus donos optavam pelo conhaque.
Anos mais tarde, tocados pela rebeldia dos anos sessenta, como uma faceta da preocupação por igualar camadas sociais, pessoas da classe média, especialmente artistas e jornalistas, passaram a desenvolver sua agitação nos botecos. Armavam mixórdias sociais ungidas pelos caldos, torresmos e batidas, tudo batizado pelas indefectíveis moscas, cujo democrático vôo tanto elege para o seu pouso o pastel do burguês quanto o peroá do desassistido.
Infindáveis revoluções, algumas cruentas, foram esboçadas nos balcões porosos ou nas toscas mesas de lata desses cadinhos sociais, abortados, porém, infalivelmente, dia seguinte ao borbulhar do Sonrisal.
De qualquer forma, os botequins ainda constituem fóruns onde classes e pessoas se aproximam. E na tolerância, no despojamento e na descontração se percebem iguais, submetidas às mesmas angústias, mas sempre impelidas por alguma fatia de sonhos que as emanações dos botequins só fazem expandir.
Fonte: Escritores Capixabas, 1995
Autor: José Costa
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro de 2013
Ilustração: Acervo do Artista Wagner Veiga
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