Guaxindiba – Por Maria Stella de Novaes
Na sinuosa curva do litoral distante, aparece, ao norte de Conceição da Barra, a Praia de Guaxindiba, extenso lençol de areia, beijado, a leste, pelo Atlântico, e bordado, no cômoro, de vegetação rasteira. Forma, na fímbria alvacenta, uma orla verde-escura, serpenteante, pelo litoral em fora.
Local admirável!
Infunde um infinito de atração, ao olhar que a devassa; graciosamente soltas, descuidosamente esparsas, as mimosas conchinhas bivalves, estriadas, espiraladas, ebúrneas, etc. marchetam a esteira ampla da costa.
Apolo doira-lhe do seu áureo carro, quando nascente, e ressalta um oásis, que a imaginação matiza, com as miragens da ilusão. Depois, do zênite descem ígneos e tremeluzentes os estos, em ziguezagues: formam espirais, num quadro forte e singular.
Na predisposição do nosso pensamento, no estado apreensivo do espírito ou na visão da nossa alma, aparecem, além, figuras, panoramas e cenas que, de longe, se nos afiguram belas e, às vezes, trágicas!
Primaveril, ou verânica, bafejada pela brisa do nordeste, à tarde, Guaxindiba é linda, linda, sonhadora, cheia de mistérios!...
* * *
O viajante, que percorre o sertão de Itaunas, procura, certamente, visitar a GRUTA MARAVILHOSA, porque, além de admirável, apresenta-se-lhe como acervo de raridades interessantes e preciosas.
Sombreada de gigantes e frondosas árvores, engasta-se na base de íngreme encosta, que apresenta largo e tosco pórtico, para o ingresso no seu recinto, extensa galeria onde correm, entre estalagmites, fios gélidos de água puríssima.
Do teto úmido, pendem estalactites brilhantes. Encontra-se, adiante, uma sala rústica e ampla, em cujas paredes estão caracteres e esculturas, talvez, milenares.
Existem, além, outros compartimentos inexplorados ainda, em conseqüência da rarefação do ar e intensa escuridão. Ouve-se, daí, um murmúrio semelhante ao cachoar de uma queda longínqua. Dir-se-iam doridos queixumes, perdidos nas noites do Tempo.
Empecilhos à exploração da gruta são a falta de acessórios próprios e o receio de répteis e insetos venenosos. Entretanto, pensamos; — quantas cenas, festas e sentenças, quantos conselhos não foram dados naquele rústico lar, entre as tribos aborígines, através dos tempos?
Dizem que foi residência dos pajés.
Denominaram-na: — GRUTA MARAVILHOSA.
* * *
Tempos remotos.
Cuidadosas, as tribos nômades dos aimorés velavam constantemente sobre — ao que diziam — a vinda dos homens brancos. Em todo o seu domínio, corria a notícia de que Itaunas, o jovem guerreiro valente e audaz, havia três luas, avistara além, no Grande Rio, velas pandas de naus lusitanas, — asas brancas de grandes aves, em demanda da terra, o que, na alma rude do íncola despertara apreensões e planos de revide. Por isso, intenso era o preparativo, para uma batalha próxima e temerosa.
Na azáfama dos guerreiros hábeis, na previsão dos velhos adivinhos dos tempos idos, de par com a glória de seus maiores, vencedores, nunca vencidos, demonstrava-se, em tudo, o desejo de castigar o hóspede importuno, que ousava transpor os umbrais da sua pátria. Moças ativas teciam canitares de penas tricolores, ao passo que as velhas fiavam os verde-amarelos fios de tucum, para as cordas fortes dos grandes arcos, até que, ao longe, na amplidão imensa da floresta ressoasse o canto delicioso do sabiá, despedindo-se do Astro-Rei.
* * *
Sentada numa rede de fibras sedosas, estava uma formosa brasileira, jovem e morena. Seus longos cabelos negros desciam, em madeixas bastas, pelo colo desnudo, onde brilhavam a riqueza das pedras num colar que herdara dos seus avós. Corpo esbelto e feições simpáticas formavam-lhe um conjunto de graça feminina. Tinha, nos lábios, o tom nacarado da flor de maracujá e, no sorriso angélico, o delicioso mel do uruçu.
Filha do pajé, aparentava dezoito anos de idade e chamava-se Guaxindiba. Era noiva de Itaunas, o jovem e audaz guerreiro.
* * *
Partira a expedição.
Dez vezes, o Sol beijara a terra de Cajubi, onde as mulheres rogavam a Tupã pela volta gloriosa dos seus homens queridos, esperançosas, no convívio das crianças e dos velhos combatentes, quando foram surpreendidas, com a chegada de Angelim, o guerreiro negro do Cricaré, que, ciente da ausência dos guerreiros de Cajubi, viera, com os seus, raptar Guaxindiba.
Debalde foram seus rogos e pedidos. E parece que a própria Natureza se associou ao sofrimento da virgem íncola, porque vieram a chuva e o frio do inverno, de par com o granizo, romper as frondes enormes e cair, rasgando as folhas da floresta opulenta. E, assim foi Guaxindiba!..
* * *
Uma tarde...
Iludindo a infame vigilância dos seus algozes, Guaxindiba conseguiu evadir-se.
Ágil, fugiu célere pela floresta, em busca do mar, onde julgava encontrar a expedição dos seus coirmãos. Aproximava-se do litoral, quando pressentiu a perseguição do nefando inimigo, ao seu encalço.
Desalentada, semilouca, lançou-se ao oceano! Perdeu-se, na fúria das ondas, em maré de plenilúnio. Preferia lutar com a morte, a trair a fé jurada ao noivo querido!...
Malograda, a expedição, veio encontrar o desânimo, a dor, a morte, na Gruta do Pajé. Mas, indômito, Itaunas procurou, logo, na floresta, os rastros do seu cruel inimigo, até que, exausto e triste, soube do inditoso fim da sua prometida! E a brisa levou os gemidos e os brados de vingança do seu coração dolorido, até que, um dia, entre o granito das rochas de um elevado cume, recurvado sobre o velho arco, pranteou sua amargura. Chorou, chorou tanto que se afogou no seu próprio pranto! E, de suas lágrimas, formou-se um rio que, serpenteante pela encosta, veio, murmuroso, pela floresta, em busca do mar.
Angelim, ao ver o cadáver de sua vítima inocente, chorou, de dor e remorso. E, transpassando o coração com uma aguda seta, morreu arrependido. De suas lágrimas, resultou igualmente um rio, pequeno e negro, que vem, súplice, lançar-se nas águas do Itaunas. Descem, unidos os seus cursos, até o Atlântico, em que ambos, irmanados, beijam a praia, onde se finou a virgem dos seus amores!
E, assim, na curva sinuosa do litoral distante, aparece, ao norte de Conceição da Barra, a Praia de Guaxindiba!
(Esta lenda foi colhida, pelo Sr. Manuel Cunha, em Conceição da Barra, e a nós oferecida pela Professora Glorinha Cunha, para este livro.)
Fonte: Lendas Capixabas, 1968
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2015
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