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Hermógenes - 11 anos de perseguição

Ficha de Hermógenes na Delegacia de Ordem Política e Social - DOPS

Daquele período de militância, Angelica testemunha: “Eu me lembro que papai tinha uma relação de grande amizade com o líder comunista Luiz Carlos Prestes, até porque o Prestes ia lá em casa. Inclusive, papai tinha sobre a mesa de trabalho dele a foto de Anita Prestes, filha de Luiz Carlos Prestes. Ela  tinha duas tranças. Eu nasci no dia 25 de março. E papai dizia que nasci num dia muito importante, em que foi criado o Partido Comunista no Brasil. Papai  esteve na Europa, visitou vários países, esteve na União Soviética, integrou-se a um grupo que participou de um encontro da Internacional Comunista. Ficou por lá uns seis meses, mesmo porque gastavam-se dois meses só com as viagens de ida e volta de navio. Acho que depois dessa viagem,  pela realidade que ele viu lá,  ele foi se cansando, e se desencantando com a política”.

Angelica também conta que, quando estourou o golpe militar de 1964, como diretor do jornal comunista Folha Capixaba, Hermógenes foi preso diversas vezes. “Foram 11 anos de perseguições. Foi muito difícil pra ele e também para toda a família. Somente quando Geisel entrou, é que foi arquivado o processo dele. Mas nesse período ele foi extremamente perseguido. Ele era levado preso, eles nem avisavam, e nem diziam o porquê. Às vezes era detido na rua, sem poder passar em casa e a gente não sabia onde ele estava. Muitas vezes entrou e saiu da prisão, principalmente no 38º BI. Quando íamos visitá-lo ele vinha escoltado, usavam até metralhadora, como se ele fosse um criminoso. No entanto, ele conversava normalmente. Estava sempre sereno. Nunca chorou, nunca se lamentou de nada. Lembro de um detalhe que ele dizia pra mim e pra nós,  que ele ali, na prisão, descobriu a importância de um raio de sol. Porque a gente aqui fora tem um sol inteiro, mas quando se está preso dentro de um espaço daquele, um único raio que entra dentro do cubículo é preciosíssimo”.

Acompanhando atenta o relato da filha, D. Maria Augusta faz uma revelação interessante sobre o posicionamento dela e de todos os filhos em relação à ideologia e às atividades políticas de Hermógenes: “A gente nunca se opôs, nunca tivemos intervenção no que ele fazia, porque achava que aquilo era dele mesmo, era a sua razão, e o deixava à vontade. Em todo o período de casamento sempre respeitei muito as opiniões dele, todos nós respeitamos. Ele tinha apoio geral da família. Acho que ele se foi satisfeito, porque o que ele pôde aproveitar ele aproveitou. Lembro de quando ele saia de uma ou outra prisão e chegava em casa com sua malinha. Aí, eu perguntava: e aí, passeou muito? Ele sorria. Eu pegava sua malinha, guardava e lhe entregava uma muda de roupa limpa. Era sempre assim”.

Angelica conta ainda que, após o golpe de 1964, Hermógenes sugeriu que ela e a irmã Luiza fossem estudar na União Soviética, porque havia abertura para isso. Porém, isso não aconteceu, até porque não era fácil sair do País. “Naquela época, eu estava com 18 anos, tinha tentado uma bolsa de estudos em uma instituição de ensino americana. Consegui a bolsa, mas para embarcar precisava a autorização do pai e um prazo estabelecido. Só que nessa época papai estava preso há vários dias e nem sabíamos onde. De forma que, quando eu já havia desistido da bolsa de estudos, não era intercâmbio, era bolsa, o pessoal do Instituo IBEUV entendeu e realmente facilitou muito a minha ida, e fui para uma high school, em Montana”.

 

Cartas interceptadas

 

Também desta época, em que ficou nos Estados Unidos por dois anos, Angelica recorda-se de um fato que contou com voz embargada e indisfarçável tristeza. “Durante aquele tempo, como não tínhamos telefone, que era coisa de rico, levei uns seis meses sem poder me comunicar com a família porque todas as correspondências que vinham de lá para a minha casa iam direto para o 38º BI. Eram só cartas de uma jovem adolescente que morava com uma família americana. As cartas nunca chegavam. Eram apreendidas. Só comecei a ter uma certa comunicação com a família depois,  por meio de um endereço que não era o nosso. Quando voltei, dois anos depois, fui com lá papai buscar as cartas porque ele queria ler. Às vezes eu mandava um presente e não chegava. Quando nós fomos lá o oficial abria as cartas e lia. Como uma jovem poderia ser uma pessoa tão perigosa para o seu país? Pois estava lá com o interesse de aprender um idioma, e eles viram que não tinha nada. Abriram todas as cartas e me devolveram. Inclusive,  um oficial ainda me disse: “Eu não entendo por que você foi morar nos Estados Unidos,  você deveria ter ido para a Rússia (tendo o pai comunista), e eu só lhe disse que mesmo para sair para os Estados Unidos foi dificílimo, porque papai não estava presente para dar autorização, para assinar passaporte, eu era de menor”.

Algumas vezes Hermógenes foi preso por motivos inusitados, como nesse caso contado pelo próprio:

“Nessa época aconteceram muitos fatos interessantes. Um deles foi em Conceição da Barra, onde eu estava ensaiando o Alardo, que conta a tomada da Espanha, no século VIII, pelos árabes. Bom, eu ensaiava essa guerra entre mouros e cristãos e fui preso. Por três dias eu não soube o porquê. Quando me soltaram, fiquei sabendo que  eles acharam que eu estava preparando uma guerrilha para tomar o Espírito Santo e o Christiano Dias Lopes, então governador, ia fornecer as armas. Acho que ele nunca soube disso”.

Em outra ocasião, mandou um bilhete para um conterrâneo do Alardo, em Conceição da Barra, pedindo para que ele “preparasse as armas”, porque estava chegando “o dia da batalha” (Festa de São Benedito): “Interceptado, o bilhete foi considerado subversivo, pois o Exército pensou que se tratasse de uma guerrilha”.

Seu companheiro Clementino Dalmácio Santiago, em entrevista a Rogério Medeiros (Século Diário), deu o seguinte depoimento sobre o camarada Hermógenes Lima da Fonseca. “Fiquei esperto para conquistá-lo para o Partido. Aí veio a formatura dele e ele me procurou para ajudá-lo no discurso, pois havia sido escolhido orador da turma. Passei para ele um livro sobre o capitalismo (História da Época do Capitalismo Industrial). E ele fez um discurso muito bom.

Depois desse seu discurso, foi fácil trazê-lo para o Partido. Ele tinha vindo do interior para Vitória com sua mãe viúva. E ela aqui se casou com um estivador que era conhecido como Capitão. Nesse tempo, o Hermógenes era conhecido como Capitãozinho. Depois ele dirigiu o jornal do Partido. Quer saber de uma coisa? Hermógenes trabalhou muito no Partido, sofreu por causa dele, mas ele era mesmo é folclorista. Tenho saudades dele. Como tenho saudades dos outros companheiros que formaram o Partido comigo e já se foram."

Após cumprir o seu mandato de vereador e de servir ao seu partido – numa militância idealista e corajosa – Hermógenes abandonou a política.

 

Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Hermógenes Lima Fonseca, 2013
Texto: Bartolomeu Boeno de Freitas
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel/ 27-9864-3566 
Onde comprar o livro: Editora Pro Texto - E-mail: pro_texto@hotmail.com - fone: (27) 3225-9400



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Quando esta crônica estiver publicada, já passou do tempo em que, numa camurcenta tarde cor de milho dourada, Hermógenes Fonseca voltou de uma vez para Conceição da Barra

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