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Igreja da Misericórdia – Por Elmo Elton

Praça da Misericórdia, em frente ao Palácio Anchieta, em 1908. a Igreja da Misericórdia foi demolida e, em seu lugar, construída a antiga Assembleia Legislativa. Hoje é a Praça João Clímaco.

Em 1597, por iniciativa do capitão de ordenanças Miguel de Azeredo, fundou-se, em Vila Velha, antes chamada vila do Espírito Santo, uma Casa de Caridade (ou da Misericórdia) destinada a recolher doentes pobres. Celebrando o evento, o padre José de Anchieta, grande amigo do capitão e, sabidamente, o inspirador da obra, escreveu o auto Na visitação de Santa Isabel, texto em espanhol, ali encenado, é quase certo, a 2 de julho daquele ano, quando já falecido o autor, contendo tal peça versos como estes:

"Por esta casa sagrada

"misericordia" llamada,

libra muchos del inferno

dondoles tal abogada".

 

Esta vuestra Confraria

con que a pobres socorréis,

es obra tan santa y pia,

que con ella me ternéis

a las puertas, cada dia".

 

O Compromisso da irmandade mantenedora, do instituto fora impresso em Lisboa, em 1600, por Antônio Alvares, — documento que, localizado pelo governador Francisco Rubim, serviria de base, mais tarde, para a organização do Hospital da Misericórdia, em Vitória.

Transferida, anos antes, a sede do governo da capitania, de Vila Velha para Vitória, construiu-se, nesta vila, em 1605, a igreja de Nossa Senhora da Misericórdia, ou simplesmente da Misericórdia, mudando-se, no ano seguinte, a Casa de Caridade para junto do novo templo, onde funcionou por muito tempo.

Em 1605 Felipe III, quando Portugal se achava sob o domínio espanhol, concedeu àquela instituição os mesmos privilégios da Misericórdia de Lisboa.

A principal função da Casa de Caridade "consistia em manter o hospital e congregar as almas generosas e pias no amparo à pobreza, dar sepultura aos irmãos, no cemitério local (que se situava ao lado da igreja), e aos indigentes, em outro campo santo, abaixo do hospital".

Em 1813 o governador Francisco Alberto Rubim da Fonseca e Sá Pereira (1812/1819) empreendeu movimento em favor da referida Casa, que vinha funcionando precariamente, dirigindo ofício ao Governo Geral, em nome de negociantes e lavradores de Vitória, em que solicitava permissão para edificar-se novo prédio do Hospital, organizando-o a contento. O cidadão Luís Antônio da Silva, mais conhecido por Louvado Deus, ofereceu, de imediato, para tal fim, uma casa e seus pertences, enquanto outros se propunham a fornecer medicamentos e, sem remuneração, tratar dos enfermos.

Posteriormente, a senhora Maria de Oliveira Sutil, que era cega de nascença, fez a doação de sua fazenda denominada Campinho à mesma instituição de caridade, para, no local, ser construído o nosocômio. A 8 de agosto daquele ano, a Câmara Municipal doou, igualmente, o Mangal do Campinho a fim de que o mesmo, após devidamente aterrado, servisse para construções que assegurassem rendimentos à obra.

"A Provisão Régia, lavrada a 15 (17?) de abril de 1816, foi registrada na Chancelaria Mor do Reino do Brasil; no dia 24 Sua Majestade reconhecia que a Santa Casa de Misericórdia da vila não podia prestar nenhum socorro aos doentes, permitindo, então, se erigisse um hospital, para enfermos pobres, sob a inspeção do provedor e seus irmãos de mesa da Irmandade da Misericórdia".

Um esclarecimento: Junto da Igreja da Misericórdia funcionava, até então, em modestíssimas condições, a Casa de Caridade, sendo que o hospital propriamente dito, isto é, digno de tal designação, só foi construído em 1817, na colina doada pela senhora Maria de Oliveira Sutil, sendo sua direção como referido acima, entregue à direção da Irmandade da Misericórdia.

Leia-se o que registrou o presidente Ignacio Accioli de Vasconcellos em sua Memoria statistica da provincia do Espirito Santo escrita no anno de 1828, com relação à Casa de Caridade e à Igreja da Misericórdia:

"Há na Província hua unica Caza de Caridade que tãobem serve para expostos cujos privilégios e liberdades lhes forão concedidos por Provizão de ELRei de Portugal do 19 de junho de 1605, identicamente à Santa Caza de Misericor-dia de Lisboa.

Entradas dos Irmãos, esmolas, e legados erão os fundos de que dispunha a irmandade, limitando-se quando os não havia a comparecer na Procissão dos Fogaréos, até 1818, em que alguns Negociantes, e Lavradores mais pios requererão a Sua Magestade a aprovação de certa contribuição voluntária nos generos principais de consumo, e obtiverão a Confirmação por Provizão de 15 de abril do mesmo ano.

Desta Epoca em diante a Irmandade tomou outra regularidade, o Provedor, e Irmãos de Meza se juntão todos os primeiros Domingos de cada mez no Consistorio da Igreja da Mizericordia quãdo os negocios da Caza não urgem menos intervalo, e se tomão as contas aos encarregados de todos os ramos da Administração do mez antecedente carre-gando, ou descarregando ao Thezoureiro, despachão requerimentos, e Partes, deliberão, fazem termos & lavrão suas Actas, tudo na forma do seu Compromisso, que sendo o da Santa Caza de Lisboa em 1600 resabe à ferrugem daqueles tempos (...)

“... O Edificio para o estado do Paiz hé magnífico, a Caza hé terrea, e forma hu quadrado de 160 palmos de lado: a área da mesma figura de 55 palmos de lado com hua porta principal e 8 janelas envidraçadas, em cima de hu morro de 150 palmos acima do nivel do mar izolada, e com seu Simiterio amurado a 150 braças distante, forma agradavel prespectiva, sendo as paredes, e alicerces próprios para sustentar hu, ou dois andares de sobrado".

O imóvel a que se refere Accioli de Vasconcellos foi demolido em 1910, construindo-se em seu lugar o atual prédio da Santa Casa de Misericórdia, cuja fachada e escadaria foram descaracterizados, recentemente, perdendo o edifício toda a beleza e imponência que tinha antes.

Escassos os registros que se guardam, nos arquivos oficiais, sobre a igreja da Misericórdia, justificando-se, em parte, o que escreveu o autor da Memória Statistica:

"A Historia da Provincia hé mui obscura, não só pela própria indolencia dos habitantes como por ter-se acidentalmente queimado em 1794 a Biblioteca dos extinctos Jezuitas sendo Capitão Mor Governador Ignacio João Monjardim, restando em alguns Cartórios, e Cazas das Camaras alguns livros inteligiveis apenas escapados dos estragos do tempo, e da ignorância (...)"

Por mais de três séculos, a igreja da Misericórdia acolheu grande número de fiéis, encaminhou enfermos a hospital que mantinham os irmãos, promoveu procissões concoridíssimas, tendo nela funcionado, também, uma outra Irmandade: — a de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Acontece que, a 18 de abril de 1911, os jornais de Vitória noticiavam a demolição do venerável templo, obra de feição jesuítica, portanto modesta, mas das mais antigas do Espírito Santo. Foi demolido para que, na mesma área, se construísse o prédio da Assembléia Legislativa, visto que o governo de então empenhava-se em modernizar a cidade, dar-lhe edifícios novos, quando os monumentos religiosos da ilha lhe pareciam, certamente, não mais que simples velharias, sabendo-se, entretanto, que essas mesmas velharias, pela localização de cada uma, em nada impediam o alargamento dos logradouros onde se encontravam.

A imagem de Nossa Senhora da Misericórdia assim como um banco em cujo assento lê-se, gravada a fogo, a palavra Misericórdia são as duas únicas relíquias que restaram do tradicional templo, — ora recolhidas ao acervo do Museu Solar Monjardim.

 

Fonte: Velhos Templos de Vitória & Outros temas capixabas, Conselho Estadual de Cultura – Vitória, 1987
Autor: Elmo Elton
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2017

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