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Intervenções de Gil Vellozo - Câmara Federal

Gil Vellozo

                  Mesmo com a repercussão do trabalho feito na Assembleia Legislativa, a eleição de Vellozo como deputado federal surpreendeu muita gente, porque, já naquela época, mandato custava caro. E o candidato, como todos sabiam, não dispunha de recursos.  Para sustentar a campanha, ele foi atrás do dinheiro junto a amigos, bancos e até agiotas, como admitiu publicamente no microfone da Câmara Federal.

                  Mesmo assim, em comparação com a ostentação de outros candidatos, sua ‘campanha eleitoral foi riscada pela linha da pobreza. Segundo registrou um colega de partido, Gil Vellozo disputou “sem dinheiro, sem propaganda, sem veículo sequer para visitar seus companheiros no interior, valendo-se quase sempre de um jipe ou de uma camioneta emprestada, contraindo dívidas com uns e com outros”.

                  Naquele ano de 1963, o clima era de efervescência política em todo o País. Crimes políticos eram constantes, sobretudo nos Estados do Nordeste.  As greves pipocavam a toda hora. Nas capitais, eram imensas as filas da população em busca de gêneros alimentícios que desapareciam das prateleiras dos armazéns: faltava arroz, feijão, açúcar, e os salários eram corroídos pela inflação.

                  Na Câmara Federal, um tema recorrente de Gil Vellozo era a ocupação de cargos públicos. Seu primeiro discurso foi exigindo satisfação quanto ao atraso na nomeação dos aprovados no concurso para o cargo de escrivão de coletorias. Segundo ele, se o Governo não tinha vagas para nomear funcionários, não deveria ter feito o concurso, criando uma expectativa sem poder atender.

                  Em outra oportunidade, divertiu o plenário quando pediu explicações sobre a nomeação de uma mesma pessoa para ocupar dois cargos em ministérios diferentes: “[...] agora, os candidatos a cargos públicos da União precisam, além dos requisitos normais, ter o dom da ubiquidade, ou seja, a condição de estarem presentes simultaneamente em dois cargos, em dois ministérios”[1]. E encaminhou um requerimento à administração solicitando esclarecimentos sobre o estranho caso.

                  Se, por um lado, cobrava do governo nomeações para cargos efetivos, por outro detestava o nepotismo e sempre o denunciava. Ainda no primeiro ano de seu mandato, subiu à tribuna para comentar matéria de um jornal denunciando nepotismo no Governo. O jornal acusava o diretor do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis de ter aproveitado o cargo para nomear toda a família no órgão. Ninguém ficou desamparado, incluindo pai, irmão e cunhada.

                  Com relação aos funcionários efetivos, ainda em 1963 Vellozo cobrou da administração um posicionamento sobre os milhares de processos de readaptação de servidores em todo o País, à espera do enquadramento numa nova legislação. O enquadramento beneficiaria os servidores, mas ele protestava contra o fato de haver processos paralisados sem que o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) tomsse providência concreta no sentido de “atender aos pedidos”. Denunciava ele ainda: “Estranhamente os raros pedidos de readaptação despachados pelo DASP e publicados no Diário Oficial com pareceres favoráveis são de servidores do próprio DASP” .[2] 

                  No primeiro ano de seu mandato, foram inúmeras as intervenções de Vellozo sobre o funcionalismo público, defendendo maior equilíbrio de vencimento entre as diversas categorias do serviço público federal, além de uma aproximação maior entre os vencimentos pagos pelo Governo Federal e os pagos pelos governos estaduais.

                  Em busca do equilíbrio de vencimentos, Vellozo defendia a aproximação entre os vencimentos da magistratura dos Estados e os da federal. Também chegou a apresentar um projeto de lei que estendia aos distribuidores e contadores da Justiça as vantagens decorrentes da cobrança executiva da dívida ativa da União.   

                  Mesmo integrando uma bancada modesta como a capixaba, Antônio Gil Vellozo se destacava em plenário e foi logo convidado a participar de comissões técnicas. Jornalista comprometido com a profissão, presidiu a Comissão de Inquérito que apurava a infiltração do capital estrangeiro na imprensa brasileira.

                  Parlamentar atuante, ocupava a tribuna com frequência para comentar as questões do seu Estado e as de repercussão nacional. Além de defender os interesses do Espírito Santo, generosamente se ocupava de regiões igualmente pobres, como o Território (hoje Estado) de Roraima, mesmo sem nunca ter ido lá. Grato, por ocasião da morte de Gil Vellozo, o deputado Francisco Elesbão, do Território de Roraima, brincou e citou Vellozo como “o primeiro deputado” desse Território, e ele próprio como “o segundo” [3]

                  Em oito de agosto de 1963, um duplo assassinato chamou a atenção do País inteiro para a violência política em Sergipe. O deputado federal Euclides Paes Mendonça e seu filho, o deputado estadual Antônio de Oliveira Mendonça, foram assassinados a tiros de metralhadora em praça pública, na cidade de Itabaiana, pela Polícia Militar Sergipana. O episódio aconteceu em meio a uma passeata de estudantes e lideranças do município, periodicamente atingido por secas.

                  Euclides, irmão de Pedro e de Mamede Paes Mendonça – fundadores, respectivamente, das redes nordestinas de supermercados Bom Preço e Paes Mendonça –, pertencia à UDN, que dominava a política em Sergipe. Dominava no mais rigoroso sentido que a política nordestina permitia. Até que a gangorra política mudou de posição e o domínio passou para o PSD, onde estavam os inimigos de Euclides e seu filho, Antônio. A política mudou e os ânimos esquentaram.

                  Ex-prefeito, Euclides sentiu sua segurança ameaçada, diante da força política e da força bruta do Governo do PSD, materializada na tropa da PM, e criou, então, uma Guarda Municipal. Tratava-se, na verdade, de um bando de jagunços pagos pelos cofres públicos com a função de manter longe os militares. Por isso, as escaramuças eram constantes. Até que, em 1962, num desses conflitos, a PM perdeu o major Teles, homem de prestígio na corporação. A partir daí, acontecer coisa pior era questão de tempo.

                  Embora enfraquecido politicamente, Euclides foi eleito deputado federal e continuou dominando a política local. A pouca água de Itabaiana era guardada em pequenos açudes e transportada desses depósitos públicos até a população em lombo de jegues. Era tão importante que o domínio político era exercido pelo controle da água. Nas mãos do PSD, o Governo estadual resolveu levar água encanada até a sede do Município, para minar definitivamente a força política de Euclides.

                  As obras para revolucionar o abastecimento de água em Itabaiana foram dificultadas ao máximo pelo grupo udenista comandado pelo deputado e seu filho.  Diante disso, o PSD local, apoiado pelos estudantes, organizou uma passeata de protesto, realizada com a “proteção” da Polícia Militar.

                  A ruidosa passeata passava em frente à Prefeitura quando o deputado estadual Antônio de Oliveira Mendonça, filho de Euclides, começou a bater boca com um participante – que teria sido, em épocas passadas, eleitor devotado dos Paes Mendonça. Ouviu-se um tiro e, em seguida uma rajada de metralhadora. Antônio caiu atingido na cabeça. Seu pai foi socorrê-lo, e outra rajada. Houve um tiroteio, e só sobraram os corpos de pai e filho na praça.

                  O duplo assassinato teve repercussão em todo o País. Na Câmara Federal, a UDN exigia a prisão dos criminosos, provavelmente integrantes da Polícia Militar Sergipana, e a apuração imediata das responsabilidades por intermédio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Gil Vellozo pediu a apuração não só na Câmara Federal como também na beira da sepultura dos assassinados, pois foi ao enterro, participando de uma comitiva de parlamentares.

                  Como consequência de tudo isso, num texto onde falava na apuração do “trucidamento” dos deputados Euclides e Antônio, a Mesa Diretora da Câmara baixou, em 18 de agosto de 1963, uma resolução criando a CPI, com cinco integrantes e prazo de 60 dias para investigação dos fatos. E os membros da CPI foram trabalhar na própria Itabaiana.

                  A participação na CPI foi disputadíssima pelos deputados, e Vellozo só conseguiu ser indicado suplente, o que não o impediu de ter sua atuação lembrada posteriormente.

                  Quando o representante capixaba faleceu, o deputado sergipano Lourival Batista fez questão de usar o microfone da Câmara para lembrar o seu empenho na apuração dos fatos:

 "A Gil Vellozo, em momento crucial, o Estado de Sergipe ficou a dever solidariedade irrestrita. Logo após o trucidamento dos saudosos Deputados Euclides Paes Mendonça e Antônio Oliveira Mendonça, em Itabaiana, dele recebemos apoio para todas as medidas que se fizeram necessárias. Foi dos primeiros a procurar-nos para se integrar na comitiva que foi assistir aos funerais dos colegas mortos, tendo, inclusive, falado à beira das sepulturas" [4].

                  Lourival Batista ainda lembrou a postura ética do deputado canela verde: “Aberto o inquérito parlamentar, fez ele parte da comissão sem se deixar extremar, pelo contrário, prendendo-se a uma imparcialidade tranqüila, fato, aliás, de não causar nenhuma estranheza a quem conhecia o seu caráter” [5].

 


[1]  BRASIL. Câmara Federal. Diário do Congresso Nacional. 23 ago. 1963.

[2]  BRASIL, Câmara Federal. Diário do Congresso Nacional. 21 ago. 1963.

[3]  BRASIL, Câmara Federal. Diário do Congresso Nacional, 9 mar.1966.

[4]  Brasil. Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional. 9 mar. 1966.

[5]  Brasil. Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional. 9 mar. 1966.

 

Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Antônio Gil Vellozo, 2013
Texto: Roberto Moscozo
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel/ 27-9864-3566 
Onde comprar o livro: Editora Pro Texto - E-mail: pro_texto@hotmail.com - fone: (27) 3225-9400 
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