Jerônimo Monteiro - Capítulo XIX
JURISTA desde a mocidade, o Dr. Jerônimo cercou “o Poder Judiciário de todo o acatamento, prestígio e consideração de que é digno, mantendo perfeita harmonia e relações da melhor cordialidade com os membros dessa distinta e respeitável classe.”
De fato, providenciou a instalação condigna da Corte de Justiça e da respectiva Secretaria, no pavimento superior do prédio onde funcionava o Congresso Legislativo, transferido para o novo, construído no local da Igreja da Misericórdia. Mandou fazer becas para os Srs. Ministros, Procurador Geral e Juízes da Capital, de modo que pudessem funcionar com suas insígnias. Melhorou a Biblioteca da Corte de Justiça, dotando-a de obras das mais apreciáveis.
No pavimento térreo, tudo foi providenciado: adaptação de salas, para o Tribunal do Júri, dos auditórios da Justiça e dos tabelionatos da Capital, de modo a ser instalado o Fórum. Esse trabalho ficou incompleto, mas adiantado.
Regulamentou a Reforma Judiciária, promulgada pela Lei n° 516, de dezembro de 1907, depois da revisão processual feita pelos ilustrados juristas Drs. Manuel Clodoaldo Linhares e Henrique O'ReiIly de Sousa, que receberam 10:000$000, em vista de não ter sido possível aproveitar-se do trabalho do Dr. Antônio Ferreira Coelho, a quem o Governo, anteriormente, confiara a incumbência, pela quantia de 20:000$000.
O projeto organizado pelos dois referidos juristas, após sujeito à apreciação do Congresso Legislativo, passou a vigorar em Lei do Estado, pelo Decreto n° 931, de 26 de agosto de 1911.
Reduziu as Custas Judiciárias, a fim de colocar a Justiça ao alcance de todos, principalmente dos menos favorecidos pela fortuna.
Reorganizou o Registro Civil, que se encontrava “muito deplorável, em grande maioria dos distritos do Estado”. Determinou o Governo severa inspeção, nos Cartórios, para a devida regularização. Criou o Serviço de Estatística Judiciária.
Sim, tudo devia estar minuciosamente documentado e escriturado, em atividade que acompanhasse aquela vertigem de trabalho, que se irradiava em todos os sentidos, dentro da ordem e de rigorosa economia, a fim de que o reduzido orçamento suportasse os pagamentos pontuais e os credores calassem a costumeira propaganda, porque urgia continuar os esforços empregados pelo Governo, para levantar o crédito do Estado, “robustecê-lo e, se possível, ampliá-lo”.
Entretanto, tremendas foram as dificuldades a enfrentar. Lembremo-nos de que, em 1912, o Dr. Jerônimo podia repetir as palavras do Cel. Henrique da Silva Coutinho: — "Fazer muito, com muito dinheiro, é digno de encômios, mas é fácil; fazer muito, com escassez de numerário, é louvável, é animador, é digno".
No antigo prédio do Tribunal de Justiça, devidamente adaptado, instalou-se a Diretoria de Segurança Pública.
Sempre se interessou o Dr. Jerônimo pelo regímen penitenciário, cuja situação amenizou, tanto na Capital quanto no interior do Estado, onde as cadeias eram “verdadeiros pardieiros, sem conforto algum, sem higiene e sem condições de segurança". Lembremo-nos de suas constantes visitas aos detentos, aos quais mandava fornecer, gratuitamente, roupas e cobertas.
Prédios, para cadeias, foram construídos nas sedes das Comarcas de São Pedro do Itabapoana, Santa Leopoldina, Colatina, cidade de Afonso Cláudio — sede da Comarca de Guandu —, e Linhares. Uma pequena casa para prisões no Castelo, e outra em São João do Muqui. Reformas e vários consertos nas cadeias de Viana e Cachoeiro do Itapemirim.
Na Capital, mandou construir o Posto Policial, na Rua Sete de Setembro, com dependências para prisões correcionais.
Horrorizado com o estado da cadeia numa parte do Quartel de Polícia, onde as celas eram verdadeiras jaulas, sem água, sem esgotos e mal arejadas, providenciou a construção de uma Penitenciária, com todos os requisitos para a reabilitação social dos detentos, com oficinas, escolas e demais recursos de aprendizagem, a fim de que se tornassem elementos úteis à sociedade. Estava quase concluída, quando o Dr. Jerônimo deixou o Governo.
Aliás, o que o Presidente encontrou foi o regímen de "presos soltos", uns trabalhando nas ruas; outros, em casas particulares, etc. Dizia o "Relatório" do chefe de Polícia, em 1908:
“A base do sistema (penitenciário) é a liberdade dos criminosos. Ajardinam praças, exercem os ofícios de lavadores de casa, aguadeiros, desacompanhados de qualquer soldado, ou quando são acompanhados de praça, é para que, trabalhando, sob a sua égide, sejam afastados os concorrentes.”
Existia o Quartel de Polícia, no Moscoso, edifício relativamente novo, cujas fundações, porém, exigiam constantes reparos. O Dr. Jerônimo encontrou-o, quase a desabar. Tratou de consolidá-lo: aterrou o solo, até a altura dos barrotes, cobriu o aterro, com pedra britada e argamassa de cimento. Reconstruída as paredes internas, foram as externas reparadas, em grande extensão.
Quanto à parte higiênica do quartel, nossa pena escusa-se a descrevê-la! E sobre o mobiliário, basta esta nota do "Relatório", acima referido:
“Os leitos existentes, nos alojamentos, só recebem essa denominação, porque se destinam ao repouso dos soldados. Uma tábua, a mais das vezes, nua, privada, por exemplo, de colchão ou objeto que o possa substituir, apoiada sobre grossos pés de ferro, eis ao que se reduz a cama do nosso soldado.”
A Polícia, porém, foi reformada e aparelhada; o quartel devidamente mobiliado, com leitos higiênicos ("camas de pendurar", dizia-se), armários, cozinha, refeitórios, etc. Cada praça ganhou sua mala guarda-roupas. Desnecessário é dizer-se que o renovado quartel recebeu a devida instalação de água, esgoto e luz. E, para aperfeiçoamento da milícia estadual, foi criada uma escola primária ou regimental, de par com a ginástica e o curso de esgrima. Tudo nos moldes do Estado de São Paulo.
Lembremo-nos, ainda, desta passagem do “Relatório" do chefe de Polícia:
“Por duas vezes, encontrei a cadeia civil completamente vazia, onde nem sequer se encontrava o carcereiro e, se um dia, quis visitar a cadeia, para com efeito, verificar o número de presos, tratamento, localidade das prisões, etc., foi preciso previamente combinar com o Sr. Subdelegado, que conseguiu reunir na cadeia, a metade dos presos.”
Em se tratando da Justiça e da Segurança Pública, recordemos que o Júri, caído havia muitos anos em completo olvido, mereceu do Dr. Jerônimo a devida providência, para que sua instituição revivesse.
* * *
A 30 de maio de 1911, constituiu-se o Banco Hipotecário e Agrícola do Espírito Santo. Inaugurado a 1° de junho, encampou os serviços de água, luz e esgotos e, depois, o de bondes.
O ano de 1911 foi, sobremodo, de uma sucessão de visitas importantes que movimentaram a imprensa, o comércio e a sociedade. Entre essas passagens que tanto concorreram para a divulgação do nome do Espírito Santo, destaquemos as visitas do Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, a 21 de julho, quando regressava da Bahia; as visitas da Sra. Júlia Lopes de Almeida e seu ilustre filho Afonso Lopes de Almeida; os jornalistas Patrocínio Filho, Alcino Guanabara e E. Lauthier, diretor de "Le Temps"; o jurisconsulto Lacerda de Almeida e outros, entre os quais, os ilustres diplomatas Srs. Ministros do Chile, da Colômbia e da França.
O Marechal Hermes da Fonseca inaugurou parte do serviço de bondes elétricos, na cidade, a 21 de julho de 1911. Entre as visitas aos diversos pontos urbanos, destacou-se a do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, onde Sua Excelência recebeu a saudação dos Estados do Brasil na embaixada de um grupo de alunas, vestidas segundo o folclore das respectivas unidades.
No banquete, a 22 de julho, Sua Excelência manifestou a impressão da visita ao Espírito Santo, embora rápida, que lhe deixou no espírito "a convicção de que uma administração bem orientada e patriótica assegura o desenvolvimento progressivo do Estado, pela solução racional que vão tendo os vários problemas, que, sob o nosso regímen, devem preocupar os responsáveis pela direção dos negócios públicos". Referiu-se, ainda, à instrução e assistência à infância.
O cardápio do banquete foi impresso, em papel-cetim cor de rosa com letras azuis, tendo no alto as Armas do Estado.
Durante o banquete, tocou uma orquestra de pessoas conceituadas na sociedade: ao piano, maestro Antônio Aunon Sierra; Pedro Bonacossa, Guido Angeli, João Pedro de Freitas e João Clímaco, ao violino; Arnulfo Matos, flauta; João de Barros e Fernando Oliveira, clarinetas; Elpidio Barbosa, contrabaixo; Erminio Marangoni, piston; Heraclides Gonçalves, trombone.
No Rio de Janeiro, enquanto Vitória festejava a visita do Marechal Hermes, os jornais cariocas noticiavam que os títulos da divida pública do Espírito Santo (que até então não tinham tido nenhuma cotação na Bolsa) haviam subido acima do par. Fervilharam os comentários na Praça Oito de Setembro...
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— Falta, ainda, muita cousa — dirá o leitor, talvez contemporâneo do saudoso Presidente ou estudioso da sua obra.
— Certamente. Os professores de concurso, que podiam vir cursar a Escola Normal, sem prejuízo dos vencimentos, e, assim, tirar o diploma para a melhora da situação. O amparo aos órfãos. As salinas, em Jucutuquara. A Junta Comercial, instalada a 5 de janeiro de 1912.
Os lares que, discreta e cuidadosamente, reuniu e consolidou, a fim de que, na morte do chefe, os filhos e a viúva recebessem os benefícios instituídos em Lei. Constituía, aliás, uma norma do seu Governo a nomeação de funcionários públicos, sobretudo seus auxiliares diretos, somente quando tivessem a família constituída, de acordo com a lei civil e dos seus respectivos credos. Por isso, era o Dr. Jerônimo o que se podia dizer, de modo elevado e afetuoso, um presidente casamenteiro, tudo conseguindo, com afabilidade e seu jeitinho especial. E quantos afilhados ganhava! Quanta gratidão merecia das famílias, assim libertas de constrangimento, na sociedade?!...
E quanta gente recebia o seu amparo incógnito e seguro?
Registremos, ainda, a Carta Cadastral da Vitória, até então necessária e reclamada, para um plano uniforme de melhoramentos e embelezamento da Capital. Foi completada pelo levantamento de curvas de nível.
Baseado nela, o Dr. Jerônimo deixou um plano de alargamento das ruas e praças existentes e abertura de outras novas.
A Carta Geográfica do Estado, organizada pela firma Sousa Reis & Mélo, constituída de reputados engenheiros, veio preencher uma grande lacuna para os estudiosos. Completou-se com as apuradas e extensas pesquisas geológicas e mineralógicas, realizadas pelo Eng. Justin Norbert.
* * *
Nesse tempo, já se cogitava a sucessão presidencial. O próprio Dr. Jerônimo preocupava-se em passar o Governo a um continuador da sua obra, um sucessor capaz de prosseguir seu programa, já sobrecarregado com a instalação das indústrias no Vale do Itapemirim.
Numa pequena permanência no Monte Líbano, para tratamento da saúde, o assunto foi ventilado, e o Dr. Bernardino lembrou-se do Cel. Marcondes de Sousa, pelo muito que fazia no Sul do Estado, como Presidente do Governo Municipal de Cachoeiro do Itapemirim. Conversa apenas de passagem, com ponto final imediato. Mas, dias depois, surgiu inexplicavelmente, nos jornais do município e no "Jornal do Comércio", do Rio de Janeiro, terrível catilinária, verberando levianamente tal candidatura, que jamais fora consultada ou firmada!
O Dr. Jerônimo não suportava a maledicência. Conta-se que, por exemplo, certa vez, foi ao Palácio um tal acusar um Deputado, seu amigo. O Presidente ouviu calado a "informação" gratuita e, no fim, bateu-lhe no ombro, com veemência, e declarou: "Fique o Sr. sabendo que os meus amigos não têm defeitos".
Com essa diretriz, no tratar com os homens, e contando no Cel. Marcondes um velho amigo político e pessoal, aborreceu-se profundamente com o ocorrido e exigiu do articulista uma retratação, pela mesma imprensa, ao passo que, no "Jornal do Comércio", de 6 de novembro do mesmo ano (1911), o Senador Bernardino Monteiro, que igualmente não suportava intrigas, protestou contra a referida publicação, ali inserta.
Nesse ínterim, recrudesceram os expedientes oposicionistas e, a 14 de novembro, houve espetacular desembarque de Forças federais, dirigidas pelo Comandante da 7ª Companhia, para guardar as Repartições Públicas — Alfândega, Delegacia Fiscal, Correios e Telégrafos, etc.
A cidade tremeu!... O povo alarmou-se!... O Dr. Jerônimo, porém, tomou todas as providências cabíveis e ordenou que a Polícia Estadual se recolhesse ao quartel, a fim de evitar atritos. E tão hábil e energicamente se houve, perante o Governo Federal que o Comandante foi substituído...
Mas a candidatura Marcondes de Sousa divulgou-se e cresceu, como geração espontânea. Nas praças públicas, nas farmácias, nos cafés, em todos os lugares de reunião, só se tratava dessa novidade. Era o prato do dia.
A 29 de novembro de 1911, reuniu-se a Convenção preparatória, para a apresentação do candidato à Presidência do Estado, o que se realizou a 2 de dezembro seguinte.
Além desses antecedentes, sabemos que o Dr. Jerônimo teve motivos ponderosos, para conduzir ao fim a candidatura firmada para o quadriênio de 1912 a 1916. Mas, se neste mundo nem tudo se pode dizer, menos ainda se deve escrever, mormente em se tratando dos bastidores da política. E nós, que os acompanhamos, desde princípios do século XX, poderíamos escrever um livro gozado, triste, humano, folclórico, real, surpreendente, educativo, magnífico!... Destruiríamos estátuas imaginárias e levantaríamos heróis desconhecidos. Jamais, entretanto, o faremos. Aquelas se destroem, pelo desprezo natural do povo, seu melhor juiz, ao passo que os homens dignos, os verdadeiros heróis, embora modestos, jamais serão esquecidos! Permanecem na veneração dos pósteros e cariciados e embalados no seio da Pátria!
O certo é que a reação na política do Estado foi imediata à Convenção realizada, em dezembro, e que decidiu a indicação do Cel. Marcondes Alves de Souza como sucessor do Dr. Jerônimo Monteiro.
Na sessão de 28, no Congresso Legislativo, desligaram-se do Governo os torquatistas Thiers Veloso, Cirilo Tovar e Emílio Silva, além do Cel. Joaquim Lírio, que aliás já andava meio afastado do Dr. Jerônimo. Outros seguiram-nos. (Lembremo-nos de que a eleição do Cel. Marcondes, para Vice-Presidente do Estado, foi por unanimidade...).
Devemos, nesta passagem, assinalar que o Dr. Thiers, homem culto, advogado brilhante e dedicadíssimo ao Dr. Jerônimo, líder do Governo no Congresso, manifestou-se com a maior sinceridade, conforme o discurso então proferido, do qual tiramos os seguintes trechos:
“Na delicada e palpitante questão da sucessão do benemérito estadista, a cujos talentos está entregue a suprema direção do Espírito Santo, ninguém melhor do que V. Exa. (Dirigindo-se ao Presidente da Assembleia) sabe que, ao primeiro embate tentado para o conhecimento da minha opinião, foi tão franca, decisiva, categórica e leal a minha resposta que ninguém, desde então, nutriu a veleidade de procurar desviar-me da orientação que então tracei.
[...]
Lamento, profundamente, que as circunstâncias me tenham forçado a, de hoje em diante, negar o meu apoio político e a minha solidariedade partidária a um Governo, cuja administração mereceu de minha parte os mais sinceros e calorosos aplausos, mesmo porque, nesta administração tive uma pequeníssima e obscura colaboração, aplausos de que não me arrependo e jamais me arrependerei, tão incontestáveis e inolvidáveis são os serviços prestados ao Estado pelo seu atual Presidente, a quem, além de tudo, me acho ligado pelos laços de antiga amizade pessoal e relações da mais grata intimidade. Podem todos, pelo que venho de dizer, avaliar da minha dolorosa posição, nesta tribuna, no atual momento, e quanto custa a um homem público manter o respeito às tradições e um culto inflexível aos compromissos do passado. Mas é claro que a adesão de S. Exas. a uma candidatura que, ao meu entender, e ao de volumosa corrente de opinião esclarecida do Estado, não corresponde, absolutamente, ao brilho do período governamental, que se vai encerrar, assim como não corresponde ao grau de cultura de nossa sociedade, aos supremos interesses da ordem, às aspirações do povo espírito-santense, que represento, e aos ideais generosos da democracia brasileira, me colocou, Sr. Presidente, na áspera e dolorosa contingência de sobrepor aos ditames do coração o rigoroso cumprimento dos deveres de mandatário do povo.
Finalizou:
Possam, ainda, os desígnios imperscrutáveis do Altíssimo, inspirar aos homens públicos do Espírito Santo uma solução honrosa à grave crise política por que vai passar o Estado, que, então, me congratularei convosco com a mesma sincera lealdade e justa emoção, com que hoje deponho em vossas mãos a honrosa investidura de leader desta casa, e o lugar de membro da Comissão de Justiça, em homenagem aos brios e à dignidade do altivo e glorioso povo espírito-santense.”
Um círculo de ferro — desenfreada oposição, cada vez mais se apertava em torno do Governo. Foi a explosão de interesses, explosão de hábitos políticos antigos, levantados sempre contra o Governo, ao fim de quadriênios!... Mas os opositores não estavam na altura dos talentos da sua intrepidez, de sua desenvoltura de emérito lutador. A 3 de janeiro de 1912, realizou-se um grande comício, na Praça Oito de Setembro, contra a candidatura Marcondes e, a 15, outro que terminou com tiroteio, luzes apagadas e outras manifestações de exaltação de ânimos.
Continuou, porém, o Dr. Jerônimo sua trajetória de trabalho. E certamente só num grande livro poderíamos relatar o que ultrapasse os limites do prazo dado para a elaboração deste resumo. Entre outros aspectos de sua vida heroica, trataríamos, então, dos recursos empregados para o cumprimento dos seus objetivos no Governo e nos mandatos exercidos, como Deputado Federal e Senador, além de sua resistência nas ameaças contra a autonomia estadual.
Diz Carlos Sá:
“Naqueles dias de febre e apreensões, não se desdobrou somente o político de visão larga, mas o capixaba destemido e o Governo forte, cioso da dignidade histórica da sua terra. Haviam vetado as candidaturas que o Partido, por ele criado, apresentara, triunfantes, no fervor do sufrágio popular. A vibração sinérgica do seu protesto, porém, repercutiu de tal forma que, um por todos e todos por um, se congregaram os espírito-santenses, ao fogo daquela grandiosa almenara. E a reação se operou. E o Espírito Santo venceu galhardamente, duas vezes, o Poder Central.”
E, ao término do seu Governo, quando a cidade era abalada pelos boatos alarmantes, espalhados pelos adversários, entre o povo sugestionado, pelos fatos ocorridos, em diversos Estados do Norte, surgiu a notícia de que um vaso de guerra viria garantir a posse do candidato vencido, na eleição do seu sucessor, o Dr. Jerônimo, impávido, em seu posto, enviou ao Ministro da Guerra um telegrama decisivo: “A presa é por demais pequena, general, para um conquistador tão grande. Jerônimo de Sousa Monteiro. Presidente do Estado do Espírito Santo".
O povo quedou-se, estarrecido.
E nenhuma unidade naval chegou ao Espírito Santo.
A cena foi rápida. Estavam, como sempre, os Secretários Ubaldo Ramalhete e José Bernardino Alves ao lado do Presidente, que não se alterava.
— "Chamem o Capitão Hortêncio."
(Era o Ajudante de Ordens, homem de aparência frágil, mas duro, capaz de morrer de pé, junto ao seu chefe).
— "O Sr. vai passar JÁ este telegrama." (Era o famoso despacho).
Os assistentes entreolharam-se, atônitos. No Palácio, reinou completo silêncio, enquanto a cidade palpitava de boatos. E Dona Cecília, angustiada, corria ao Bispado e lançava-se aos braços da cunhada, Dona Maricota, que zelava pela residência episcopal:
— "Estamos perdidos”!
— "Não” — responde a irmã do Dr. Jerônimo — “Vamos rezar!"
Dirigem-se à catedral e, fervorosas, ajoelhadas, diante do altar de Nossa Senhora das Graças, suplicam a Celestial Assistência, naquela hora cruciante. (Ali se encontrava uma imagem de São Geraldo, devoção em moda na época, e lembrança de Dona Cecília).
Enfrentou ainda o Dr. Jerônimo a revolta dos que, não tendo a grandeza de reconhecer o mérito alheio, combatem os que se votam ao Bem, ao Dever e à Verdade. Os que agem com sinceridade e patriotismo. Colocou, assim, o Espírito Santo em posição tal que, feita a devida restrição, entre País e Estado se lhe poderia aplicar aquele testemunho do grande Ministro Colbert, em relação à Holanda: — "A grandeza de um país independente da extensão do seu território; está no caráter do seu povo".
Já nos referimos à visita do Marechal Hermes da Fonseca, recebido festivamente, com a cidade florida e iluminada. Foi um deslumbramento!
S. Exa. colocou a pedra fundamental para o monumento ao Presidente Henrique Moscoso, no jardim que Paulo Mota estava fazendo no aterro do Campinho. E plantou uma árvore no jardim do Palácio, "para símbolo da sua amizade ao Espírito Santo".
Hospedado no apartamento presidencial, em momentos de folga percorria os salões do Palácio; apreciou o civismo do Dr. Jerônimo, em dedicar dois salões às cores do Espírito Santo — Azul e Rosa. Enalteceu-lhe a ideia de formar a galeria dos brasileiros ilustres e dos Presidentes do Estado.
A 1° de dezembro (1911), o Dr. Jerônimo viajou ao Rio de Janeiro, a fim de retribuir essa honrosa visita. Parou em Cachoeiro do Itapemirim, onde pernoitou. Festas. Discursos. Fogos!... Recebeu, então, um telegrama do Gen. Pinheiro Machado, convidando-o para visitar sua fazenda, em Campos. O Presidente aquiesceu; parou na Terra Goitacá aonde chegou, no dia 2, recebido festivamente. O General cumulou-o de gentilezas.
No dia 3, chegou a Niterói e atravessou a Guanabara, em lancha especial, acompanhado do representante do Presidente da República, ministros e outras personalidades ilustres. Repetiram-se as passagens da visita ao Dr. Nilo Peçanha. Landolé. Música. Discursos. Fogos!...
Nessa retribuição da visita presidencial, o Marechal Hermes recebeu uma folhinha, em placa de ouro, tendo impressas as Armas do Estado, em cores salientadas por safiras e rubis (azul e rosa).
No regresso, do Dr. Jerônimo a Vitória — já se sabe — o povo desceu dos morros, saiu de todos os cantos, para uma daquelas manifestações nunca mais vistas aqui. O Dr. Henrique Alves de Cerqueira Lima, Vice-Presidente em exercício, e os auxiliares do Governo ofereceram-lhe um banquete, com o seguinte Cardápio:
Creme de ervilhas a chantilly (apreciada sopa de leite, com a água dos aspargos e trigo torrado, enfeitada de ervilhas)
Empadinhas de camarão (Lembremo-nos de Maria Saraiva...)
Costeletas de cordeiro ao molho supremo
Salmis de frango
Peru à brasileira
Aspargos ao molho de manteiga (A água foi para a sopa)
Fiambre de York
Pudins variados, sorvete de creme de baunilha.
Vinhos: Sauternes, Moscatel, Champagne, Madeira e Bordeaux.
Águas minerais
Cafés e licores
Tudo tem sua história, até mesmo os banquetes daquele tempo, quando as senhoras enfeitavam o salão.
Mas o banquete nada custou ao Estado; foi custeado pelos ofertantes. De outro modo, o Dr. Jerônimo não o aceitaria.
Nota:
A presente obra da emérita historiadora Maria Stella de Novaes teve sua primeira edição publicada pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo -APEES, em 1979, quando então se celebrava o centenário de nascimento de Jerônimo Monteiro, um dos mais reconhecidos homens públicos da história do Espírito Santo.
Esta nova edição, bastante melhorada, também sob os cuidados do APEES, contém a reprodução de uma seleção interessantíssima de fotografias da época — acervo de inestimável valor estético-histórico, encomendado pelo próprio Jerônimo Monteiro e produzido durante o seu governo — que por si só, já justificaria a reimpressão, além do extraordinário conteúdo histórico que relata.
Fonte: Jerônimo Monteiro - Sua vida e sua obra, 2ª edição Vitória, 2017 - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Coleção Canaã Vol. 24)
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2019
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