Nos caminhos da montanha - Por Roberto Mazzini
Num fundo distante a montanha enorme e azul embalada em nuvens de papelão branco. No cenário, trilhos de aço ao sol, triturados e comidos pela Ramona, a locomotiva resfolegante, expelindo fumaças contundentes e sufocantes, subindo a serra com grande senso profissional.
Em Guiomar, pastel de palmito com café torrado em casa. Mas o ponto de almoço era em Virgínia. (Para que planeta foram Guiomar e Virgínia depois de guilhotinadas pela foice certeira dos mudancistas vigilantes, dos adaptadores, dos quê?) A fuligem numerosa entrava pela janela do vagão mas os experientes viajantes das casas comerciais do Rio de Janeiro, que faziam a praça de Vitória, se preveniam vestindo guarda-pós e dormiam a viagem inteira, indiferentes à paisagem. Nem mesmo se interessavam pelos abismos dos viadutos e pontilhões de Soturno.
Perto do infinito, gravatas e manchas brancas nas pedras, bem lá no alto, sumiam no céu e a Ramona, em marcha lenta, pisava em ovos para atravessar os despenhadeiros mais perigosos da estrada. De vez em quando uma pedra pequena se desprendia da rocha, se precipitava nos espaços abissais e caía lá no fundo onde se avistava uma nesga d'água que logo sumia pela vegetação.
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A estrada de ferro passava a seis quilômetros da vila. Para apanhar encomendas era necessário andar cerca de uma hora, por um caminho íngreme, até chegar à estação onde, naquele dia memorável, haveria uma encomenda especial.
Olhava na direção do céu acima do morro do Bautz e se impacientava com a falta de sinais da chegada da aurora. Pouco mais tarde, a alegria de ver fiapos de luz manchando as árvores e, enfim, pé na estrada de chão batido rumo à estação. Sempre haverá de lembrar-se dos perfumes silvestres ativados pelo orvalho da madrugada. No barranco, amoras vermelhas contra o amarelo ocre, e nem falo dos pássaros porque senão me perco em difusas divagações e me esqueço do que realmente quero falar.
Na verdade quero falar da encomenda especial que deveria receber naquele dia pelo trem expresso vindo do Rio. Vou pulando detalhes e apresso-me em me ver na plataforma da estação construída nos primórdios da Leopoldina Railway. Agora observo que a arquitetura da estação permanece a mesma, a original do tempo do velho imperialismo inglês e podem ser encontradas similares em várias partes do mundo como marca de uma época.
Uma luz vermelha se acende e logo me dou conta que a lembrança pode ser perigosa. Não sei se para alguns não seria bom mencioná-la com um gesto qualquer de desprezo. Não sei se é conveniente achar belo esse prédio da estação. Mas a indecisão dura uma misérrima fração de segundo. Na minha memória, a estação é o lugar onde se materializa o sonho e isto basta para concluir que o lugar é belíssimo.
O sino da estação já bateu e o trem vem chegando. Vem se aproximando manso e com suas fumaças controladas dentro do poderoso peito de ferro da locomotiva. Barulho de engrenagens rangentes, trancos e, finalmente, o trem estaciona aqui na plataforma, justo na minha frente. A ansiedade e a dúvida se aguçam. Terá chegado a encomenda?
Passam fardos de objetos desconhecidos carregados por carrinhos compridos que vão para o depósito da estação, um cômodo frio e lajeado onde há uma cobertura semi-circular no topo fechada por uma grade de ferro. Mais cargas entrando no armazém. Uma batida de sino, um apito e o trem volta a se movimentar. Mais um pouco e some ali na frente.
Pergunta ao homem que tem duas listras douradas no boné se a sua encomenda chegou. O homem diz que vai ver e se dirige para o armazém onde predomina um cheiro de café em grão.
O homem volta em seguida com um pacote e me entrega a encomenda esperada: o primeiro número de uma assinatura do Tico-Tico que meu pai fizera para mim. Recebo o exemplar da revista e a alegria é tão grande que não sei se agüento.
Não vou falar do Tico-Tico que isso é conversa comprida, mas devo dizer que no Natal armamos um presépio muito bonito com as gravuras que vieram num anexo da revista.
Fonte: Revista Você – UFES – Ano I Nº 6, dezembro, 1992
Autor: Roberto Mazzini
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2015
Reina a paz neste pedaço do estado do Espírito Santo e vou dormir rodeado por folhas, árvores e bichos
Ver ArtigoImpressionante mesmo é a força de uma obra de arte. Santa Leopoldina continua sendo a personagem eterna de Canaã
Ver ArtigoPassei por ti, em caminho para o Convento, nos meus sete anos de idade mas dessa vez não te vi. Ou melhor, vi só o cais das barcas na praça Oito, ao lado da Alfândega, e o obelisco da Colonização equilibrado sobre quatro esferas de aço
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