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O Parque Real da Regência Augusta

Rio Doce próximo da foz - Foto: André Alves NEPUV Universidade de Viçosa - Livro: O Vale do Rio Doce, CVRD 2002

Documento 2:

Carta do Governador do Espírito Santo, Antonio Pirez da Silva Pontes, a D. Rodrigo de Souza Coutinho, em 11 de novembro de 1800. [Caixa 3 - ES - Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa, Portugal]

 

DO AUTO JUNCTO LETRA — A = CONSta ter eu cumprido com a grande obra da abertura do Rio Doce(1); por não tirar o tempo a V.Ex.cia não refiro os obstaculos, que tive avencer, sobre a persuasão geral destes Povos, e dos que aqui Commandarão nestes tempos mais proximos, os quaes tinhão informado ao meo Exmo. Gov. e Capitão General a impossibilidade de se navegar o Rio Doce, e de se entrar á sua Barra. Tudo foi conseguido com grande ventura, e com o favor do Veneravel Pe. Jozé de Anchieta(2), cujas reliquias existem na Igreja de Sant. - lago desta Villa, que tomei por advogado, e pela devoção que tem estes Povos a Memoria daquelle Missionario, tão bom Vassallo, como Christão.

Dizem agora, que os tempos se mudarão, e que tudo está a favor da obra Magnanima, e Real da Comunicação com as Minas, por hum canal franco, esó por si devalor tão Cabal, que não há expressão apintalo.

Vai o Rio em Magestosa (3) corrente comvelocidade ordinaria de duas milhas por hora, emhum taboleiro de fundo nivellado, the o Porto, que denominei deSousa, e quasi sempre de hum terço delégoa de Largo, eque o naveguei emgrande parte ávella; não sendo inda tempo das brizas de Nord'Este com as quaes sevai apôpa the o dito Porto de Sousa. Dali começão as Correntezas, mas todas vadiaveis a Carga, e Remo; eoprimeiro degráo das Escadinhas, assim como os outros desaparece no tempo das cheas; e este primeiro, que fica por Cima do Rio Principal de Sousa, ou Guandû, faz ademarcação desta Capitania com adas Minas. Estabeleci o Destacamento e Registro hua legoa compouca differença abaixo da divisão, entre as duas Capitanias, pela facilidade de chegarem ali Embarcaçoens Maiores, e fazerse o deposito intermedio das Fazendas de Europa, edos generos das Minas.

Hé precizo no entanto adiligencia dedar adirecção aos Comerciantes das Minas se encaminharem para este Porto; oque logo que vierem os Navios de Europa4 seconsegue, eunindo-se aeste Governo o resto da Comarca, ou Ouvidoria Geral, que consta das duas Villas deS. Salvador, S. João da Praia; porque inda que estão ambas situadas naMargem Austral doRio Parahiba, quando seformou esta Comarca do Espirito Sancto selhe ajunctarão com osseos Detrictos, que vão thé o Rio de Macahé(5), como tudo consta do Documento da Criação da Ouvidoria Geral, referido no Officio n° 4 do anno passado pelos motivos da distancia emque estão doRio deJaneiro, e que parece, que sendo mais urgente o das distancias para as promptas providencias dehum Governo do que o dos processos Civis, logo que S. Alteza Real ha por bem criar este Governo dever ficar aComarca fasendo o Careo delle; e então acudindo aqui os effeitos dos Campos pela facilidade de Navegar da foz da Parahiba para este Porto, podem vir carregar nelle doze outreze Navios deAlto bordo cada anno, easi Minas Geraes acharão pelo concurso dos Navios tanto os seos Provimentos, como prompto consumo dos effeitos deque abundão.

Permitta-me V. Ex. cia que ajuncte inda hua especie; evem a ser, que o trafico das Cavalgaduras, que transportão os generos do Mar para as Minas, edestas para os ditos Portos, offerece aprimeira vista seo embargo na prompta expedição desta abertura. A Navegação subministra os meios incalculaveis debeneficio, Mas as Rendas, que tem a Capitania nas entradas das Cavalgaduras, causa apprehenção na Junta de Villa Rica, e em alguns interessados no Comercio deste genero epode traser algua demora no sucesso prompto e espontaneo, que se deve esperar detão grande obra. Com tudo esta informação não me consta pelo officio do Gov. e Capitão Gen. das Minas Geraes, que parece antes estar decidido atudo oque he conformarse com as Intençoens do Grande, e Adoravel Principe eNosso Senhor.

Falta-me tão bem inda a Real decisão sobre o modo de conceder as terras aos Povoadores do Rio Doces, por que segundo as Instrucçõens não devo conceder, senão atres legoas de distancia de hua, e outra Margem as Sesmarias para as Lavouras. Por outra parte, como a Naturesa do Rio parece ter decidido, por que a Margem Boreal toda hé deterras altas, soberbas Mattas de Construcção, variadas de quasi todas as Madeiras conhecidas no Brasil, ao mesmo tempo, que a Margem Austral doRio, desde a sua foz no Occeano, athé a primeira Serra, que se encontra na dita Margem do Sul, que denominei da Carapinha hé toda de Varzeas, e Terras frescas, e de Mattas cubertas de Dolichos, Butuas, Passifloras, e outras Trepadeiras, são as ditas Terras proprias para a Cultura de Arrosaes, Lavouras inteiramente semelhantes as Lizirias do Tejo, mas sem criar as Madeiras de Ley, que vegetão nas terras enchutas, e levantadas do plano do Rio: Parece pois conveniente ao Real serviço concederem-se aos Povos nadita Margem Austral, as terras, que lhe são necessarias para a cultura, com a exclusiva de alguas Madeiras, ou Páos Reaes, que ahi existirem, eque toda aMargem Boreal, desde afoz athé as Escadinhas se conte, e tolha para S.A.R. com os fundos, que vão athé S. Matheos, denominado = O PARQUE REAL DA REGENCIA AUGUSTA (6) = por ser este o nome da Povoação da Barra do Rio Doce, e Novo Porto que se estabelesce o dentro das Aguas do mesmo Rio, conservando ao mesmo tempo a Memoravel Hepocha do Reynado de S.A.R.

Muitas são as conveniencias, que julgo concorrerem, para fazer adoptar este plano de se conservar privativa para Sua Alteza Real aquella Margem; tanto para aboa guarda della, e se evitarem denuncias, e conflictos, como para ter Sua Alteza serventes para as mesmas Mattas em qual quer parte que queira estabelescer os Cortes de Madeiras, achando-se defronte na Margem opposta moradores, que facilitem, e coadjuvem aos Pedestres, Indios, ou Escravos, que se aplicarem por conta da Real Fazenda.

V. Ex.cia fará oque for servido. No entanto fico esperando a decisão Real sobre este artigo.

Deos guarde a Ex.ma Pessoa de V. Ex. cia Villa da Victoria Capitania do Espirito Sancto a 11 de Novembro de 1800.

III.mo e Ex. mo Senhor D. Rodrigo de Souza Coutinho.

Antonio Pirez da Silva Pontes

 

NOTAS

1 Valorização do trabalho feito, considerando a abertura do rio Doce grande obra.

2 Referências às relíquias de Anchieta que não estavam mais na Capitania, tendo sido levadas para a Bahia, de onde se dispersaram. Embora os jesuítas tivessem sido expulsos pelo Marquês de Pombal, em 1750, seria a referência para agradar a rainha, D. Maria Pia, depois a Louca?

3 Descrição memorável da navegação pelo rio de "majestosa corrente".

4 A idéia então vigente era fazer comércio de Minas com a Europa. Não havia, contudo, então, recursos técnicos para fazer um porto na barra do rio.

5 Afirma o limite sul da Capitania até a barra do rio Macaé, como consta da criação da Ouvidoria, muito mais que o território do Espírito Santo, hoje.

6 Defende a concessão de sesmarias na margem sul do rio. Posteriormente a colonização se iniciou com a concessão a João Felipe Calmon, que atraiu outros moradores, vindos de Benevente (hoje Anchieta) no sul do Estado.

7 Proposta revolucionária de criação de uma reserva florestal. O nome é que não agrada muito: voltou o Governador ao engrossamento tão comum em nosso Brasil! Regência Augusta, em honra do Regente, D. João, depois D. João VI.

 

Fonte: Pré-Memória do Governador Antônio Pires da Silva Pontes / pesquisa original, João Eurípedes Franklin Leal; seleção, Miguel Depes Tallon; introdução e notas, Renato Pacheco – IHGES, 1999
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2017

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