Patrimônio Cachoeirense II: Bernardino Monteiro
Segundo o jornal Arauto, de Cachoeiro de Itapemirim (04.08.84), numa medida anteriormente anunciada, o governador Gerson Camata enviou naquela ocasião mensagem à Assembleia Legislativa, transferindo o Grupo Escolar "Bernardino Monteiro" para o patrimônio municipal.
Segundo ainda o autor da matéria, tal medida visava beneficiar a comunidade local que teria restaurado um de seus mais expressivos prédios públicos para abrigar a Administração Municipal ou Casa da Cultura, com biblioteca, teatro, cine-clube, museu de imagem e som, salas de música e exposição de artes (preferimos a 2ª hipótese). Sem dúvida, o imóvel em questão constitui-se em um dos mais importantes patrimônios cachoeirenses.
Inaugurado a 15 de fevereiro de 1913, no Governo do Coronel Marcondes Alves de Souza (1912-1916), as obras do Bernardino Monteiro, no entanto, tiveram início no Governo Jerônimo Monteiro (1908-1912), que terminou seu mandato deixando-o em adiantado estágio de construção.
Jerônimo Monteiro, cachoeirense, tivera uma sólida formação escolar. Depois do curso primário no Colégio Manso em seu município natal, estudou no Colégio Caraça (Minas Gerais), no Seminário São José, do Rio de Janeiro, e Colégio São Luiz, em Itú, São Paulo. Em 1894, formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo.
Candidato oficial do Partido Republicano do Espírito Santo para governar o Estado, sua plataforma de governo assombrou as elites pela "revolução" que causaria à economia e infra-estrutura urbana do Estado, implantando serviços de água, esgoto, eletricidade, telefones, bondes e lanchas, na "Grande Vitória", escolas técnicas, e indústrias no Estado; e um "Parque Industrial" em Cachoeiro de Itapemirim.
Assumindo o Governo em 1908, imediatamente põe em execução seu planejamento, cercando-se de técnicos competentes que conhecera em São Paulo. Por suas realizações, Jerônimo Monteiro, posteriormente, seria comparado a José Battley Ordoñez, o reformador do Uruguai, pioneiro estadista do "Desenvolvimento e da Política Social" em solo americano. O capixaba Ministro Clovis Ramalhete credita-lhe a antecipação da "Legislação Delegada" difundida pelas Constituições da Alemanha, França e Itália, pós-guerra; e a concepção de um "Planejamento Econômico Integrado" ou ainda do "Desenvolvimentismo no Brasil", em 1908, tendo o Estado como propulsor.
Uma das grandes metas do Governo Jerônimo Monteiro era, também, a Reforma de Ensino Público. Para isso foi buscar, em São Paulo, o educador emérito Carlos Alberto GOMES CARDIM, que chegou a Vitória no mesmo ano de 1908. Sob a orientação do prof. Gomes Cardim, reorganizou-se a Escola Normal e fundou-se a Escola Modelo (atual Maria Ortiz), diversas escolas isoladas e sobretudo os Grupos Escolares "Gomes Cardim", de Vitória, o de São Mateus, de Santa Leopoldina, e o de Cachoeiro de Itapemirim (os três últimos deixados em final de construção, ao findar sua gestão).
A Reforma do Ensino Público, preconizada pelo Governo Monteiro, dava, portanto, nova organização às instruções públicas primária e secundária, criando o Departamento de Ensino (a este subordinando-se todos os serviços referentes à educação pública) e tornando ainda obrigatório o ensino dos 7 aos 12 anos a todos capixabas.
Curiosa foi a implantação do ensino público obrigatório. No Espírito Santo, como no Paraná ou Santa Catarina, entre outros Estados que receberam imigrantes estrangeiros, os colonos, quando agrupados, procuravam conservar os usos, costumes, religião, língua e até mesmo as tradições do país de origem, de sorte que seus filhos, embora nascidos no Brasil, aprendiam a língua e os hábitos do país (como os pomeranos de Santa Maria) e se consideravam estrangeiros. Assim sendo, em Campinho de Santa Isabel (Domingos Martins), havia uma escola dirigida por pastor protestante para ensino aos descendentes dos alemães. Dentre seus alunos só um falava português e, mesmo nascido na localidade do Rio Fundo, se considerava alemão. Em Alfredo Chaves, onde predominava a ascendência italiana na escola primária dos ali nascidos, sequer admitiam cantar o hino nacional ou a canção denominada "Sou Brasileiro". Por isso, obrigou-se também o ensino do idioma pátrio, educação cívica, geografia e História do Brasil nessas escolas, procurando-se minar a barreira do idioma, não sem uma certa resistência.
É dentro deste ambiente renovador que atingiu o Espirito Santo no Governo Jerônimo Monteiro que entendemos a criação do Grupo Escolar de Cachoeiro de Itapemirim. Em um momento também de valorização da cultura e do civismo.
Nesses grupos de construção sólida e arquitetura requintada como o "Bernardino Monteiro", realizavam-se comemorações constantes nas principais datas nacionais com sessões de alocuções públicas pelas professores e recitais de poesias pelos alunos, sempre seguidos dos hinos nacional, espírito-santense, da Bandeira, da República, bem como "canções patrióticas".
Com o desenvolvimento da vida escolar, bandas de músicas foram organizadas, jornais escolares e teatrinhos, à noite, sendo o "Bernardino", por exemplo, dotado de palco e salão nobre.
O incremento à educação foi tal que o número de alunos matriculados nas escolas públicas do Estado em 1908, de 2.740 passou a 7.340 em 1912, quando se encerrou seu mandato.
Sintomática foi, pois, a denominação de "Bernardino Monteiro" dada ao grupo escolar em homenagem a Bernardino de Sousa Monteiro, irmão de Jerônimo, e que também governaria o Espírito Santo (1916-1920). Senador à época, Bernardino incluía-se entre as autoridades na solene instalação da escola, ao lado dos representantes do Congresso (Assembleia Legislativa), do Município, da Justiça, professorado, demais pessoas de "destaque social", inclusive Jerônimo Monteiro, a 15 de fevereiro de 1913.
O "Bernardino" soube manter sua tradição cultural. Em 1927 funcionava a Caixa Escolar "Deocleciano de Oliveira" para compra de livros e demais objetos escolares. Nessa ocasião havia ainda a Biblioteca Infantil "Carolina Pickler" (professora da escola) e se mantinha o jornalzinho "A Pátria", bem como uma tropa escoteira composta de 15 membros. A escola prestava assistência social e tratamento dentário aos alunos, sendo que a comunidade cachoeirense, mesmo quando residente fora da cidade, não esquecia sua modelar instituição de ensino.
Em suas dependências, por exemplo, encontrava-se naquele ano belo quadro do consagrado artista cachoeirense Levino Fanzeres, que fora doado pela comunidade cachoeirense residente em Vitória.
Intelectuais tradicionais como Benjamin Silva, Cyro Vieira da Cunha, Augusto Lins, Mário Imperial, Paulo Freitas, Archimimo Mattos, Fernando Abreu e Almeida Cousin que pela cidade passaram certamente se regozijaram com o ensino ministrado no "Bernardino", bem como uma plêiade de intelectuais que sentara em seus bancos escolares, hoje, como ontem, preocupa-se com a destinação que for dada a este significativo prédio público da cidade.
A transformação do Bernardino Monteiro em uma Casa da Cultura é de todo viável, desde que suas linhas não sejam alteradas e que tal ato não traga prejuízo para os atuais alunos. Sabemos que é projeto da Prefeitura Municipal a doação de uma área de 2.000m2 à Secretaria da Educação, na Av. Cristiano Dias Lopes, para construção de um novo prédio que substituirá o "Bernardino", ganhando os escolares uma nova instalação com maior espaço, em local mais adequado ao funcionamento do colégio. Se tal ocorrer, será necessário, portanto, em caráter de urgência que o "Bernardino" seja inscrito no Livro de Tombo do Patrimônio Histórico e Artístico Estadual para que fique protegido pela Lei contra demolição, destruição, mutilação ou mesmo pintura ou restauração que o descaracterizem, para a tranquilidade dos cachoeirenses e de todos os espírito-santenses que ainda se preocupam com a preservação de nosso patrimônio histórico.
A Gazeta — Vitória (ES) 24 de fevereiro de 1985.
Fonte: Notícias do Espírito Santo, Livraria Editora Catedra, Rio de Janeiro - 1989
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2021
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