Quem foi Hermógenes?
“Quando a trovoada trovejou no sertão ele assuntou o tempo, viu que as cobras tavam saindo do brejo e subino pros morro, disse logo: ‘Gente, vamu nos aprecavê que a coisa vai ser séria. É tribuzana que tá pra chegar nustantinho’.”
Nessa passagem do conto Meu São Domingos, do livro Curubitos, em que Hermógenes Lima Fonseca descreve a ocorrência de uma enchente no Rio São Domingos (município de Conceição da Barra, a norte do Espírito Santo), estão expressas características marcantes do autor. Traços do seu perfil revelam um amor profundo à terra em que nasceu, por cujas veredas correu livre e em cujas águas límpidas se banhou. Mostra ainda a sua perplexidade diante da natureza e seus fenômenos, as matas, os bichos, as flores. E, sobretudo, o respeito que devotou às gentes simples, desde as comunidades tradicionais dos sertões do norte capixaba, às pessoas que habitam os morros de Vitória. Ambas com suas culturas, etnias, tradições e manifestações singulares, e com as quais Hermógenes sempre esteve.
Esses são alguns traços da impressionante personalidade de Hermógenes Lima Fonseca, cuja história de vida e cujo legado referendam a necessidade de, cada vez mais, ser lembrado e mantido em destaque na galeria que reúne aqueles que, imortalizados, são reconhecidamente Grandes Nomes do Espírito Santo. Portanto, a memória de Hermógenes precisa ser preservada e sua obra ainda mais difundida para continuar produzindo os bons frutos em favor da cultura popular, da valorização humana e sua forma de expressão. A produção deste livro tem esse objetivo, no entendimento de que – para compreender Hermógenes – não basta narrar fatos da sua história, mostrar documentos, comentar ou discorrer sobre os testemunhos e relatos sobre ele, mas expor sua obra, ofertá-la. Procuramos fazer isso aqui, dentro das limitações do espaço, brindando o leitor com a reprodução de crônicas e poemas de cada um de seus livros, além de cartas, contos, estórias e ‘causos’ assinados por ele e publicados em jornais e revistas.
Quem foi Hermógenes Lima Fonseca? Antes de tudo, um ser humano especial, um idealista, amado pela comunidade e sonhador com a possibilidade de um mundo mais feliz, igualitário, com oportunidades para todos. Um homem que “astuciou” gastar a vida de muitas maneiras. Formado contador, teve atuação destacada na profissão, dedicando atenção especial aos sindicatos e organização de associações diversas. Como sindicalista, participou da organização do Movimento Unificado dos Trabalhadores (MUT), presidiu o Sindicato dos Telegrafistas e fundou o Sindicato dos Condutores de Veículos. Foi professor de Contabilidade e chegou a presidir o Conselho Regional de Contabilidade (CRC-ES). Escreveu para jornais e revistas. Como escritor, foi autor de vários livros abordando principalmente temas da cultura popular, em forma de contos, crônicas, ensaios, poesia e cordel. Político, foi um revolucionário, tornando-se um dos representantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) com atuação em nível nacional. Mas foi pelo Partido Republicano (PR) que se elegeu vereador com uma votação recorde até hoje. Tido como subversivo pelo regime militar, foi perseguido durante 12 anos, tendo quase uma dezena de fichas no Dops e, colecionando diversas detenções, conheceu a dor da tortura. Hermógenes foi ainda membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, da Academia Espírito-santense de Letras, e presidente de honra da Comissão Espírito-santense de Folclore. Como folclorista, está, reconhecidamente, integrado à “santíssima trindade do folclore capixaba” ao lado dos grandes pesquisadores e seus amigos Guilherme Santos Neves e Renato Pacheco. Também se formou em Direito, mas não chegou a advogar.
Hermógenes, ou Armojo das Perobas – como era chamado pelo seu “povinho” da Barra, ou “O conde do Angelim” - título honorífico que, só de brincadeira, ele mesmo teria se atribuído, assim como o de “Lord Fonseca”, consignado pelo povo do carnaval da Fonte Grande. Esse “Anjo Bom” passou por aqui e deixou um legado de relevantes contribuições, especialmente para o conhecimento, preservação e ações de resgate e valorização da cultura popular mais genuína.
A luta de Hermógenes e de companheiros pesquisadores de sua época colaborou de maneira fundamental para a revelação da identidade cultural do Estado, dando suporte para que os grupos folclóricos do Espírito Santo, e aí se incluem as organizações ligadas ao samba e ao carnaval, se conscientizassem do seu valor e importância. Além disso, contribuiu para que o poder público passasse a enxergar esses grupos com o devido respeito, como patrimônio cultural tradicional, assumindo responsabilidades por sua preservação e instituindo políticas públicas para o setor. Podem-se mencionar como exemplos ações da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), inclusive a concessão de títulos de Mestres de Cultura Popular do Estado do Espírito Santo e a instituição do Prêmio Mestre Armojo do Folclore Capixaba, bem como a criação da Lei Rubem Braga, instrumento que garante apoio financeiro a projetos, entre os quais de folclore.
É, portanto, inegável que o folclore capixaba tem hoje lugar de destaque e goza de respeito em todo o Espírito Santo e no Brasil. Contudo, como o próprio Hermógenes afirmava, como “o folclore não é estático”, haverá sempre novas razões para proteger, valorizar e promover essas manifestações e as tradições populares.
Ora como as árvores do mangue que crescem abundantemente às margens dos rios Cricaré e Itaúnas, cravando suas raízes entre as águas e as barrancas, elevando-se viçosas como a querer olhar o mundo lá de cima, para compreendê-lo melhor, ora como o humilde balsedo, essa vegetação preguiçosa, com suas flores lilazes, que vive viajando nesses mesmos rios ao sabor dos ventos e das marés, assim pode-se dizer que fora Hermógenes. Para o ‘povinho miúdo’, seus amados ‘crioulos’, Mestre Armojo das Palmeiras – O Conde do Angelim falado! E quem, em cujo ‘Curriculus Populis’, escreveu:
“Muito conhecido nas rodas boêmias, sobretudo nos becos da Laura e do Vitalino, em São Torquato. Doutor Armojo, para o povo do Povoado de Santana. PHD by Cariacica University and Master of Caçaroca College”.
Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Hermógenes Lima Fonseca, 2013
Texto: Bartolomeu Boeno de Freitas
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel/ 27-9864-3566
Onde comprar o livro: Editora Pro Texto - E-mail: pro_texto@hotmail.com - fone: (27) 3225-9400
Essa é a versão mais próxima da realidade...
Ver ArtigoComo judiciosamente observou Funchal Garcia, a realidade vem sempre acabar “com o que existe de melhor na nossa vida: a fantasia”
Ver ArtigoUm edifício como o Palácio Anchieta devia apresentar-se cheio de lendas, com os fantasmas dos jesuítas passeando à meia-noite pelos corredores
Ver ArtigoEdifício Nicoletti. É um prédio que fica na Avenida Jerônimo Monteiro, em Vitória. Aparenta uma fachada de três andares mas na realidade tem apenas dois. O último é falso e ...
Ver ArtigoEra a firma Antenor Guimarães a que explorava, em geral, esse comércio de transporte aqui nesta santa terrinha
Ver Artigo