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Quem já passou pelo Marista e não viveu. Pode ser mais, mas sabe menos do que eu

Luiz Paulo Rangel - Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Vila Velha - Casa da Memória, em discurso pronunciado em Sessão Solene na Câmara de Vereadores de Vila Velha pelos 60 ANOS DE FUNDAÇÃO DO COLÉGIO MARISTA

FATOS E LEMBRANÇAS DE MEU TEMPO MARISTA

 

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço

Brinca o luar — dourada borboleta;

E as vagas após ele correm... cansam

Como turba de infantes inquieta.  

Castro Alves – Navio Negreiro. Esses eram os livros que o Marista nos incentivavam a ler, discutir e gostar.

 

A Cultura, disciplina e a religiosidade são destaques na educação transmitida pelo Colégio aos alunos. Outros diferenciais são suas instalações, salas de aula, os laboratórios, a biblioteca, as ações culturais e desportivas e suas ações sociais. Realmente um nível diferenciado.  No meu tempo, professores com educação europeia nos traziam as visões das grandes metrópoles e culturas que só conhecíamos por revista ou no cinema.

Esse colégio atravessou por grandes transformações sociais de Vila Velha, e acho que foi o seu maior desafio tentando manter seu padrão de educação. Quando foi instalado, na década de 50, Vila Velha era uma pequena vila com pouco mais de 24.000 mil habitantes. Sua estrutura predial também era um destaque no município.

Vila Velha cresceu em população e problemas sociais. Mas a questão cultural da tradicional educação dos anos 50, ainda influenciada pelo conceito secular da velha república e do império, vinha sendo impactada pelas ideias liberalizantes (e não liberais), iniciadas na América e Reino Unido do pós-guerra. A perseverança para manter a disciplina e o sua estratégia na educação de crianças e jovens foi fundamental para formação de alunos cidadãos.

Assim como eu, diversos outros alunos tiveram sua entrada no Marista através do curso de preparação para admissão para 1° série com a Profª. Liese.  Iniciava aí uma nova etapa de nossas vidas. Vestido com o uniforme de camisa verde e calça caqui, uma carteira do colégio com uma foto 3 x 4 (pela primeira vez tinha um documento com uma foto), adentrava aquele imenso colégio com muito orgulho.

Cantar o hino nacional, o hino do estado e do município, muitas vezes frente ao hasteamento da bandeira, a formação em fila para entrada na classe, a oração inicial do dia, foram, dentre outras práticas importantes. Apesar de esses e outros ritos e modelos terem sido combatidas ao longo dos anos, sendo algumas delas retiradas da rotina, auxiliaram grandemente na nossa formatação e critério para sermos “gente”. Gente que convive com gente, que têm direitos, mas, muito mais, deveres. Pessoas e cristãos, pautadas em práticas do bom convívio, do bom relacionamento, do respeito e da civilidade. O foco era criar pessoas boas para a formação de uma sociedade mais adequada e respeitosa.

Palavras e ações dos irmãos Maristas mudaram meu destino e de muito outros colegas. As tarefas coletivas: coral, teatro, festas juninas (as grandes festas do Marista), os esportes coletivos e o toque de religiosidade em tudo, foram fundamentais na minha formação para atuar em sociedade, mesmo que naqueles momentos não parecesse. Todas as ações e projetos nessa escola tinham um propósito importante baseado no conceito principal do carisma Marista.

Lembranças lúdicas nos lança em momentos e fatos simples, mas que marcaram nossas vidas.

O porteiro (Sr Antonio) que ficava na entrada recolhendo nossas carteirinhas na qual eram carimbadas diariamente nossa presença, e as notificações de nossos pais para escola ou da escola para nossos pais.

A hora do recreio era iniciada quando o sino tocava (eta hora aguardada!). Uma correria, para todos os lados. O importante era chegar primeiro. Onde? Nos campos de esporte e na cantina. A cantina, no meu tempo, o pão com salame com Coca-Cola era o destaque: João! Um pão e uma coca! Paçoquinha! Amendoin! Ainda na cantina o Ir. Marino e Padovane para atender adequadamente e rapidamente, porque queríamos ter tempo para o jogo de futebol de campo, controlado pelo Ir. Orley, ou para jogar bola ao mastro, ping-pong, pique alto nos bancos de madeira, ou ainda simplesmente ir para biblioteca ler ou conversar.

Eu não jogava nada de futebol, um perna de pau, mas Ir. Orley me direcionava sempre para ser goleiro... passava tudo... Eu gostava mesmo é de bola ao mastro ou ir para Biblioteca, ou ver Ir. Wagner tocando suas músicas na capela. Falar nisso... Onde estão as músicas de composição do Ir Wagner? Alguém guardou? Eram lindas!

        As salas de aula eram enormes, relativamente nos sentíamos pequeninos e quando eu fazia alguma coisa errada (e eu fazia), olhava para frente, na sala de aula, e tinha uma placa, acima do “quadro negro”, escrito

“DEUS ME VÊ”... ihhhh danou-se...

Todos os professores marcaram de alguma forma, nossas vidas. E no Marista, o diferencial cultural e religioso dos irmãos, não só marcaram, mas em muitos casos, redefiniram nossas vidas. Muito importante foi como diversos professores “civis” (os não Irmãos Maristas) acabavam se moldando ao padrão dos irmãos de forma positiva. Quem não se adequava, por si só, não conseguia ficar, assim também acontecia com os alunos.

Receber medalha ou diploma de Honra ao Mérito, não foi para mim, não fui tão aplicado assim. Mas agradeço ao Ir. Fernando, que redirecionou minha vida e quem me dera tê-lo como professor antes da quarta-série, aí sim... Teria disputado a altura medalhas e diplomas. Mas, não fez falta, fui bem moldado para o mundo e para a vida.

Aprendi a gostar de História primeiramente com a Prof.ª Regina e depois com o Prof. Smale Golveia com suas opiniões detalhadas da história. Tive o primeiro contato com grandes obras literárias com o Prof. Aldifax, poemas e literatura do Brasil e Portuguesa.

Como complemento para minha formação, participar do movimento de Lobinhos e do Escotismo foi fundamental. Ir Leo, Prof. Audifax, Ir Gerlin, Atila Freitas, o casal Jair e Terezinha Torres, Lauro Rodrigues, todos foram líderes do grupo escoteiro durante algum período. Lembro-me dos grandes acampamentos e muitas histórias interessantes e engraçadas que merecem relatos a parte em outra oportunidade.

Mas, só para lembrar de fatos engraçados, recordo, em um acampamento lá em Rio Barcelos, que Leonardo de Jesus e Fernando (Fé), ou seria Sergis Debanet, todos eram bem gordinhos? Eles iam pegar água no riacho para fazer o almoço e ficavam tomando banho, em vez de levar a agua para o acampamento. Eles atazanavam a vida do monitor Luchi, da Patrulha do Cavalo.

Sempre no dia 23 de maio, os escoteiros estavam na véspera, esperando o Fogo Simbólico, e em acampamento armado ao lado da igreja do Rosário na Prainha, passávamos a noite em vigília para que o fogo não se apagasse.

Pela manhã, íamos auxiliar em manter a linha de separação entre quem estava desfilando na parada cívica e o povo que estava vendo o espetáculo.

Por onde andam alguns companheiros escoteiros: Licurgo, Juvenal. Gilmar, Tadeu, Francisco Torres, Fernando Cunha, Paulo Shalders e outros mais. Meu primeiro monitor foi Elias Martins e sub-monitor Luiz Paulo Velloso, na Patrulha do Cão, bons tempos e bons ensinamentos. “Sempre Alerta” para quem ainda lembra desse momentos.

Sábado a noite era para ver o filme de TARZAN no cinema do Salão Nobre do Marista, uma diversão que competia com o Cine Continental da cidade.

No início ainda havia o dentista (que eu detestava) e educação física que era obrigatória e muitas vezes, iniciava, bem cedo (não gosto de acordar cedo até hoje). Prof. Thelmo Torres e Prof. Carlinhos foram marcantes, com seus modelos práticos de tratar os alunos nas aulas de Educação Física.

Eram amigos, mais que professores. Dizia o Prof. Carlinhos: “deitados em pose de ver mulher boa na praia”, isso era para iniciar os exercícios. Thelmo, codinome Torresmo, também dava apelidos a todo mundo, e muitos ainda são conhecidos hoje pelos mesmos apelidos.

A participação em Feira de Ciências, estadual e nacional, era muito incentivador, participei de todas e disputava sempre os primeiros lugares (pelo menos nisso). Representamos o colégio em uma feira nacional em Santa Catarina. Não cheguei a participar da banda, mas em peças teatrais tive muitas experiências boas e me ensinou ter uma facilidade melhor para relacionamento com grupos de pessoas e falar em público.

Na época havia bolsa de estudo, lembro-me da Mútua, que eu nem consegui ficar nela, pois, era necessário ter boas notas... então...

E as palestras vocacionais? Quem lembra?

O Marista era, enquanto fui aluno, minha vida. Se minhas aulas eram no período da manhã, a tarde estava lá. Se eu estudava à tarde, pela manhã estava lá, além dos sábados, domingos e feriados. Fazendo o que? Brincando oras... Brincando nos vastos terrenos do Colégio, nos morro, no pomar, comendo jamelão, tomando água do poço, mexendo com os jacarés (tinha uns colegas meus que entravam no local dos jacarés pegam um pelo rabo e giravam os pobres como hélices) e aquelas enormes leitoas (nunca havia visto porcos tão grandes). Jamelão e goiaba eram as minhas frutas preferidas. Tinha laranja, mamão e manga, pitanga, dentre outras tantas. Era uma verdadeira fazenda, a extensão da minha casa.

Muitas vezes ajudava a dona Gertrudes (cuidadora dos serviços do Juvenato) a cuidar das galinhas e verificar e virar os ovos na chocadeira.

É claro que tinha sempre recompensa, um café com pão e queijo no refeitório do Juvenato, uma maravilha.

Ir. Libaneo, motorista do caminhão, era quem levava agente para os acampamentos, também fazia vinho e hóstia. Às vezes eu ajudava nessas tarefas, comia aparas de hóstia (às vezes algumas também) e bebia vinho (escondido é claro). Às vezes saía de lá meio alegre...

“Meu filho, você deve lavar os pés” antes do ritual do “pisa da uva”, dizia Ir. Libaneo, mas só deixava agente ajudar depois que quase toda uva já estava amassada, por ele, naquela grande bacia de madeira.

Mas andar pelas matas e morro do Colégio era sempre uma aventura, e quando comecei a estudar biologia com a Prof.ª Barbara, eu e mais alguns colegas passamos a ser os coletores de insetos, flores, folhas e tudo mais que podia e que era ser vivo que achássemos interessante. Ela adorava, e falava na hora o nome científico daquilo que nós estávamos trazendo. Menino! Mas que maravilha é esta “Folha obovada e cartácea de uma Psidium guajava”, ou melhor, “folha de goiabeira” e essa linda “Caligo idomeneus“, que para nós era uma simples “borboleta Coruja”. Fiquei fã dela. Naquele tempo ela já falava em ecologia... preservar a natureza e tudo mais. A Professora, Dra. Barbara, estava à frente de seu tempo, e tentava carregar agente com ela.     

Eu conhecia cada canto desse colégio, todo o morro, matas, frutas, arvores e animais. Havia um poço lá atrás do morro, água boa de beber.

Certo dia, em um encontro dos Lobinhos ao redor desse poço, um gordinho que não lembro mais o nome, caiu dentro do poço. No primeiro momento, todos ficaram apavorados, porem, visto que não houvera nada com o menino, virou motivo de gozação.

Puxaram ele com uma corda, e deu um trabalho danado, pois ele era meio fortinho.

Alguém se lembra da serraria lá atrás dos campos de futebol do colégio... Depois que fui saber que eles fizeram muitos móveis para o colégio... aos sábados e domingos ficava fechada e tínhamos um curiosidade danada de ver de perto todas aquelas máquinas e ferramentas elétricas. Um perigo...

        Ainda no campo cultural, Ir. Wagner era o destaque do Canto Orfeônico e musica clássica. Tocava piano e órgão (não era eletrônico, era movido a ar, um fole com pedaleiras), também durante suas aulas, contava histórias intrigantes sobre diversas situações da vida de jovens envolvidos com drogas, bebidas, etc, em uma tentativa de desencorajar os experimentos que certamente estavam chegando à pequena Vila Velha.

Senhores, até uns anos atrás, ainda sabia quantos azulejos ou ladrilhos tinham naquele corredor da diretoria, pois, quantas vezes tive de contá-los. Se você fosse mandado para fora de aula, tinha de se esconder, senão!!! Algum irmão te pegava e levava para diretoria. Ficar de costa para parede... fiquei também, além de contar aqueles azulejos verdes. Mas nada disso faria eu ter raiva ou não gostar da escola ou dos irmãos.

Tinha respeito e admiração por todos, eles talvez que não gostassem tanto (e com razão). Hoje reconheço o quanto foi importante essa disciplina na minha vida.

O Salão Nobre do Colégio era “o salão”, tão grande que era “o máximo” quando tínhamos uma apresentação nele, seja no palco ou na plateia. Todo bem montado, com coxia, diversos cenários pré-concebidos, mobílias adequadas aos cenários, um cuidado profissional, uma aula de teatro e cultura. Durante muitos anos, desde inauguração do Salão, Vila Velha utilizou o Salão do Colégio para eventos importantes no município.

Os livros que estudávamos eram normalmente da editora “FTD” Marista, muitas vezes podíamos herdar os livros usados, isso era bom e econômico. A Prof.ª Barbara trouxe o inovador livro da BSCS (Biological Sciences Curriculum Study) para o estudo de Biologia (série azul e verde), um dos primeiros a trazer para escola a teoria de Lamarck e Darwin, era um lançamento mundial nos estudos da Biologia. Os laboratórios de Química e Biologia eram fantásticos, tanto que me incentivaram a gostar muito dessas materiais. Minha primeira opção de carreira foi ser Engenheiro Químico. Eu tinha um laboratório em casa e fazia experiências com sapos, ratos, gatos, insetos, passarinhos, era uma mistura de química e biologia. Alguns outros alunos também seriam influenciados e seguiram essa prática em suas casas deixando seus pais muito preocupados... substâncias químicas, vidraria, bico de Bunsen, algumas explosões... No laboratório de biologia passávamos horas, nos microscópios vendo lâminas pré-montadas de células vegetais, tecidos humanos e muitas outras curiosidades. Fazíamos isso sempre em horários fora do horário de aula. E os irmãos deixavam.

De repente! muitas obras e modificações eram realizadas na escola, alguns banheiros foram fechados para reforma. Havia uma novidade no ar.

E aí entraram as meninas no ginásio. Um alvoroço... Como seria? Muito bom. Porque antes, agente saída do colégio e ia ver as meninas saírem do Colégio das Irmãs, ou elas vinham nos ver sair. Agora não, elas estavam aqui... Maravilha (é mais... a minha continuou lá...).

Eu poderia ficar horas mais aqui contando muitas outras coisas de minhas lembranças no Marista... mas acho que lembrei de algumas coisas importantes de minha época e para dar uma ideia de como era no eu tempo.

Para finalizar, gostaria de lembrar de alguns Diretores que atuaram durante minha passagem pela escola: Ir Gentil, Ir Garrido (Garridão), Ir Kleber (Klebinho), e mesmo com o risco de eu esquecer de alguém, gostaria de citar alguns professores ainda não citados: Ir. Siqueira, Ir. Baberé, Ir. Esteban, Ir. Braz, Ir. Anselmo, Ir Leopoldo, Prof.ª Maria Rita Chequer, Prof. Aldifax; Prof.ª Regina (mãe do prof. Aldifax), Prof. Shubert, Geraldo de Freitas, Prof. Orlando e Ademar Caliman, Artelirio Bolsanelo, Lauro Venturine, Carlinhos, Wanderly Carmo, João Padovani, Nilo Schmitd e Sarmento Carabina, Julio e Afonso Lisboa, Gilvan Grilo.

Agradeço de coração a meus pais por terem me dado a oportunidade de ter estudado nessa instituição e antes disso de conviver com pessoas: irmãos Maristas, professores e colegas que me ajudaram a ser quem sou hoje.

E agradeço a Deus por ter iluminado Marcelino Champagnat para a formação dessa grandiosa instituição.

 

Autor: Luiz Paulo Rangel - Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Vila Velha - Casa da Memória, em discurso pronunciado em Sessão Solene na Câmara de Vereadores de Vila Velha pelos "60 ANOS DE FUNDAÇÃO DO COLÉGIO MARISTA" 

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