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Relembrando João Bonino Moreira - Por Getúlio Marcos Pereira Neves

Capa da Livro - Textos de História Militar do Espírito Santo

No Instituto Histórico e Geográfico ou no Sabalogos, onde regularmente o encontrava, João Bonino Moreira anunciava aos quatro ventos que só lia romances de autores de mais de quarenta anos de idade. E justificava-se invocando Anatole France, artífice original da ideia, provavelmente por conta do ceticismo que marcava o estilo do Nobel francês.

Uma vez perguntei, em meio aos chistes, se João tinha preconceito para com autores mais jovens. Respondeu que não se tratava disso. Que romance era coisa séria e só com alguma vivência, com alguma experiência de vida, o escritor deveria sentir-se pronto a desafiar-se em tal seara. Embora faça todo o sentido não podemos ser tão rigorosos, penso eu. Há exemplos ao contrário (embora raros, no meu entender, talvez em exceção à “regra” ditada por Anatole France).

De minha parte, o Memória Repartida, o meu primeiro, foi concluído aos quarenta e nove anos. Por via das dúvidas. Ainda que, lançado em 2014, nosso querido João Bonino não pudesse tomar conhecimento dele. Suas críticas, seus comentários, seriam bem-vindos e talvez me pudessem auxiliar no calibrar o rumo da minha escrita – ele mesmo escritor, autor de contos publicados pelo IHGES em dois pequenos volumes da Coleção Almeida Cousin (A rainha que piava e outros contos e O Necrologista e outros escritos), onde demonstra a ironia com que enxergava o mundo e as relações humanas. Foi autor, também, de uma pequena novela em dois capítulos, que ficou “inacabada”: O presidente nu, onde pretendeu explorar ficcionalmente o “consulado” do presidente Delfim Moreira. Todos esses títulos vieram a público na onda de publicações do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo naqueles anos, fruto do empenho do Acadêmico Miguel Depes Tallon, então presidente.

Fato é que mestre João Bonino (Bonino era mestre na arte de bem viver), que era leitor de Anatole France, fazia-se intencionalmente irônico e provocador. Seus escritos o refletem. Foi ele, outrossim, um dos confrades que tão bem me receberam quando da minha primeira intervenção no Instituto Histórico e Geográfico, no ano 2000: juntamente com Renato Pacheco e Luiz Guilherme Santos Neves, postados estavam os três, na primeira fila, na minha primeira palestra na casa, sobre os aspectos da música portuguesa na época dos descobrimentos.

Atento aos seus interesses, que em vária medida coincidiam com os meus, no início da minha gestão criamos no IHGES uma série editorial com o seu nome, a “Coleção João Bonino Moreira”. No primeiro volume da série, que por acaso foi o meu História militar e apontamentos para uma história militar do Espírito Santo (2005), a ele dedicado, grafei na introdução: João Bonino Moreira era uma figura humana extraordinária. E também uma figura extraordinária, mas humana, acima de tudo. Gostava de ocultar por trás da capa de enfarruscamento do guardião do dinheiro do IHGES e de uma rispidez calculada uma sutil ironia cordial, um grande senso de humor e, acima de tudo, uma enorme generosidade para com quem gostava – e não conheço, dos de seu convívio, qualquer um de que não gostasse. Gostava de dizer-lhe que sua amizade era para mim uma herança do meu pai – ambos foram colegas de trabalho no Banco do Brasil. Nessas ocasiões ele ria, enigmático, e nunca pude saber o que pensava a respeito. Penso que considerava essa afirmação uma meia- verdade, pela questão que fazia de dar-me atenção e prosear comigo sobre de tudo um pouco. Seus interesses eram de um intelectual inquieto e curioso: ouvia Beethoven, lia literatura de primeira e se aprofundava no estudo da História Militar, um de seus muitos interesses. Era versado em temas referentes à Segunda Guerra Mundial, mas detinha um conhecimento sólido acerca de temas genéricos e específicos nesse campo [...]

A coleção a que empresta o nome publica estudos sobre História Militar, História Diplomática e Relações Internacionais, assuntos que dominava e que tive oportunidade de abordar com ele em algumas ocasiões. Sua bagagem cultural ficava patente quando das nossas prosas, eu querendo extrair mais informação e mais conhecimento. A menção que acima fiz a meu pai é fato. Apreciava muito o confrade, seu colega de Banco do Brasil, de quem contava casos engraçados, relembrando tiradas de fina ironia de parte de João. Porque João Bonino era um contador de casos, um proseador, um homem que cultivava a arte de conversar. O que não é tão corrente hoje em dia, em que essa arte agradabilíssima de cultivar convívios em vária medida infelizmente se perdeu.

 

Fonte: Revista da Academia Espírito-santense de Letras / Comemorativo ao 98° Aniversário da AEL
Autor: Getúlio Marcos Pereira Neves
Cadeira n.33 da Academia Espírito-santense de Letras
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2022

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Francisco Aurélio Ribeiro

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Francisco Aurelio Ribeiro é capixaba de Ibitirama, pequena cidade na serra do Caparaó, onde nasceu em agosto de 1955

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