Rua Dionísio Rezendo (ex-rua das Flores) – Por Elmo Elton
Até início da década de 30, quem descesse a ladeira da Matriz, hoje Rua Cerqueira Lima, cruzaria por artéria das mais interessantes e típicas da cidade, já então designada Rua Dionísio Rezendo, embora os moradores mais velhos de Vitória insistissem em só chamá-la pelo nome primitivo, ou seja, rua das Flores. Lastimável que a troca de nomes de ruas antigas se faça, tanto aqui como em outras cidades brasileiras, sem menor respeito à tradição, assim é que denominações sugestivas, mesmo poéticas, são substituídas por nomes de pessoas ou datas, — pessoas e datas, em muitos casos, nem tanto merecedoras de tal deferência. Dionísio Álvaro Rezendo, justo se diga, teve vida de destaque no Espírito Santo, de 1829 até fins de 1870, aqui ocupando cargos de relevância, quer administrativos, quer políticos.
— Mas por que Rua das Flores?
O físico-mor João Antônio Pientznauer, cirurgião da Força de Linha da Província, tinha residência em caminho paralelo ao da Matriz (depois Rua Domingos Martins), isso por volta de 1822. Tal personagem, inteligente e voluntarioso, era pai de três filhas: — Gertrudes, Ana e Joaquina, tidas então como as moças mais bonitas de Vitória. "Eram as Flores da ilha", assim as qualificava o povo, daí que o caminho onde moravam passou a ser conhecido como Rua das Flores, visto que as ruas da cidade, por essa época, não tinham placas, o próprio povo se incumbindo da nomenclatura urbana.
Sabe-se que, logo após a proclamação da independência do Brasil, o físico-mor, por questões políticas, transferiu residência para Campos, onde tinha parentes, falecendo em 1827, sendo que, ali, uma de suas filhas, dada sua formosura, recebeu o apelido de Estrela do Norte, a mesma que "arrastava o povo para vê-la, quando ia à missa, no Carmo, em Vitória".
Registre-se, ainda, que, nessa rua, residiu, no início do século XIX, a família de Domingos José Martins, herói capixaba na Revolução Pernambucana de 1817, tendo, no sobrado n° 5, funcionado escola fundada e dirigida pelo professor Amâncio Pereira, nela matriculado bom número de alunos. Esta escola, "quando da reforma do Ensino, em 1908, por ocasião da entrega da Inspetoria do Ensino a Carlos Gomes Cardim, pelo governador Jerônimo Monteiro, foi das que logo se atualizaram, tanto na Metodologia como na Pedagogia", transferindo-se, pouco depois, para a vizinha Rua Domingos Martins, onde encerrou suas atividades, em 1917, isto é, pouco antes do falecimento de seu proprietário, ocorrido a 13 de agosto de 1918.
Na mesma rua viveu, também, no século passado, a pitonisa Vitória-Bibi, que preparava um tal arroz doce, a que chamavam arroz do Sacramento, vendido, às quintas-feiras, com virtudes contra qualquer tipo de feitiço, inclusive mau olhado, sendo que, fronteira à sua casa, residia uma rival, apelidada Chica do Diabo, que na crença de muitos, se transformava em pata, nas sextas-feiras, à meia noite.
A cidade, até o começo deste século, contava com várias patas. Segundo a lenda, se um casal tivesse sete filhas e nenhum varão, uma dessas filhas, fatalmente, em idade adulta, se transformaria em pata, isto é, bruxa, feiticeira. Era pata, igualmente, toda aquela que, sétimo rebento de uma prole, não fora batizada pelo irmão primogênito.
Das muitas patas temidas pela população de Vitória, teria sido Maria Guaibira, também conhecida por Maria Bacurin, a mais famosa, a que inspirava maior temor, tanto que os pescadores do cais Pedreiras, então existente no final da Capixaba, afirmavam, crédulos, que, caso vissem, chegada a noitinha, enorme pata branca, com cara de mulher, sobrevoando as proximidades do Penedo, essa seria, sem sombra de dúvida, a própria Maria Bacurin. Toda pescaria, nessa noite, não alcançaria êxito algum, daí cada qual se recolhendo mais cedo, para concertos de redes e outros preparos, no interior de suas casinholas, iluminadas a querosene. Essa pata, sinistra, agourenta, faleceu em Vitória, antes de 1920.
Ainda nessa artéria, residiu, da infância à adolescência, tendo sido aluno do Ateneu Provincial, aquele que se tornaria, mais tarde, figura exponencial da Medicina: — o Dr. Eduardo Chapot Presvot. Esse médico realizou, a 30 de maio de 1900, a operação de duas meninas xifópagas, Rosalina e Maria. As xifópagas, filhas do casal João Davel—Rosalina Pinheiro Davel, nasceram em Baixo Guandu (ES), em 1893. Foram levadas de Vitória para o Rio de Janeiro, pelo Dr. José Gomes Pinheiro, ficando ali internadas durante seis meses, na Casa de Saúde São Sebastião, para rigoroso tratamento pré-operatório, sendo as radiografias tiradas pelo Dr. Álvaro Alvim. Maria, a mais franzina, faleceu oito dias após a cirurgia. Rosalina, que sobreviveu, adotada como filha do médico operador, estudou, gratuitamente, no Colégio Imaculada Conceição, naquela cidade, teve vida normal, casou-se, falecendo, já idosa, no Rio, sendo que, logo após a operação, foi levada, a 18 de julho do mesmo ano, pelo Dr. Chapot Presvot e sua esposa, Da. Laura, filha do cientista Caminhoá, à Europa.
O Dr. Chapot relatou, em Paris, durante o Congresso Universal de Medicina e Cirurgia, a operação que fizera nas xifópagas, recebendo aplausos não só dos congressistas como de toda a imprensa européia.
Esse médico, hoje nome de Rua em Vitória, era natural de Carmo do Cantagalo (RJ). Foi professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Seus pais, o cirurgião-dentista E. Chapot Presvot e a senhora Louise Chapot Presvot, professora de francês em educandários desta cidade, gozavam a estima e o respeito da população de Vitória, onde residiram por mais de trinta anos.
Fonte: Logradouros antigos de Vitória, 1999 – EDUFES, Secretaria Municipal de Cultura
Autor: Elmo Elton
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2017
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