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Sesmaria - Desuso e uso da ocupação primária (1822 a 1850)

Capa do Livro de Abertura das Sesmarias da Freguesia da Vila do Espírito Santo, 1855

Extinto o regime das Sesmarias, pela Resolução de 17 de julho de 1822, a ocupação primária começou a dominar livremente.

A Sesmaria constituía o latifúndio. Este, que tinha a proteção da Metrópole, não era acessível ao pequeno lavrador, pelo motivo de não dispor de recursos.

Em vista de a ocupação ter sido adotada em lugar das concessões feitas pelo Poder Público comumente aos senhores de engenho e de fazendas, o colono humilde, no período compreendido entre 1822 e 1850, começou a espalhar-se por todo o País, entrando na posse das terras de ninguém.

Neste período, os mencionados senhores, não mais podendo manter seus latifúndios protegidos pela Metrópole, começaram a desistir da aquisição de imensas áreas de terras. Como, porém, o espírito latifundiário imperasse na época, os ocupantes, quase sempre lavradores destituídos de recursos, os quais inicialmente se conformavam com a obtenção de pequenas áreas de terras, deixaram-se, também, dominar pela insaciável vontade de apoderar-se de amplas extensões de terras.

Infere-se, pelo esclarecido, que a ocupação primária tornou-se, ao lado das Sesmarias, o início da apropriação jurídica do solo.

 

2 – Conceito de ocupação primária

 

A ocupação, erroneamente denominada posse, fazia-se, vendia-se, permutava-se e herdava-se. Transformava-se mesmo em domínio. Era, afinal, objeto das mais variadas transações.

O sertão, no período compreendido entre 1822 a 1850, figurava, em quase sua totalidade, como terra sem dono.

Cada interessado na aquisição de áreas de terras dominava a parte que podia. Fazia, para tal fim, insignificantes roçados, às margens dos cursos d’água; construía ranchos; providenciava outras provas de sua passagem nos terrenos, entre as quais marcas em árvores neles existentes.

O ocupante, ao tomar tais providências, tinha por finalidade provar, oportunamente, que todos os terrenos declives para esse curso d’água eram de sua posse e que, por isso, já havia começado seu domínio sobre os mesmos.

 

3 – Proibição de ocupação das terras que não estivessem na posse de ninguém (A partir de 18 de setembro de 1850)

 

Até 1850, ano em que foi promulgada a reforma conhecida pelo nome de Registro do Vigário, a ocupação, também então intitulada posse, foi admitida como meio próprio de aquisição de terras pertencentes ao País. Depois dessa reforma, que determinou a organização da estatística das terras apossadas, foi proibida a ocupação daquelas que não estivessem na posse de ninguém.

A Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, estabeleceu, em seu artigo 1º, “verbis”:

 

“Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. Excetuam-se as terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em uma zona de dez léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente.”

 

A Lei em referência dispunha a respeito das terras devolutas do império; tratava das que eram possuídas por títulos de sesmaria, sem o cumprimento das determinações legais; referia-se às possuídas apenas por simples título de posse mansa e pacífica; e, finalmente, ocupava-se de medidas adequadas à melhor distribuição das terras pertencentes à Nação.

 

4 – Terras não ocupadas até 1850 (Lei 601, de 18.09.1850, art. 3º)

 

As terras que não haviam sido ocupadas até a data em que entrou em vigor a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, passaram a ser consideradas devolutas, como esclarece o seu artigo 3º, textualmente transcrito, a seguir:

 

“São terras devolutas:

  • 1º - As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial ou municipal.
  • 2º - As que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do governo geral ou provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.
  • 3º - As que não se acharem dadas por sesmarias ou outras concessões do governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas por esta Lei.
  • 4º - As que não se acharem ocupadas por posse que, apesar de não se fundarem em título legal, forem legitimadas por esta Lei.”

 

Observa-se em face do exposto que, uma vez que passaram a ser consideradas terras devolutas, a partir da vigência da Lei 601, só podiam ser adquiridas por particulares, por compra, em transação feita com a Nação, a quem passaram a pertencer todas as terras que não estavam incluídas na discriminação feita pelo artigo 3º, da Lei citada.

 

5 – Terras ocupadas até 1850 (Lei 601, de 18.09.1850, art. 4º)

 

As terras ocupadas até 1850 não foram consideradas como pertencentes à Nação.

Pelo contrário, o Império reconheceu a situação existente, não só a respeito das áreas de terras assenhoreadas por ocupação primária, como também em relação aos terrenos obtidos por qualquer título hábil, segundo o direito para transferir o domínio.

O que então visava o Estado era conhecer quais as terras que não tinham proprietários nem ocupantes, a fim de considerá-las como pertencentes ao seu patrimônio, o que conseguiu, por meio de exclusão, ao declarar, no artigo 3º da Lei referida, quais as terras consideradas devolutas.

A Lei 601, em seu artigo 4º, tratou da maneira de ser feita a revalidação das sesmarias e doutras concessões do governo geral ou provincial, e estabeleceu as formalidades para a legitimação das posses mansas e pacíficas, quer adquiridas por ocupação primária, quer obtidas do primeiro ocupante.

 

6 – Definição de terras devolutas

 

Terras devolutas são aquelas que voltaram ao domínio da Nação, em vista da caducidade das concessões feitas, quer estivessem vagas, quer se encontrassem ocupadas.

Essa definição encontra apoio na acepção dada por Morais, no ‘Dicionário da Língua Portuguesa’, edição de 1813, ao termo devoluto:

 

“Que passa ao senhor superior donde procedeu”. (MORAIS. Apud M. P. Siqueira. ‘As terras devolutas entre os bens patrimoniais’)

 

O artigo 3º da Lei 601, em referência, reproduzido no nº 4 deste Capítulo, mostra a procedência da definição dada às Terras Devolutas, até entrarem em vigor as leis estaduais.

 

7 – Revalidação das Sesmarias ou de outras concessões

 

O artigo 4º da Lei 601, de 18.09.1850, esclareceu quais as sesmarias e concessões que estavam em condições de ser revalidadas.

Estabeleceu o mencionado artigo:

 

“Serão revalidadas as sesmarias ou outras concessões do governo geral ou provincial, que se acharem cultivadas, ou com princípios de cultura e morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionário, ou de quem os represente, embora não tenha sido cumprida qualquer das outras condições com que foram concedidas.”

 

O Decreto nº 1318, de 30 de janeiro de 1854, que mandava executar a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, em seu artigo 22, estatuiu que:

 

“Todo o possuidor de terras que tiver título legítimo de aquisição de seu domínio, quer as terras que fizerem parte dele tenham sido originariamente adquiridas por posses de seus antecessores, quer por concessões de sesmarias não medidas ou não confirmadas, nem cultivadas, se acha garantido em seu domínio, qualquer que for a sua extensão, por virtude do disposto no § 2º do artigo 3º da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que exclui do domínio público, e considera como não devolutas todas as terras que se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo.”

 

O citado Decreto, em seu artigo 23, prescreveu assim:

 

“Estes possuidores, bem como os que tiveram terras havidas por sesmarias e outras concessões do governo geral ou provincial não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura, não tem precisão de revalidação, nem de legitimação, nem de novos títulos para poderem gozar, hipotecar ou alienar os terrenos que se acham no seu domínio.”

 

Infere-se, pelo que se acha estabelecido no art. 22 do Decreto 1318, de 30.01.1854, que as sesmarias e outras concessões, obtidas na forma do art. 4º da Lei 601, achavam-se garantidas em seu domínio, qualquer que fosse sua extensão, “ex vi” do preceituado no art. 3º da Lei 601, porque o citado dispositivo legal excluiu do domínio público todas as terras que estivessem no domínio particular, por qualquer título legítimo.

Urge, entretanto, evidenciar que pela razão de as terras acima mencionadas não poderem ser consideradas devolutas (art. 3º da Lei 601), nem por isso ficarem os seus possuidores ou os que as obtiveram por sesmarias ou por outras concessões, isentos da obrigação de revalidá-las, uma vez que estivessem incursas em comisso, por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.

Como é sabido, todas as sesmarias no Brasil, por exemplo, foram concedidas sob três condições, a saber: medição, confirmação e cultura.

Em vista do exposto, claro fica que a revalidação só procederia se as sesmarias ou outras concessões do governo geral ou provincial, ao tempo da execução da Lei 601 (Dec. 1318), tivessem:

a) sido medidas;

b) sido confirmadas;

c) princípios de cultura.

 

Como, naquela época, as medições eram difíceis, e interessava ao País promover e animar bastante a cultura das terras, a condição de medição, na maioria dos casos, não foi cumprida, o que impossibilitou as sesmarias e as outras concessões de serem objeto de revalidação.

 

8 – Legitimação de posses

 

O artigo 5º da Lei 601 menciona as posses que poderiam ser legitimadas:

 

“Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primária ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com princípios de cultura, e morada habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras constantes dos §§ do citado artigo.”

 

9 – Regulamentação da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850

 

Foi o Decreto nº 1318, de 30.01.1854, que regulamentou a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850. Depois da publicação do aludido decreto, surgiu uma quantidade enorme de avisos interpretativos, com disposições administrativas e fiscais. Apareceram também normas para medição das terras públicas, sobre revalidação e legitimação das terras, bem como a respeito do modo prático de estremar o domínio público do particular.

 

10 – Posses não respeitadas

 

O Decreto nº 1318, de 30.01.1854, em seu artigo 20, determinava que:

 

“As posses estabelecidas depois da publicação do presente regulamento (Decreto nº 1318), não devem ser respeitadas. Quando os Inspetores e Agrimensores encontrarem semelhantes posses, o participarão aos Juízes Municipais, para providenciarem, na conformidade do art. 2º da Lei supracitada.”

 

11 – Passagem das terras devolutas para o domínio pleno das Províncias e destas para os Estados, com a Proclamação da República

 

Desde o tempo do Império, havia uma propensão para entregar às Províncias as terras devolutas, o que se observa pelas Leis nº 514, de 28 de outubro de 1848 e nº 3397, de 24 de novembro de 1888.

 

“Pelas leis gerais, nº 2672, de 1875 e nº 3348, de 1887, essas terras passaram em domínio pleno para as Províncias e destas para os Estados, com a Proclamação da República, sendo a matéria regulada pela Constituição Federal de 1891.” 

 

Fonte: Sesmarias, 1988
Autor: Vicente da Silva Loureiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2013



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