Xilohermógenes
Quando Maciel me convidou para participar deste livro, contando um pouco, para quem não o conheceu, do Hermógenes, sabia que não se tratar de tarefas simples, mas mesmo assim aceitei o desafio. Durante muito tempo, pensei em como começar, se contando como o conheci, ou se descrevendo os encontros e conversas no Pixingolê. Finalmente, optei por um caminho que talvezcompreenda estas experiências e acrescente ainda outras, por exemplo, apresentar o que nós realizamos juntos, eu e Hermógenes. Escolhi, então, algumas xilogravuras, realizadas entre 1979 e 1986, que têm como tema o Ticumbi e o Reis-de-Boi.
Talvez alguns de vocês se surpreendam por desconhecerem esta faceta do Hermógenes, um gravador, mas não se trata disso. Quando eu falo em realização conjunta, me refiro à parceria, cumplicidade. Se alguém pensou que eu realizava as xilogravuras sozinha, esteve enganado. Eu não poderia fazê-lo sem a intimidade que Hermógenes me proporcionou junto ao mundo mágico em que ele vivia em Conceição da Barra.
Desde a primeira vez em que fui apresentada a este mundo povoado de bichos, pastoras, danças e cantigas, não posso falar em processo de processo de criação pessoal, individual. Não poderia ignorar a marca de conhecimento daquelas pessoas enquanto produtoras de ar, alias, a mais legítima arte popular, e , muito menos negar toda a força expressiva contida naquelas manifestações. Este era o mundo de Hermógenes, e eu não o conheci sozinha. O que sempre me impressionou, como habitante deste mundo de cá, foi à opção que Hermógenes fez para sua vida. Isto não é para qualquer um ou seja, perceber a existência de um mundo mágico e, em vez de simplesmente contemplá-lo, mergulhar fundo nele, abandonando o conforto de sua vida cotidiana. Como contempladora, eu ficava na beira do rio que cora o Pixingolê, cavucando a madeira e procurando retirar dela um pedaço daquele mundo fantástico, e ao meu lado sempre havia o olhar atento de Hermógenes, não de observador, mas de parceiro, co-autor.
Juntos, realizamos muitas xilos, mas havia uma que particularmente ele gostava e sobre ela escreveu: “O mais bonito, porém, é o São Benedito lá em cima, nas nuvens, aparecendo depois aguaceiro na entrada da procissão de promessa para chover. É um São Benedito poderoso com seu sorriso de satisfação, olhando para os seus devotos cá embaixo, recebendo água das nuvens, ajoelhados e lambendo os beiços da água caída do céu, da água mandada por São Benedito”.
Não sei se consegui captar, com as xilos, um pouco do sentimento daquele povo pelo seu santo, só posso dizer que me tornei uma devota de São Benedito. Foram muitos os anos de acompanhamento do santo durante os festejos do Ticumbi. Mas a devoção acredito que foi quando fomos de canoa lá nas Barreiras, e o vi dentro de uma caixinha de madeira, carregada pelas beatas do lugar para ir ao encontro de outra imagem de São Benedito, que ficava em Conceição da Barra.
Olhando as xilos, talvez vocês consigam perceber um pouco do imaginário popular, talvez também compreendam a opção de Hermógenes e, quem sabe, busquem o caminho deste mundo mágico que deu substância à vida dele. E hoje tenho o privilégio de, perante testemunhas, devolver a ele o título que, em 1982, na apresentação de uma exposição na Funarte, no Rio de Janeiro, ele me deu. Não se trata de Xilomoema, como ele disse então. Trata-se, na verdade, de Xilohermógenes.
Fonte: Era uma Vez... Hermógenes Lima Fonseca Um Anjo bom que passou por aqui, 1997
Autor: Moema Rebouças
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2014
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