A Madrugada Chuvosa – Por Areobaldo Lellis Horta

Cerca de oito horas da noite, em fins de novembro de 1892, chega a nossa casa Manuel da Rocha Pimentel, empregado da firma J. Zinzen & Cia., trazendo o boato. Pimentel era um velho amigo da família, tanto que foi padrinho de uma das minhas irmãs e, anos depois de casado, me tomou para padrinho do seu filho mais moço, o atual prefeito de Benevente. Porém, qual era o boato? E ele nos disse:
Desde a tardinha falava-se, à boca pequena, haver o comandante do 3° Batalhão de Infantaria, Coronel Gouveia, recebido ordem para depor o presidente do Estado e ocupar o Palácio. Os velhos ficaram admirados e, até certo ponto, satisfeitos. Por que satisfeitos? Porque meu pai havia sido, pelo referido presidente, demitido do cargo que alcançara em concurso, ao tempo da Monarquia. E o Pimentel adiantou ter já o comandante do 3° BI cientificado o presidente da ordem que recebera, a qual iria executar até a manhã seguinte. O velho saiu com o amigo, indo à residência de Cleto Nunes, no Portão dos Padres, voltando com a confirmação da notícia e, mais, que o Palácio seria ocupado pela madrugada, fosse como fosse.
Em 1892, a política estava, no Estado, constituída de dois partidos: O CONSTRUTOR, chefiado por Muniz Freire, ao qual pertenciam Afonso Cláudio, Cleto Nunes, Graciano Neves, Augusto Calmon, Gil Goulart, Henrique Coutinho e outros. E o UNIONISTA.
O golpe de 1889, do qual resultara a proclamação da República, colocara na chefia da Nação o marechal Deodoro da Fonseca, o qual nomeou presidente interino do Estado Afonso Cláudio, entre nós o mais destemido propagandista das novas instituições. Em torno de Afonso Cláudio se colocaram os convencidos e os adesistas e, à medida que as eleições se aproximavam, as coisas se complicavam, dando lugar à formação dos dois partidos acima referidos, sendo os principais chefes do Unionista, o barão de Monjardim e Antonio Aguirre, também dois ardorosos propagandistas da República.
Já em pleno funcionamento a Constituinte Federal, Deodoro, ante a campanha que em oposição ao seu governo vinha se desenvolvendo no Parlamento, deu o golpe de Estado, dissolvendo-o. Por todo o país, os governos estaduais aderiram ao golpe, com exceção de Lauro Sodré, oficial do Exército e governador do Pará, que não o aceitou. Permaneceram as coisas neste pé, até que, a 23 de novembro de 1892, deu-se a chamada revolta de treze generais que forçaram Deodoro a renunciar à Presidência da República, assumindo-a, Floriano Peixoto, vice-presidente.
Na chefia da Nação, o primeiro cuidado de Floriano foi mandar depor todos os presidentes interinos que ficaram solidários com o golpe de Estado de Deodoro.
Ignoro se Afonso Cláudio foi solidário com a dissolução do Parlamento. O que faz acreditar não o fosse, é o fato de ter sido ele logo demitido das altas funções de presidente interino do Estado, sendo substituído por Antonio Aguirre, passando assim a dominar a situação o partido Unionista, já sob a chefia do barão de Monjardim. Injunções partidárias determinaram, então, uma pequena derrocada no funcionalismo estadual, sendo demitidos os servidores públicos pertencentes ao partido Construtor, entre eles, o meu velho pai.
Assumindo a presidência da República, Floriano teve as vistas voltadas para as administrações regionais adesistas do golpe de Estado, determinando a deposição dos presidentes interinos.
Foi assim, na tarde daquele dia de novembro, que o comandante do 3° Batalhão de Infantaria, de muito aquartelado no edifício anexo ao Carmo Grande, recebeu aquela ordem, a ser cumprida na madrugada seguinte. Estava para os demitidos a deposição de Antonio Aguirre e, destarte, meu pai, antes de clarear o dia, pôs-se na rua, para tomar parte na jornada. Chovia a cântaros, e sob os fortes aguaceiros, a tropa seguiu, com grande acompanhamento, de civis, rumo ao Palácio, fazendo alto na Praça João Clímaco, em frente à entrada do mesmo.
Não havia pessoa alguma no interior do Palácio, para entregar o governo ao coronel Gouveia, sob cuja presidência, então, foi organizada a Junta Governativa.
Depois, começou a circular a notícia de haver o presidente deposto se retirado, na hora undécima, pelos fundos do Palácio, acompanhado apenas de dedicado amigo — Antônio Wanzeller, mais conhecido por Antônio do Padre, homem que jamais abdicou de suas convicções monárquicas, conservando sempre na entrada da própria residência, pintada a óleo, a coroa imperial, símbolo do regime de sua predileção.
A Junta Governativa reconduziu aos respectivos cargos todos os funcionários demitidos por mero espírito partidário, elegendo-se sob os seus auspícios o primeiro presidente do Espírito Santo: Muniz Freire.
Foi essa deposição, que passou à história com o nome de MADRUGADA CHUVOSA!...E quem, desde aquele celebre dia, batia ufano no peito, para afirmar ter ajudado a depor o Governo entre nós instituído pelo golpe de Estado, dizia: "tomei parte na madrugada chuvosa".
Fonte: A Vitória do meu tempo – Academia Espírito-Santense de Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 2007 – Vitória/ES
Autor: Areobaldo Lellis Horta
Organização e revisão: Francisco Aurelio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2020
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