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A Batalha do Cricaré - Por Levy Rocha

Mem de Sá, em óleo de Manuel Victor Filho

Dentre os graves problemas com que se defrontou o Governador Geral do Brasil, ao assumir o cargo, na Bahia, um foi o pedido de socorro emitido da Capitania do Espírito Santo, em eminente perigo de voltar à posse dos seus legítimos donos.

Os cinco engenhos de água e dois movidos a cavalos, fatores de prosperidade da Capitania que já exportava açúcar, davam trabalho a muitos escravos negros e índios. Mas os colonos portugueses não desejavam viver além da cerca de taipa, levantada como proteção da Vila da Vitória por maior temor às incursões dos piratas franceses. Preferiam o entretenimento do jogo de cartas e dados, a bebida e a expansão de outros maus costumes, como o de tomar as mulheres dos índios. E ao insistirem na prática de os subjugar ao cativeiro, provocaram grande sublevação.

Vasco Fernandes Coutinho, no apelo ao Governador Geral, dizia que o gentio alevantado "lhe fazia crua guerra e lhe tinha mortos muitos homens e feridos". Estava encurralado na ilha, onde não lhe davam trégua dia e noite, e se apavorava com o perigo de ser moqueado, se não recebesse socorro com muita pressa.

Mem de Sá, por não poder ir em pessoa, mandou seu próprio filho, numa expedição guerreira, com seis velas e perto de duzentos homens. Capitaneava, assim, a armada punitiva, o jovem Fernão de Sá, na galé São Simão. Seguia-o seu primo, Balthazar de Sá, no comando da galé Conceição. Noutros caravelões se destacavam, ainda, os comandantes: Diogo de Amorim Soares, Diogo Alvares e Gaspar Barbosa.

A armada levava um padre para os atos religiosos e, entre os soldados que a compunham, a história registrou mais os nomes de dois filhos de Caramuru: Manoel Alvares e Diogo Alvares; do alferes Joanne Monge e de Bernardo Pimentel.

Partiram da cidade de Salvador, entre janeiro o maio de 1558, bem provisionados com barris de pólvora de bombardo e pelouros, ou balas de ferro, destinados às peças de calibre 3, conhecidas por "falcões".

Estavam, ainda, bem aprovisionados com algumas arrobas de pólvora para os arcabuzes e boa quantidade de armas brancas; espadas de dois gumes, lanças e piques.

O comandante, na Vila de Porto Seguro, onde recebeu reforços, foi informado de que o gentílico Tamoio se concentrava com a sua maior força na margem do rio Cricaré (nome que significa: "o dorminhoco") bem protegido por três fortalezas, chamadas marerique. Para lá navegou, subindo o rio até atingir as paliçadas da primeira fortaleza.

A batalha que então se travou, é detalhada num poema heróico de Anchieta. Ele descreveu as vastas fortificações dos selvagens de cuja segurança jamais poderíamos fazer idéia pelas gravuras dos livros de Hans Staden, Lèry, De Bry ou Thevet.

Cada um dos fortes era rodeado por seis voltas de madeiros descomunais, em paliçadas, ligados a outros transversais, formando um muro soberbo, ladeado por duas torres.

No dia 22 de maio de 1558, a luta começou no próprio curso do rio, onde numerosas igaras tentaram, sem êxito, deter os caravelões. Aquartelando-se nos arraiais, o Tapuia obstrui as entradas com grandes troncos e excitado pelo som cavernoso das inúbias de cabeças, dos búzios re-curvos, e rabos de tatus grandes, em gritarias, procura conter o avanço do ataque maciço, flechando das seteiras os soldados que avançavam pelo terreno arenoso. A muralha dos grandes troncos é rompida a machado: os soldados se espraiam naquele reduto adversário e a golpes de machadinhas completam a destruição do interior.

Os índios se refugiam na segunda trincheira que os atacantes vencem e estraçalham, igualmente.

Fernão de Sá, protegido por uma couraça de malhas, um escudo ao braço esquerdo e manejando com o direito os arcabuzes arremessa-se audaciosamente sobre o terceiro forte, seguido de dez companheiros mais impetuosos. Não percebe que os outros se esgueiram do combate, sem o socorrer ao menos com a munição de duas panelas de pólvora que pedira; voltam às naus afastando os barcos das margens. "Ao ver-se abandonado entre os inimigos — relata Anchieta — com poucos companheiros, entendendo ser inútil lutar contra tantos, retira-se dos arraiais e pouco a pouco recua na direção do rio para entrar com seus bravos nas barcas que aí estariam presas". Os índios concentram sobre o bravo capitão uma chuva de flechas, atingem-no, por fim, mortalmente, bem como o seu alferes Joanne Monge, os dois filhos de Caramuru e mais quatro soldados. Uns, se salvam a nado "e os feridos em algumas jangadas, entre os quais foram os dois capitães Adorno e Morim" — relata outro historiador quinhentista.

Enquanto os corpos daqueles heróis são abandonados ao apetite canibal do Tapuia, a armada, agora sob o comando de Diogo de Amorim, navega a todo pano para a Vila da Vitória. Lá, os receberiam, consternados, o donatário, o padre Braz Lourenço e o irmão Antônio de Sá, que na nova ermida coberta de telhas do Colégio preparam as exéquias de Fernão de Sá e seus companheiros mortos.

Decorrido um mês, a expedição estava refeita das canseiras e as feridas das setas, tratadas com o azeite de copaíba e o bálsamo de cabriúva, eram cicatrizadas.

Balthazar de Sá assume o comando da armada, volta ao reduto indígena do Cricaré onde matando uns, aprisionando outros, extermina o furor do adversário.

Contam que Mem de Sá, ressentido com a morte do filho, não quis receber a expedição e diz Anchieta que o Governador "escondeu no nobre coração a imensa desgraça".

 

Fonte: De Vasco Coutinho aos Contemporâneos
Autor: Levy Rocha,1977
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2015

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