Finda o Governo do Primeiro Donatário - Por Mário Freire
Ao voltar de Portugal, onde estivera em 1540, Vasco Fernandes Coutinho já não encontrou muitos dos antigos companheiros. Entre os que se salvaram dos selvagens, alguns haviam buscado as férteis margens do Cricaré, o atual S. Mateus: essa região, durante algum tempo, atraiu também aventureiros e colonos, porque vagamente se dizia que uns exploradores, descendo o rio, haviam perdido a embarcação onde traziam amostras de ouro...
Pouco depois de empossado, o Governador Geral Mem de Sá recebeu, em 1558, uma carta de Coutinho, cercado pelos indígenas na vila da sua capitania. Mandou logo o próprio filho, Fernão de Sá, socorrê-lo, "com seis velas e perto de 200 homens" Este, porém — "em chegando à Capitania do Espírito Santo, entrou por conselho dos que consigo levava pelo rio Cricaré, e foi dar em três fortalezas muito fortes que se chamavam Marerique". Recuando, por último do assalto ao que o pai encareceu depois, considerando uma "fortaleza", morreu flechado na praia, abandonado dos companheiros, prestes recolhidos às embarcações...
Sem o saber, Mem de Sá, que, logo após a partida do filho, viera por sua vez a Ilhéus combater os tupiniquins, também "alevantados" nessa Capitania, impiedosamente o vingava.. Vingou-o igualmente Diogo de Moura, ainda em 1558.
Da vila de Ilhéus, Vasco Coutinho escreveu, nesse ano, confessando-se doente e aleijado! A terra estava despejada de inimigos, como jamais estivera. Queixava-se dos moradores, que provocavam desordens contra ele; assim como da Câmara, que lhe contestava direitos sobre o sertão... "Já mui velho e cercado de doenças" — insistia em voltar ao Reino, a fim de buscar quem viesse povoar-lhe a Capitania; ou de vendê-la, caso não obtivesse mais colonos...
Animados pelo apóio dos franceses da Guanabara, os tupinambás, como os guaianazes, goitacazes, aimorés e tamoios assaltaram, por vezes, o Espírito Santo, no começo do governo de Mem de Sá.
Percorrendo depois a costa, esse Governador Geral propôs ao Rei fundar, neste trecho do litoral, outra cidade fortificada como a do Salvador; e, diante do abandono em que encontrou esta Capitania, sugeriu que o Rei a tomasse a fim de distribuir, depois, as terras por armadores...
Para agravar-lhe a decadência uma epidemia em 1559 matou tanta gente, em Vitória, que o adro da igreja, onde, segundo antigo costume, os Jesuítas chegaram a sepultar dez cadáveres por dia, já não comportava mais...
Nóbrega lamentava continuar a iniqüidade dos cristãos, que aconselhavam os índios a furtarem companheiros, para vendê-los escravizados. E previa que essa prática, muito fácil no Espírito Santo, considerada por isso a melhor capitania, provocaria novos morticínios, como sucedera com Jorge de Menezes e outros, durante a viagem do Fundador a Portugal. Nas primeiras escaramuças já haviam morrido alguns dos mais zelosos colonos. Relatava mais: quando era de temer um assalto de franceses ou dos tupiniquins de Porto Seguro, estes não mais amigos, viera encontrar aqui os portugueses, divididos em parcialidades... Como jesuíta, escrevia satisfeito, em 1560: "Esta Capitania se tem por a melhor coisa do Brasil, depois do Rio de Janeiro; nela temos uma Casa onde se faz fruto, com cristãos e com escravos e com uma geração de índios, que ali está, e que se chamam do Gato, que ali mandou vir Vasco Fernandes, do Rio de Janeiro"...
Teria sido, talvez, um dos últimos serviços prestados pelo donatário à Capitania: eram os temiminós que, guiados por Maracaiaguassú e Ararigboia, voltariam, e ajudariam Mem de Sá a reconquistar o Rio de Janeiro aos franceses.
No Espírito Santo, refere Nóbrega, Mem de Sá vira apenas "hua pouca de gente em grande perigo de serem comidos dos índios e tomados dos franceses". Todos queriam deixar a Capitania, que parecia abandonada pelo donatário. Prometeu-lhes o Governador providenciar, quando voltasse do Rio. Efetivamente na volta, em agosto de 1560, à vista de uma procuração que o donatário, ausente, enviara ao Ouvidor, Mem de Sá aceitou-lhe a renúncia. De acordo com o povo, confiou o governo a Belchior de Azevedo, como Capitão, com os poderes e a jurisdição que o donatário exercera: firmou esse ato na "vila de N. S. da Vitória".
O novo Capitão, proprietário de largas culturas, fora, Provedor da Real Fazenda.
Coutinho ainda conseguiu rever a Capitania, onde poucos meses sobreviveu à renuncia. Em outubro de 1561 o mesmo Governador Geral já lhe regulava a sucessão definitiva, mandando que, reunidas em Câmara, os moradores elegessem ainda Belchior de Azeredo para servir de Capitão-mor; e que este só entregasse a capitania a um filho, de igual nome, do donatário.
"Melchior" — escrevem também, indistintamente alguns historiadores, como Pedro Calmon e o Padre Serafim Leite. O primeiro admitiu outra, variante: "de Azeredo".
Descrevendo o Brasil em 1587, quando o Espírito Santo parecia prosperar, afirmou Gabriel Soares de Souza : — "no povoar desta Capitania gastou Vasco Fernandes Coutinho muitos mil cruzados que adquiriu na Índia, e todo o patrimônio que tinha em Portugal, que, todo, para isso vendeu; o qual acabou nela tão pobremente, que chegou a darem-lhe de comer por amor de Deus; e não sei se teve um lençol em que o amortalhassem”. Repetida por Frei Vicente do Salvador, essa frase chegou mais exagerada ainda, até nossos dias... Perdeu-se, infelizmente, a “sepultura decente” aonde Francisco Gil de Araujo, quando reformou a Casa da Misericórdia no fim do século XVII, fez recolher os restos mortais do primeiro donatário, restos que ainda encontrara em uma arca...
Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ maio/2015
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