O Sul do ES no início do Século XIX – Por Mário Freire
É interessante apreciar alguns aspectos do Espírito Santo, pouco antes da Independência, quando percorrido por Maximiliano, Príncipe de Wied-Neuwied, e por Saint-Hilaire, ao tempo do Governador Rubim. "Os depoimentos dos viajantes estrangeiros que nos visitaram, em princípio do século XIX, são freqüentemente de flagrante atualidade", observa Caio Prado Junior, acrescentando: "Quem percorre o Brasil de hoje fica muitas vezes surpreendido com aspectos que se imagina existirem nos nossos dias somente em livros de história; e se atentar um pouco para eles verá que traduzem fatos profundos, e não são apenas reminiscências anacrônicas"...
Castelo continuava em ruinas, quando em 1816 o Governador Rubim enviou à arte a conhecida memória descritiva desta Capitania.
No percurso até Vila Nova de Benevente passava-se, vindo do sul, pelos povoados de Taopaba e do Agá, à beira-mar, nos quais havia lavouras de algodão, mamona e bananas. Habitados por índios civilizados, ficavam na embocadura do Piuma. A ponte sobre esse rio, louvada por Maximiliano, estava intransitável quando Saint-Hilaire quis passar. Até Benevente encontravam-se algumas habitações e culturas.
Nova Benevente compunha-se de uma centena de casas, algumas de mais de um pavimento e cobertas de telhas. Exportava quase 2.000 cruzados de açúcar, por ano.
Os indígenas queixavam-se das requisições mediante turmas, como Rubim os forçava a trabalhar: revezavam-se em estradas e outros melhoramentos, sempre mal alimentados.
Após três ou quatro meses voltavam com o salário de dois vinténs por dia... Em Nova Almeida, o Príncipe teve ocasião de apreciar como se faziam essas requisições. Os de Benevente preferiam trabalhar nas terras férteis daquela região, ótimas para culturas de arroz, algodão, feijão e cana, além da mandioca, colhida, segundo Saint-Hilaire, seis meses depois de plantada. Voltara a política, que a legislação de Pombal modificara, de violências contra os indígenas...
O botânico viajava com um pequeno botocudo, que, nessa vila, como depois em Nova Almeida, provocou indignação, principalmente, por parte de alguns índios já civilizados.
No caminho para Guarapari, outras povoações de pescadores: Obú e Meaípe.
Em Guarapari Saint-Hilaire ainda encontrou urupemas às portas e janelas, à moda das rótulas ou gelosias, mandadas suprimir ou substituir no Rio, em 1809, por um edital da Polícia. A Vila pareceu-lhe, comercialmente, superior a Itapemirim ou Benevente. Grandes fazendas mantinham numerosos escravos: alguns, fugidos, tinham formado uma espécie de quilombo, e viviam de vender óleo de copaíba, muito apreciado, porque exageravam-lhe as qualidades medicinais.
A viagem permitia conhecer outros sítios ou povoações, embora insignificantes: Perocão, Una, Barra do Jucú, Ponta da Fruta e Santinhos, em Jaburuna. O Príncipe Maximiliano preferiu ir, primeiro, à tradicional Vila do Espírito Santo. Saint-Hilaire visitou-a poucos dias antes de voltar para o Rio: na ponte do Jucú cobraram-lhe pedágio.
Vila Velha era constituída de uma praça, tendo numa extremidade a igreja; e na outra, junto ao mar, a casa da Câmara e Cadeia, construída por iniciativa de Francisco Gil de Araújo, quando comprou a Capitania.
Ambos os cientistas subiram ao Convento da Penha, um dos mais ricos do Brasil, ocupado, segundo o Príncipe, apenas por dois religiosos. Dois anos depois, Saint-Hilaire encontrou dez...
Rubim descreve, por trás da Matriz, uma grande planície até a povoação de Guaranhum, inundável quando se não limpava a vala que conduzia as águas do rio da Costa, até junto à fortaleza de S. Francisco Xavier da Barra; quando, porém, a vala funcionava bem, a planície oferecia excelentes pastagens.
Ao se aproximar de Vitória, Saint-Hilaire julgou que se houvesse perdido: não viu mais qualquer trilha ou caminho, pois todos viajavam, geralmente, por mar, quando vinham do sul ou da Vila do Espírito Santo.
Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2015
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