Velhas Contendas - Por Mário Freire
A Capitania que pertencera a Pero e, depois, a Gil de Góis, restabelecida em 1674, desde Cabo Frio até encontrar, nos procurados e discutidos "baixos dos pargos", a do Espírito Santo, viveu profundamente agitada na primeira metade do século XVIII. Ausentes os sucessivos Donatários, os viscondes de Asseca, herdeiros e descendentes de Salvador Corrêa de Sá e Benevides, nunca se preocuparam em fundar duas vilas, que estavam obrigados a erguer. O limite setentrional da mesma donataria e, ao mesmo tempo, do governo do Rio provocou repetidas questões entre o Governador e o Ouvidor Geral: em 1730, Luiz Vahia Monteiro, o temido Governador que o Rio de Janeiro apelidara o "Onça", mandou respeitassem os oficiais da Câmara da vila do Salvador as velhas mós, mal perceptíveis, da vetustissima Santa Catarina dás Mós, como extremo meridional do Espírito Santo...
Por esse tempo, o Ouvidor Geral, em correição na vila de Vitória, ouviu queixas, não só contra o retardamento de justiça, como ainda contra a falta de regularidade nas correições nas Câmaras da Capitania. E, provendo sobre essas reclamações, prometeu submetê-las ao Rei. Na verdade, propôs logo a criação, no Espírito Santo, de uma Ouvidoria Geral; mas, tendo em vista as repetidas lutas no sul, sugeriu, secundado pelo Vice-rei, conde de Sabugosa, tivesse o novo Ouvidor jurisdição, além das vilas de Vitória e Guarapari, sobre as de S. Salvador e S. João da Praia, naquela Capitania da Paraíba do Sul.
Assim foi determinado em 1732.
Entre as autoridades do Espírito Santo e dessas duas vilas sempre houvera motivo de aproximação, se não até de cooperação. Em 1730, por exemplo, um preso aguardava, na cadeia da Vila de S. Salvador, condução para o Espírito Santo, onde devia ser entregue ao respectivo Capitão-mór. Anos depois, encaminhados para a Bahia, estiveram em Vitória alguns oficiais da Câmara e diversos amotina-dores da supramencionada Vila, todos algemados e trazendo mesmo um deles grilhão.
A resolução régia de 1732 fez presumir ou considerar Campos pertencente ao Espírito Santo, porque, além da competência judicial, os Ouvidores decidiam igualmente as questões administrativas. Alguns documentos da época traziam expressa a declaração de firmados, é certo, no Termo da vila de S. Salvador, Paraíba do Sul, Comarca do Espírito Santo...
Corriam assim os tempos, quando uma carta régia de 1742, ao Governador e Capitão-general do Rio, mandou, o Ouvidor Geral da Capitania do Espírito Santo medir e demarcar as terras que os Guarulhos tinham na aldeia de Santo Antônio. Aparentemente simples, essa ordem disfarçava uma acesa luta entre os jesuítas do Espírito Santo, que cobiçavam as mesmas terras, e, de outro lado, os capuchos, protetores dos Guarulhos.
Procurando, ao mesmo tempo, demarcar a Comarca, chegou o Ouvidor, no ano seguinte, a Macaé. Aí constatou o erro da precedente demarcação, muito contestada. Velhas testemunhas afirmaram ser a divisa, anteriormente, pelo rio Macaé; tanto que se alguém, perseguido pelas justiças de Cabo-Frio, conseguia atravessá-lo e pisar a margem pertencente a Campos da vila de S. Salvador, ou vice-versa, livrava-se da perseguição, e esquivava-se da cadeia. Decidiu então restabelecer o limite pelo citado rio. Protestou, porém, o Procurador da Coroa e Real Fazenda, alegando que a jurisdição do Espírito Santo abrangia mais cinco léguas; descia até 13 léguas ao norte de Cabo-Frio, isto é, até o campo de Iriri, limite da primitiva doação a Martins Afonso de Souza.
As constantes lutas na Paraíba do Sul não cessaram enquanto a Capitania pertenceu aos fidalgos de Asseca. Pouco antes da Coroa readquiri-la, em 1753, ainda novas contendas determinaram, segundo Baltazar Lisboa, a vinda, para S. Mateus, de muitos moradores, desgostosos, daquela donataria.
A Comarca do Espírito Santo ficou subordinada à Relação do Rio, instituída em 1751 e instalada no ano seguinte.
Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ junho/2015
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