O início de uma nova era - Primeira metade do século XIX
Foi assim, enfrentando dificuldades de toda ordem – em sua grande maioria derivadas da deficiência de recursos – que o Espírito Santo alcançou o fim da primeira metade do século XIX.
Grandes conquistas obteve o homem nos três séculos de seu estabelecimento na terra. Nenhuma fase, entretanto, de mais lisonjeiros resultados que a última – a que se inaugurou com a Independência do Brasil.
Se boa parte do progresso então verificado pode ser levado à conta das conseqüências naturais dos esforços anteriores, é impossível negar a evidência da marcha ascensional da província após o Sete de Setembro. Não foi apenas dominada faixa mais dilatada do sertão, nem se trata de cotejar números sobre o censo da população.
Antes de tudo, houve preocupação de atender – na medida das possibilidades – às exigências sociais do homem. De um regime de arbítrio governamental – que na Europa se denominava despotismo – passou a ter a garantia dos seus direitos assegurada por uma Constituição. Esta lhe trouxe um título novo: a cidadania, o júri, o privilégio de escolher os conselheiros do seu governo. Os benefícios materiais caminhavam lado a lado daquelas conquistas. Rasgaram-se estradas, construíram-se pontes, abriram-se escolas. A saúde do povo merecia cuidados especiais da administração. Os índios eram assistidos oficialmente. Se nem sempre as soluções eram as melhores e se muitas cousas não apresentavam a perfeição desejada, nem por isso é dado condenar os homens que as executavam. Nunca é demais repetir quão restritos eram os meios materiais disponíveis. Sem contar a falta do elemento humano habilitado para levar a efeito os planos administrativos da elite que empunhava as rédeas do governo.
A agricultura mantinha o quase monopólio do trabalho. Em S. Mateus, continuava prosperando a indústria da farinha de mandioca.(42)
Tão grandes prejuízos continuavam causando as formigas que o presidente Venceslau de Oliveira Belo tomou longo trecho da Mensagem dirigida à Assembléia Provincial, em 1843, na exposição do que o flagelo significava para as lavouras.(43)
Ganhava impulso animador a domesticação dos índios, sendo de notar a criação – em 1845 – do aldeamento denominado Imperial Afonsino, à margem esquerda do Castelo, nos confins da província.
Depois da instalação dos açorianos, em 1813, o problema da colonização com elementos estrangeiros sofreu longo hiato, raras vezes interrompido por pequenas entradas de ex-mercenários desligados do Exército Nacional.
Em 1847, foi reencetado o encaminhamento de europeus para as terras capixabas. Naquele ano, com um contingente de cento e sessenta e três alemães, instalou-se a Colônia de Santa Isabel,(44) seguida, em 1857, pela de Santa Leopoldina e outras, que a seu tempo serão focalizadas.(45)
A província estava dividida em dez municípios(46) e duas comarcas(47) e os seus habitantes, presos ao trabalho e dispondo de escassos meios de informações, continuavam alheios às agitações que revolucionavam o mundo,(48) ou o próprio Brasil.(49)
NOTAS
(42) - Após visitar algumas localidades do norte da província, o presidente Luís Pedreira do Couto Ferraz dirigiu ao ministro do Império o ofício de onze de outubro de 1847, em que a certa altura informava: “A Vila de S. Mateus tem assaz prosperado. Possui grandes fazendas, bons estabelecimentos, alguns engenhos e casas mui bem construídas, sendo a farinha o principal gênero de sua exportação. Vai crescendo também a Vila da Barra onde a agricultura há feito progressos favorecida pela fertilidade das terras, principalmente em Itaúnas, onde há uma povoação nascente com sessenta casas na divisa desta Província com a da Bahia” (Pres ES, VII).
(43) - “A agricultura ... luta nesta Província com um inimigo, que a não combater-se desde já, virá em breve a aniquilá-la, e a inutilizar os terrenos da costa, que nas proximidades dos portos marítimos tão necessários se fazem ao seu desenvolvimento: falo, senhores, da formiga, cuja reprodução é tão prodigiosa, e tão daninho o seu trabalho, que, a não ocorrerdes desde já com os meios de a extinguir, não tardará o tempo em que os lavradores sejam por elas obrigados a abandonar-lhes os seus terrenos, para irem nos sertões ocupar outros que, conquanto estejam mais fortes, não lhes proporcionarão os mesmos cômodos e vantagens que aqueles, que lhes oferecem fácil exportação. Não se diga que é isto uma ficção: Províncias temos que permaneceram longo tempo, e por tal motivo, na indigência, e que prosperam desde que se deram ao trabalho de as extinguir” (Fala com que o exmo. presidente da Província do Espírito Santo Venceslau de Oliveira Belo abriu a Assembléia Legislativa Provincial no dia vinte e cinco de maio de 1843. Tipografia Americana de I. P. da Costa, Rio de Janeiro, 1843).
(44) - Aos vinte de outubro de 1848, o presidente Antônio Pereira Pinto, em ofício dirigido ao ministro do Império, informava: “Tratarei primeiramente de um estabelecimento que promete amplas e futuras vantagens; falo da Colônia Alemã, denominada de Santa Isabel e fundada inda não há dois anos, apresenta ela próspero aspecto; quase todos ou todos os colonos já têm suas casas e plantações, muitos deles fabricam a farinha de mandioca e a vendem, são em geral sóbrios e da melhor índole” (Pres ES, VII).
(45) - Sem pretender depreciar a valia da colaboração dos colonos europeus, cumpre situá-la nos seus justos termos. Fora do Espírito Santo – mesmo entre as classes melhor esclarecidas – notamos pronunciada tendência para atribuir seu desenvolvimento ao trabalho de imigrantes europeus. Talvez por influência da leitura de Canaã, de Graça Aranha. É mister atentar nos fatos. Exceção feita dos açorianos – que, como os demais colonos, se isolaram dentro do seu grupo – os europeus, ao chegarem à província, já encontraram resolvidos, ou em vias de solução, os problemas mais cruciantes da terra.
A penetração – dificílima – foi realizada pelos próprios capixabas, em boa parte auxiliados pelos mineiros que desciam em busca de melhor oportunidade no Espírito Santo, e até pelos paulistas, a exemplo do barão de Itapemirim, belo exemplar de bandeirante do século XIX. Não consta que os colonos tenham, em tempo algum, experimentado a ferocidade dos indígenas. Suas terras ficavam muito aquém dos domínios botocudos. As primeiras estradas já permitiam trânsito mais fácil entre os diferentes núcleos de população. Ao estrangeiro coube receber a terra penosamente conquistada e lavrá-la. Ilhados nas suas colônias, mui remotamente influenciariam a agricultura e a indústria dos nacionais com os seus métodos, necessariamente mais adiantados. Aqui – como no resto do Brasil – a conquista da terra foi obra exclusiva dos brasileiros.
– Procurando elucidar o contingente de progresso trazido ao Espírito Santo pelos imigrantes europeus, pedimos ao Dr. Luiz Derenzi – que conhece o tema e dá os últimos retoques a um livro sobre a imigração italiana – resumisse algum aspecto do seu trabalho, a ser publicado dentro em breve. Generosamente e sempre com elevado espírito de colaboração, o autor da História do Palácio Anchieta escreveu: “Os colonos europeus, tanto os germanos, chegados entre 1847 e 1880, como os italianos, introduzidos de 1874 a 1895, contribuíram poderosamente para o progresso demográfico e econômico do Estado. A contribuição estimada pelos analistas foi, respectivamente, de 11.000 austro-alemães e 40.000 italianos. Assim que a população de 1862, de 60.702 habitantes, alcançou, em 1890, 209.783, um acréscimo salutar de 149.081 almas.
No campo econômico, a produção de café teve a marca: em 1860, 50.529 sacas; em 1890, 250.000; em 1900, 394.150! O italiano, que por primeiro se miscigenizou, deu sadio exemplo de perseverança, amor ao trabalho e à família. Introduziu novos hábitos e restaurou a moral doméstica. Os colonos venceram sós. As autoridades públicas não lhes deram a mínima assistência. Tanto que o Ministro das Relações Exteriores do Reino da Itália, Prinetti, diante das queixas formuladas, repetidamente, pelos seus patrícios, baixou o Decreto de vinte de junho de 1895, proibindo a emigração para o Espírito Santo.
O motivo derradeiro foi a morte de 528 emigrantes, vindos pelo vapor Matteo Bruzzo, em quatro de outubro de 1894, em poucos meses, na Colônia Muniz Freire. Desde as primeiras levas, os colonos viveram sós e caminharam apenas acompanhados pelos agrimensores e futuros administradores dos núcleos. Não acharam nem derribada de mata nem ranchos. Uma só exceção: os retirantes das terras frias de Rio Novo e Alfredo Chaves, depois da abolição, trabalharam de meia em fazendas brasileiras, nas bordas de Cachoeiro de Itapemirim e Castelo”.
(46) - Vitória, Serra, Nova Almeida, Linhares, S. Mateus, Barra de S. Mateus, Espírito Santo, Guarapari, Benevente e Itapemirim.
(47) - Vitória (abrangendo a Cidade), as vilas de Espírito Santo, Guarapari, Benevente, Itapemirim, Serra e Nova Almeida; S. Mateus, compreendendo S. Mateus, Barra e Linhares.
– A Assembléia Legislativa Provincial, em 1841, resolveu extinguir as vilas do Espírito Santo e Linhares. O presidente da província – José Joaquim Machado de Oliveira – vetou o projeto. (Ofício de Machado de Oliveira a Cândido de Araújo Viana, datado de dez de junho de 1841, in Pres ES, VII).
(48) - Em ofício de vinte e dois de maio de 1848, José Francisco Andrade e Monjardim, então à frente da Administração provincial, informava ao visconde de Macaé, titular da pasta do Império: “Respondendo ao Aviso reservado de dezessete de abril próximo findo, que tive a honra de receber em quinze do corrente, no qual V. Excia. tratando dos acontecimentos ocorridos na França onde desapareceram as instituições fundamentais do Estado, desenvolve a política seguida pelo governo imperial, recomendando ao mesmo tempo a mais perfeita conformidade nos atos desta presidência com os princípios de Justiça de tolerância e fidelidade nos quais está assente essa política [...] E por esta ocasião cumpre-me participar a V. Excia. Que a notícia dos mencionados acontecimentos causou alguma sensação nesta capital, mas em poucas pessoas, pois que sendo a maioria de seus habitantes, e a de todos os outros pontos da Província, inteiramente estranha à política, pouca, ou nenhuma importância presta a semelhantes noticias, que, além disso, não podem aqui ser, felizmente, transcritas por falta de imprensa o que concorre por sem dúvida para manter-se o proverbial sossego, que de há muito goza a mesma Província, a qual, V. Excia. o sabe, há atravessado as crises revolucionárias, que têm abalado o Império, sempre fiel ao imperador e às instituições juradas” (Pres ES, VII).
(49) - A catorze de março de 1842, em ofício dirigido ao ministro do Império, Joaquim Marcelino da Silva Lima dizia: “Ainda que convencido de que a vertigem mineira e paulistana não tem tocado nem tocará jamais o ânimo pacifico dos honrados e fiéis habitantes desta Província [...] que os meus conterrâneos, unidos a mim, saberão manter-se firmes [...] na adesão, amor e fidelidade, à sagrada pessoa” (Pres ES, VII).
– O padre Diogo Antônio Feijó e Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, presos como chefes da Revolução de 1842, estiveram desterrados, de agosto a dezembro daquele ano (1842), em Vitória. Sobre sua estada no Espírito Santo, ver Respingos Históricos, de ELPÍDIO PIMENTEL, in RIHGES, III, 49-50.
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, novembro/2017
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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