De Francisco Gil de Araújo ao final do Século XVII - Por Mário Freire
A compra desta Capitania, por Francisco Gil de Araújo; efetuada em 1674, obteve confirmação régia a 18 de março do ano seguinte.
Em agosto desse ano, o Governador Geral ainda escrevia, da Bahia, na José Gonçalves de Oliveira, Capitão-mór do Espírito Santo, recomendando-lhe diligenciasse por ir aos serros situados na altura desta donataria, e nos quais, segundo a tradição, havia esmeraldas. Mandou que ouvisse, antes, pessoas conhecedoras da região, por terem participado de anteriores "jornadas". Tamanho interesse despertou, essa resolução, que o Capitão-mor se propôs a fazer essa nova tentativa sem dispêndio para a Fazenda. Nomeado Capitão-mor da entrada e descobrimento das Esmeraldas, ficou autorizado a transferir Câmara o governo da Capitania. O Governador do Rio fornecer-lhe-ia 150 índios.
Logo, porém, que soube dessa ordem, o Donatário protestou: o móvel da compra, é de crer, fora também os descobrimentos. E a Junta, que assumira na Bahia o governo geral, atendeu-o. O Rei incumbira-o dos novos descobrimentos, podendo requisitar os índios necessários, de Porto Seguro, Cabo-Frio e Rio de Janeiro.
Não se conformando com a destituição, o Capitão-mór alegou ter nomeação do Rei para governar por um triênio. Mandou a Junta que a Câmara, com toda solenidade, lhe levantasse o preito e homenagem em um dos templos. Como havia atraso nos seus pagamentos, ordenou ainda que se lhe pagasse dentro em seis meses, tudo a que tinha direito. Ficou, parece, com a patente dos descobrimentos, só para o efeito dos soldos, até que foi substituído, nessa função, por D . Rodrigo Castelo Branco. Este mandou um cabo da tropa procurar as sonhadas minas, numa inútil e dispendiosa entrada...
Vindo para Vitória em 1678, Francisco Gil de Araújo promoveu por esta Capitania quatorze entradas!... Só em duas, pelo rio Doce, dispendeu, sem resultado, doze mil cruzados, ou mais de um quarto do que lhe custara a donataria. As preocupações "sertanistas" haviam se reanimado.
À sua custa e sob suas vistas, acabou o forte de N. S. do Monte do Carmo, na antiga marinha de Vitória; e cujos fundamentos vimos em 1939, quando preparados os alicerces do Edifício Mansur (Hotel - Sagres); reconstruiu o de S. João, que havia sido edificado pelo Capitão João Ferrão de Castelo Branco; fundou, de fato, o de S. Francisco Xavier, à entrada da barra; dotou a Vila do Espírito Santo de casa da Câmara, que nunca tivera, assim como de pelourinho; pagou débitos e contribuições em atraso duplicou o número de praças, mantendo o condestável; conseguiu elevar as rendas, de 255$000 anuais, das quais se mantinha a Câmara, para perto de quatrocentos; e viu os dízimos arrematados por 1.800$000. Continuavam seqüestrados os engenhos de Guarapari, dos quais a Corte, até 1678, pedia informações. Antes mesmo de vir da Bahia, sabendo vaga a Ouvidoria, nomeou um Ouvidor por três anos. A criação da Vila de Guarapari, em 1 de janeiro de 1679, foi um de seus mais celebrados atos: para transformar simples povoações em vilas, exigiam-se, pelo menos, 150 casais. Instalou-a a 1 de março seguinte, no mesmo sítio em que os jesuítas, desde o último quartel do século antecedente, mantinham uma Residência. Deu-lhe por Termo seis léguas, em quadra, abrangendo, ao sul, Ponta da Fruta. A paróquia, fundada desde 1655 viu, a esse tempo, erguida a atual Matriz, consagrada a N. S. da Conceição.
Um curioso "bando" de Gil de Araújo, dizendo-se "Donatário e Governador perpetuo da Capitania, senhor das Vilas do Espírito Santo, N. S. da Vitória e Conceição" (Guarapari), proibiu que os proprietários com mais de cinco trabalhadores cultivassem algodão. Era uma cultura deixada apenas para os pequenos, porque estava prejudicando muito as outras, e comprometendo o comércio. Os infratores, além da multa de quarenta mil reis em dinheiro, para sustento da infantaria, perderiam o produto, e seriam degredados, por dois anos, para fora da Capitania. Assim se legislava nesta modesta donataria, no ano remoto de 1682... Desde 1603 um alvará régio obrigava todos os cultores de cana a plantarem quinhentas covas de mandioca, no mínimo por escravo.
Houve uma representação contra Francisco Gil de Araújo, acusado de ter, por duas vezes, mandado arrancar marcos divisórios no extremo norte da vizinha Capitania meridional... Uma carta régia recomendou que o Ouvidor Geral do Rio o obrigasse a demarcar o que comprara. A tudo retrucou, porém, que o Espírito Santo, ao contrário, vinha sendo invadido por alguns representantes dos poderosos donatários ao sul... Efetivamente, sem que os limites próprios tivessem sido fixados, a Capitania primitivamente de Pero de Góis fora, depois de reincorporada na Coroa, restabelecida em favor de dois filhos de Salvador Correa de Sá. A própria demarcação convencionada em 1539, entre aquele primitivo Donatário e o Fundador desta, não obstante aprovada pelo Rei, nunca fora respeitada ou observada.
Após quatro anos de atividade, sem ter alcançado êxito nas dispendiosas tentativas dos descobrimentos, alegando, ao contrário, avultados prejuízos, obteve Francisco Gil de Araújo licença para nomear um locotenente, e voltou às suas ricas propriedades na Bahia. Levou, porem, cauteloso, uma certidão da Provedoria da Fazenda, relatando seus valiosos serviços, como acima referidos.
O Espírito Santo contribuía pesadamente para a Misericórdia de Lisboa. Só para esse fim, o mesmo Donatário arrecadou, e enviou para o Reino aproximadamente, doze mil cruzados; já em 1627 cobrava-se para a "obra pia" 1% de cada contrato das rendas reais. Firmada de Vitória, em julho de 1682, a certidão encarece o que o diligente Donatário fez pela respectiva Casa de Misericórdia, salientando, a propósito, o seguinte: "Aqui mandou V. S. dar sepultura decente aos ossos do primeiro Donatário, Vasco Coutinho, que, soterrados em uma arca, ainda se conservam relíquias dele"... Esse piedoso cuidado nunca haviam tido os abonados descendentes do Fundador, descuido que permitiu transformar em afirmativa a suposição de Gabriel Soares, escrita em 1583 e repetida por frei Vicente do Salvador, no século seguinte, de não ter tido o Fundador um lençol para mortalha!...
Francisco Gil de Araújo faleceu em 1685, na Bahia; e no seu túmulo, lia-se o seguinte, segundo Pedro Calmon: - Prefaetuorae Spus. Sancte Domine Gubernator.
Confirmada em 1687 a Capitania no filho, Manoel Garcia Pimentel, às dificuldades administrativas da donataria, preferiu a direta superintendência das rendosas propriedades baianas. Teve, a princípio, como Capitão-mór Manoel de Morais, que havia firmado, como Provedor, a aludida certidão. Manoel Peixoto da Motta, provido Capitão-mór, teve de voltar, preso, para a Bahia, de ordem do Governo Geral, porque de lá partira sem licença. Assumiu a Capitania em fins de 1688; mas já em 1690 estava substituído por João de Velasco Molina, que trouxe patente regia. Este serviu subordinado ao ex-Donatário que vendera esta Capitania, nesse tempo Governador Geral. Dele recebeu as novas leis da moeda e da liberdade dos índios bem como o Regimento dos Capitães-móres. Recebeu, por último, uma severa reprimenda de Câmara Coutinho, em 1694 porque fizera deter, na própria residência, uma senhora nobre, que o Ouvidor mandara recolher à cadeia, onde não havia acomodações para mulheres.
Os carmelitanos estavam na Vila de Vitória, em 1682; e a igreja anexa ao convento, até o princípio deste século, conservava, no alto, a data: — 1691. Tiveram posse imemorial de terras na Fonte Grande; e, segundo Baltazar Lisboa, cobravam foros. O Capitão Manuel Torres de Sá, que muito os ajudara na construção do convento, legou-lhes um valioso engenho e a fazenda Piranema, com 30 escravos. Perderam, porém, o legado; e essa propriedade, depois de transmitida para a Santa Casa, consoante dispusera o testador, foi incorporada à Fazenda Nacional, resolução que motivou um prolongado pleito judicial. Faleceu em 1871 o último carmelitano que viveu em Vitória.
Procurava o Capitão-mór João de Velasco Molina atenuar os calamitosos efeitos de mortífera epidemia de varíola, ou talvez do mesmo mal que, por esse tempo, assolou o Rio de Janeiro com sintoma da febre amarela, quando, em 1693, irromperam do sertão, pelo rio Doce, Antônio Rodrigues Arzão e os sertanistas da festejada "bandeira", portadora de ouro, o primeiro ouro denunciado no Brasil! Era muito pouco, três oitavas apenas, trazidas de uma longínqua mina no rio da Casca, bastante para fazer, em Vitória, duas "memórias" ou anéis comemorativos.
Findava por essa forma o século XVII...
Essa apoteose de ouro ia, entretanto, ser profundamente desvantajosa para o Espírito Santo...
Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ junho/2015
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