Primeiras ocorrências do Século XVII - Por Mário Freire
Muito se devia ter falado nas cobiçadas riquezas desta Capitania, porque o segundo século da colonização começou estando no Espírito Santo, o próprio Governador Geral, D. Francisco de Souza, empenhado em fomentar novas expedições ou "jornadas" ao sertão. Ele mesmo dirigiu uma exploração até o cume do Mestre Álvaro. Nesse maciço, segundo frei Vicente do Salvador, havia vestígios de prata, e foram encontradas algumas esmeraldas, assevera Brás Rubim.
Nessa ocasião, o Governador Geral mandou, de Vitória, 200 indígenas para o serviço das minas em S . Paulo.
Com o manifesto propósito de manter as Capitanias isoladas, pouco depois uma carta régia de 19 de março de 1614 e um alvará de 21 de fevereiro de 1620 proibiam que os Governadores Gerais visitassem, sem expressa permissão, as diversas Capitanias.
Além das Ordenações filipinas, decretadas em 1603, terem prescrito, como as manuelinas, que a Fazenda Real perceberia o quinto, em salvo de todos os custos, relativamente a quaisquer metais porventura extraídos, depois de fundidos e apurados, foi nesse ano baixada a primeira lei especial sobre mineração. Quinze anos depois modificou-se essa lei com o intuito de fomentar os descobrimentos.
Propalada, como estava, a fama das riquezas desta Capitania, aquele Governador, seguindo a previdente política de erguer fortins em toda a costa, contra a temida ronda dos corsários, mandou construir um, em Vitória, aparelhado com duas peças. Na América, os portugueses, como os espanhóis, sempre tiveram grande prevenção contra o estrangeiro; era, observa Pedro Calmon, o indesejável de pouca ou diferente fé; o indesejável "atravessador no comércio; o indesejável político, capaz de divulgar, ainda mais, a notícia das apregoadas riquezas da terra... Tinham razão. Os constantes assaltos, a princípio, de espanhóis, franceses, ingleses e holandeses, amiudaram-se depois que Portugal passou para o domínio de Espanha. Vivendo em luta com várias nações, por causa da política européia, a Espanha, nessa época, provocou rudes represálias no Brasil, principalmente por embarcações da Holanda. Com o domínio espanhol, agravou-se, na colônia, a política de hostilidade ao estrangeiro.
Uma esquadra batava assaltara Todos os Santos, antes de findar o século anterior; na mesma época, sob o comando de Olivier Van Noord, uma expedição também holandesa esteve no rio Doce, em viagem de circunavegação; e uma frota, ainda holandesa, atacou em 1604 a cidade do Salvador.
O velho Tombo do Convento da Penha registrou a notícia de uma dessas invasões em Vitória. Durante a luta, as mulheres postaram-se na igreja da Misericórdia, donde, ao mesmo tempo que cuidavam dos feridos animavam os bravos defensores da pequena vila, até completa repulsa dos corsários. A comunicação, à Corte, da bravura dessas modestas heroínas, teria inspirado o alvará régio de 1 de junho de 1605, pelo qual foram estendidos, à Misericórdia desta Capital, privilégios idênticos aos que o Cardeal D. Henrique concedera à de Lisboa.
Decorridos três séculos já se não dá o mesmo valor a essas antiquadas prerrogativas, como o uso de bandeira e insígnias próprias, de tumbas ou carros, como segundo Daemon, teve a de Vitória, para enterros de pobres; além da de ricos esquifes. Outras vantagens ainda obtiveram depois, parece, essas irmandades, como o direito de precedência em relação a algumas, motivo de repetidos conflitos, até em enterros. A de Vitória, no princípio do século, passado, chegou a se julgar isenta de pagar sisa. Instituídas em 1498, pela Rainha D. Leonor, viúva de D. João II, enquanto substituiu ao Rei D. Manoel, então em Castela, essas irmandades incumbiam-se de socorrer pobres; visitar enfermos; amparar órfãos e enjeitados ; resgatar cativos ; liberar encarcerados sem recursos; recolher doentes incuráveis a hospitais; e enterrar os mortos, fornecendo, quando não houvesse, até a mortalha.
Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ maio/2015
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