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Cessa o domínio dos descendentes do fundador - Por Mário Freire

Escultura de Vasco Fernandes Coutinho, obra de Hippolito Alves

Dos descendentes de Vasco Fernandes Coutinho, o último que deteve a donataria, Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, era ainda menor quando herdou a Capitania. Um alvará do Governador Geral descrevia o Espírito Santo, nessa época, por tal forma empobrecido que a arrematação dos dízimos não produzira mais de quatrocentos mil réis, por ano, para uma despesa ordinária do dobro, isto é, de cerca de 2 000 cruzados... Irredutíveis, os encargos eclesiásticos eram atendidos em primeiro lugar. Não havia, depois, com que satisfazer a própria redízima do Donatário, de cujo total ainda se deduzia o soldo do Capitão-mór. Entre outras despesas por pagar ficavam sempre os ordenados atribuídos aos oficiais da Fazenda. A tutora do Donatário ainda encontrou, contudo, a quem propor, em 1656, para Capitão-mór. É conhecida uma nova proposta da mesma tutora, formulada em 1664.

Uma reclamação do contratante da arrecadação dos dízimos provocou uma ordem da Bahia, permitindo vender livremente, a partir de 1660, toda a aguardente produzida no Espírito Santo.

Para as contribuições, em atraso, do donativo destinado ao dote da Rainha da Grã-Bretanha, o Governador autorizou o corte de pau-brasil em 1662; mas, ao chegar o produto à Bahia, a Companhia Geral, monopolizadora do transporte, recusou-se a fazê-lo: foi necessária uma nova ordem do Governo.

Seqüestrados por mandado da Mesa dos Três Estados, os engenhos de Marcos Fernandes Monsanto, situados em Guarapari, produziam, anualmente, para a Fazenda Real, mais de duas mil arrobas de açúcar. Apesar de reiterados apelos para com uma parte dessa renda, acudirem-se às dificuldades da Capitania, só por exceção o Governador Geral o permitiu em 1664. Baixara tanto o preço desse produto que não encontrara comprador a contribuição do engenho de Araçatiba (Arecetiba), arrendado a Bernardo Aires Samorá.

Dois anos depois, atingido o Espírito Santo pela epidemia de varíola, que atacou Rio de Janeiro, Bahia e outras Capitanias, a Fazenda Real teve de substituir os escravos mortos de bexigas, como então se dizia, nos de Guarapari.

Constava na Bahia estar em Castela o proprietário dos engenhos seqüestrados; houve, porém, o aproveitamento, em 1670, de um Capitão desse nome, Marcos Fernandes Monsanto, para o forte de S. João, em Vitória, por ter servido seis anos nesse presídio.

Uma patente régia dessa época investiu Agostinho Barbalho Bezerra; aclamado Governador, no Rio, quando o povo se revoltara contra Salvador Correa, de poderes especiais para descobrir as minas da serra das Esmeraldas, encontradas em 1611, afirmava-se, no sertão desta Capitania, por Marcos de Azeredo... Recordando esse descobrimento já os jesuítas haviam obtido autorização para uma "entrada" em 1633; Pretendiam, ao mesmo tempo, catequizar os indígenas de posse da região.

Completamente desiludido da existência de minas, e sem mais confiança em novas promessas de descobrimentos, o Governador Geral chegou a supor que Agostinho Barbalho pretendesse apenas perceber soldo; e proibiu pagá-los. Escreveu, todavia, ao Governador do Rio e aos Capitães-móres do Espírito Santo e mais Capitanias ao sul, recomendando-lhes fornecessem os auxílios de que carecesse. Em dezembro de 1666, esse sertanista ainda escrevia do Espírito Santo, solicitando mantimentos à Câmara de São Paulo, porque não os encontrara nesta Capitania. Foi morrer, no sertão; e a viúva teve de vender dois sobrados, que possuía no Rio, a fim de pagar os mantimentos dessa inglória jornada às esmeraldas...

A descrença, já manifestada pelos próprios governantes, não atingiu, contudo, à Corte, nem desanimou a outros sertanistas.

Fernão Dias Paes, com 66 anos, partiu de S. Paulo atravessou o sertão, explorou as cabeceiras do Rio Doce, e, em 1681, foi ter, afinal, a um sítio onde encontrou ferramentas, que atribuiu a Marcos de Azeredo. De volta, morreu abraçado a algumas pedras, berilos, águas marinhas e turmalinas, legando assunto para a epopéia do "Caçador de esmeraldas"...

Com a expedição de Wilhelm Glimmer, mineralogista holandês, que em 1601 acompanhou e Governador D. Francisco de Souza, ao sertão, pretende Euclides da Cunha encerradas as preocupações com o descobrimento da famosa Serra das Esmeraldas. Bastara o ter atraído, para os flancos do Espinhaço, indiferente a constantes malogros, um após outros, acentua o consagrado autor de "Os Sertões", sertanistas como Bruzzo Spinosa, Sebastião Tourinho, Dias Adorno e Martins Carvalho. A sedutora lenda perdurou ainda por muito tempo, despertando, como se vê, novas ambições...

Do Espírito Santo, empobrecido, continuaram saindo, anualmente, quase mil quintais ou cerca de 60 toneladas de pau-brasil, para os "donativos"!... Ainda estava armazenada na Bahia a remessa de 1664, quando, dois anos depois, chegou um patacho com 960 quintais. Nesse ano, o Visitador dos jesuítas recordava-lhes que essa madeira só podia ser vendida ao contratador.

Câmara Coutinho, em 1667, propôs um Capitão-mór, que o Rei nomeou. Durante esse governo não foi atendido mais um apelo para a Fazenda ceder uma parte do arrendamento dos engenhos de Guarapari, a fim de acudir à Capitania, cuja crise muito aumentara depois de um tributo extraordinário para a fábrica de fragatas no Rio. Por esse motivo, o Governador Geral diminuiu cem mil reis, na contribuição anual para os "donativos".

O Capitão-mór conseguiu melhorar as fortificações; mas o sucessor, em 1671, veio encontrar um atraso no pagamento daquela contribuição anual. E logo teve de cobrar um novo imposto, lançado com o protesto da Câmara, sobre o sal.

Uma sumaca que viera comprar açúcar, para vender em Buenos Aires, fora impedida de fazê-lo devido à proibição régia desse comércio.

Em 1671, divulgou-se uma vaga notícia de que o capitão Antônio Luiz Espinha descobrira minas no Espírito Santo; e foi registrada a patente de Brás Rodrigues Arzão, como Capitão-mór da Conquista, com a incumbência especial de castigar os bárbaros, que no interior, surpreendidos pelas "entradas" e "jornadas", estavam dizimando vassalos de sua Alteza.

A situação da Capitania tendia a melhorar, no último quartel do século.

Expandindo-se a obra colonizadora, Miguel Pereira da Costa requereu uma sesmaria no rio Tapemiri. Foi-lhe concedida em 1673. Coincide o movimento expansionista, observado nessa época no Espírito Santo e em outros pontos do Brasil, nota Caio Prado Junior, com, um acentuado êxodo de portugueses, atraídos, do Reino, pela colônia promissora. Desenvolveu-se melhor a grande lavoura denominada — de subsistência; e esta Capitania passou a abastecer, em grande parte, as praças próximas, do Rio e Bahia.

Pessoa de larga projeção na época, Almotacé-mor do Reino; Governador de Pernambuco; e, alguns anos depois, Governador Geral do Brasil, Câmara Coutinho preferiu solicitar permissão régia para alienar a Capitania.

Filho de Ambrósio de Aguiar Coutinho, era neto de Antônio Gonçalves da Câmara. Este fora casado com D. Maria de Castro, filha de outro Ambrósio de Aguiar Coutinho.

Foram os últimos Donatários, descendentes do Fundador.

Em 1674, foi a Capitania adquirida pelo coronel Francisco Gil de Araújo, descendente, pelo lado materno, de Caramuru, senhor de fartos cabedais e rico proprietário na Bahia pagou por ela 40.000 cruzados. Calcula o Padre Serafim Leite tri centuplicado o valor do dinheiro daquela época.

Pouco antes, escrevera o Padre  Antônio Vieira, a respeito do que vira no Pará: "Tudo quanto há na Capitania do Pará, tirando as terras, não vale dez mil cruzados, como é notório".

Anos depois, afirmava o Arcebispo da Bahia, escrevendo a André Furtado "Toda a Capitania dos Ilhéus não vale, vendida, o que Vossa Mercê quer que se lhe dê para livrá-la dos tapuias". André Furtado oferecera ao Arcebispo cinco mil cruzados, a fim de livrar os moradores dessa  Capitania das "hostilidades dos bárbaros"...

Nesse tempo, um engenho real de açúcar absorvia, só na instalação, segundo Roberto Simonsen, cerca de 10.000 cruzados. Construções privativas dos homens de cabedal e governo, segundo Antonil, havia-os de 40, 50 e 60 mil cruzados.

 

Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ junho/2015

História do ES

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