Revoluções Liliputianas - Por Mário Freire
Não tardaram, nesta Capitania, as naturais dissensões, fruto do espírito separatista, alimentado, embora inconscientemente ou sem que se avaliassem as prováveis consequêndas, em todas as divisões do Brasil.
Surgiram devido as dúvidas suscitadas sobre a situação do Espírito Santo, ao pretender, findo o primeiro triênio de governo, empossar-se o novo Capitão-mór mandado já da Bahia - Motivos propícios foram os descontentamentos pelos famosos "Donativos", exigidos na base anual de 20.000 cruzados, para o dote da Infanta casada com o Rei da Grã Bretanha, e de 120.000, para a paz com os Estados Gerais das Províncias Unidas dos Países Baixos.
O Espírito Santo, que devia contribuir anualmente com mil, nunca os pode fornecer por muito tênue a arrecadação nesta Capitania e nas de Ilhéus e Porto Seguro, ficará reservada para suprir deficiências no que a Bahia devia pagar; mesmo assim, porém, o Espírito Santo acabou contribuindo in natura, isto é, em açúcar e pau-brasil. Deste, refugava-se apenas um de qualidade "muito incapaz de serviço".
Continuando rigorosa a proibição de comerciar com estrangeiros, o Governador da Bahia, que, uma vez afastado Salvador Corrêa, voltara a superintender o Espírito Santo, censurou muito o fato de um patacho inglês ter entrado em Vitória, onde deixara bastante bacalhau e queijo, assim como pudera adquirir diversos produtos da terra. A falta era grave, além do mais, porque só mediante "um piloto prático da barra" podiam as embarcações entrar no porto.
O povo, todavia, já procurava se fazer, ouvir mesmo nas mais modestas Câmaras. No Rio, havia pouco, um Governador, embora representante do poder absoluto, reunira os homens bons no respectivo Senado para solicitar-lhes concordassem no lançamento de um novo tributo, indispensável à regularização dos pagamentos, em atraso, à tropa. Louvaminheiro, viu Baltazar Lisboa, nesse gesto, o bastante para contestar tivesse o Brasil vivido, naquela época, sob o arbítrio de governantes despóticos... Altivas, mostravam-se mais outras Câmaras, como as de S. Paulo e S. Luiz. Há quem date essas primeiras manifestações do espírito de independência, da resolução de 1647, contra a exploração dos indígenas, - impugnada na colônia.
Na modesta vila de Vitória, o motim de 1662 foi provocado pelos oficiais da Câmara, e tivera mesmo o concurso do Provedor da Fazenda. Enviados presos à Bahia, depois de sequestrarem-se-lhes as propriedades, tudo terminou bem, graças à intervenção do Ouvidor; reconhecendo que o próprio Capitão-mor concorrera para maior desordem, o Governador Geral resolveu generosamente mandar buscar os autos afim de incinerá-los...
Tão apressadamente deixou esse Capitão-mór o Espírito Santo que não pôde cobrar algumas dívidas, pois, mal chegado à Capitania, onde muito pouco tempo governou, fiára "quantidade de fazendas"!... Mandado posteriormente governar Sergipe, foi corrido da vila de S. Cristovão!
A posse de mais um Capitão-mor provido pelo governo da Bahia, não obstante militar, provocou nova agitação: recusando-se a empossá-lo, a Câmara prendeu-o, deixando mesmo, a Capitania sem governo regular, pois, na mesma ocasião, sem o poder fazer, aceitará a renúncia do antigo Capitão-mor. Este havia sido, parece, reinvestido, temporariamente, no cargo. Somente em caso de morte dos Capitães-móres, podiam as Câmaras assumir, provisoriamente, a administração das Capitanias.
Transportados à presença do Governador Geral, desta vez sob grilhões, os oficiais da Câmara pagaram, além das próprias despesas, o frete da embarcação e o soldo da tropa que os acompanhou na ida e na volta: dois tostões por dia, a cada soldado; e ao ajudante— seis!.. O Capitão da Infantaria, envolvido na sedição, só muito mais tarde voltou do degredo, mediante um recurso para o Conselho Ultramarino.
Tradicional a autonomia dos municípios, fruto do espírito estreitamente regionalista do português, permitia às Câmaras, acentua Pedro Calmon, resistir a ordens abusivas, e contra elas representar em nome das respectivas populações. Os primeiros golpes contra essa autonomia viriam, no século seguinte, de D. João V, que, indiferente aos protestos do povo, costumava repetir: "Meu Avô deveu e temeu; meu Pai deveu: eu não devo, nem temo"...
Os códices, infelizmente, não esclarecem bem os verdadeiros motivos das sucessivas agitações daquele tempo, qualificadas liliputianas, com certa graça, por Viriato Corrêa. Serão remotas manifestações, pode-se presumir, do nascente espírito nativista, que, depois de haver fomentado sem o concurso da própria Corte, a expulsão dos holandeses em 1654, irá trabalhar, persistente e indomável, pela independência da primitiva colônia...
Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2015
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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