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Expulsão dos Jesuítas - Por Mário Freire

Rua 7 de setembro e Forte São Diogo - Fonte: Arquivo Restaurado José Tatagiba, Vitória ES

Iniciou-se, no Espírito Santo, o decênio que ia findar com a expulsão dos jesuítas, vendo-se, em Vila Velha, transmudada a tradicional igreja do Rosário em vigararia "colada". No começo do século, já a carta régia de 18 de novembro de 1709 mandara auxiliar, com 200$000, as obras de conservação desse templo, um dos mais antigos do Brasil.

A concessão de 1750, em favor dessa modesta paróquia, seguiu-se, no ano seguinte, igual benefício para a de S. Mateus.

A relação do Rio de Janeiro, fundada em 1751, ficara, como dissemos, com jurisdição até Porto Seguro.

O desenvolvimento de Guarapari ou talvez uma simples questiúncula apaixonada, dessas muito comuns em lugares pequenos, determinou a edificação, nessa época, de uma capela do Coração de Jesus, muito próxima e em frente à da Residência que os jesuítas ocupavam.

A devoção do Coração de Jesus foi a última que os jesuítas introduziram no Brasil.

Em Vitória, acanhada vila que os aterros iam fazendo crescer, o ajudante militar Dionísio Francisco Frade obteve provisão para erguer um pequeno templo a N. S da Conceição. Foi  construído no prolongamento da Rua da Praia, vulgarmente denominado — Prainha, mais ou menos, no ponto onde a moderna Rua Graciano Neves atinge a Praça da Independência. Dionísio Francisco Frade foi, a esse tempo, estrênuo defensor do que ainda restava aos beneditinos, cujo mosteiro, nas proximidades dessa capela, tivera também o título de N . S. da Conceição. Adiante, nas marinhas do Sacramento, uma concessão de 1746 permitira estabelecer o cais do Santíssimo.

Buscando uma renda, que em outros lugares os franciscanos já haviam obtido, requereu o guardião frei Amaro da Conceição, em 1752, a matrícula de Santo Antônio como soldado raso na Companhia da Infantaria de Vitória. Em reunião, a que estiveram presentes, além dos oficiais e praças, o Provedor do Presídio e o Capitão-mór José Gomes Borges, todos reconheceram o grande merecimento do milagroso candidato; mas, atendendo à pobreza da Capitania, deliberaram que, enquanto o Rei não aprovasse essa resolução, vencesse o Santo apenas soldo e soldada, pagos mediante subscrição mensal, na base de dois vinténs, por oficial; e um, por soldado!... Não consta houvesse o Rei jamais aprovado essa matrícula.

No mesmo decênio foi, em 1752, instituída a paróquia da Serra; dois anos depois, a de N. S. da Conceição das Minas do Castelo; em 1757, a de Nova Almeida, seguida em 1759 da de Nova Benevente. Com esse nome foi, no mesmo ano, erigida em vila a primitiva aldeia de Reritiba, localizada numa zona onde a mandioca dava safras ao cabo de seis meses. Nessa aldeia haviam os jesuítas conseguido manter até 12.000 indígenas...

Uma carta régia de 1758 proibira nomes indígenas, como Reritiba, em novas povoações.

Para a reconstrução de Lisboa, após o terremoto de 1755 a Bahia e as Capitanias que lhe estavam subordinadas foram obrigadas a contribuir com 875 contos, mediante um aumento geral nos impostos. Para agravar a situação, um alvará de 1756 criou a Companhia Geral do Comércio, que perdurou por 20 anos, com grandes privilégios e regalias.

Oliveira Martins registra a vinda para o Brasil, na época pombalina, de numerosos colonos, principalmente do Alentejo, a cuja influência atribui a contemporânea denominação de algumas vilas, como, no Espírito Santo, as de Nova Almeida e Nova Benevente. Assim ainda se chama a primeira. Na "Marcha para Oeste", imagina Cassiano Ricardo como devia ser curiosa a transformação de uma primitiva aldeia, como Reritiba, em vila: — "levantava-se o pelourinho como sinal de jurisdição, designando-se o lugar para Casa da Câmara e Cadeia, com a presença dos índios e os oficiais que os governam, para em alternativo júbilo confessarem obediência ao fidelíssimo Monarca. Missa em seguida, com a ladainha de N. S., a canto de órgão, com a música dos índios, afim de que tivessem esperança de felicidades futuras. Estabeleciam-se os respectivos limites, e estava pronta a cerimônia. A aldeia passara a ser vila para todos os efeitos"...

Findara a época dos "descimentos"... Sucessivas resoluções de Pombal preparavam a abolição vermelha ou dos indígenas. A permissão para casamentos mistos ou entre colonos e indígenas, seguiu-se, em 1757, a extinção do poder temporal dos eclesiásticos sobre os índios, daí por diante governados por figuras ou elementos mais destacados dos  próprios aldeamentos. Mandou-se ainda, três anos depois, aplicar a todo o Brasil o "Diretório", isto é, uma compilação das várias ordens régias, sobre os indígenas, a princípio vigente só no Maranhão.

Caíra em desuso uma lei de 1611, que permitia confiar a administração das aldeias de indígenas a seculares casados; a partir de D. João IV recomendou-se aos Capitães-móres que se abstivessem de fazer novas nomeações dessa natureza, e deixassem os índios governados por seus principais.

Ao resumir esses fatos significativos, salienta Caio Prado Junior como a orientação, por muitos aspectos humanitária e sempre digna e piedosa dos jesuítas, contrariava, de fato, os interesse ou a diretriz da única política que Portugal devia ter nessa matéria: — sem população para povoar, explorar e cultivar uma colônia com a extensão do Brasil, não podia a metrópole achar razoável a segregação, em aldeamentos fechados, de numerosos elementos de trabalho, já aclimados e aproveitáveis... Verdadeiros quistos de diferenciação étnica e cultural, teriam comprometido a unificação da colônia, observa Fernando de Azevedo, se outros fatores, como as bandeiras e jornadas não lhes atenuassem os malefícios.

Para isolar ainda mais os índios, os padres exageravam; e, de preferência a ensinar-lhes o português, porfiavam ao contrário, em aprender-lhes o rústico idioma... Assim — "o missionário reagia, à frente dos bárbaros arrancados às selvas, contra os bárbaros oriundos das terras civilizadas..."

Ainda mesmo que os jesuítas, deixados sem o antigo poder temporal nos primitivos aldeamentos, como supõe o ilustre autor da "Formação do Brasil Contemporâneo", não tivessem provocado uma sistemática sabotagem da nova legislação, bastou o que provavelmente lhes foi atribuído, em informações nem sempre desapaixonadas, para diversos atos contra eles; e, por último, para a carta régia de 4 de novembro de 1759, mandando expulsá-los do Reino.

Em dezembro seguinte, Vitória, assistiu à prisão do Reitor e de 5 padres, aos quais vieram juntar-se os que foram encontrados na Capitania; e, por último, 3 enviados também para cá. Na primeira leva, constituída de 199, embarcada no Rio de Janeiro em março seguinte, seguiram 17 remetidos do Espírito Santo.

Apreciando os persistentes esforços dos inacianos em prol desta atribulada Capitania, especialmente na catequese, pode-se concluir que se, no meio da pobreza quase geral, não constituíram, como julga Rocha Pombo, o único elemento de vida econômica, foram contudo, no primitivo Espírito Santo colonial, o melhor e o mais seguro fator de progresso. E, quando outros motivos não houvesse para nos fazer recordar-lhes, reconhecidamente, os grandes benefícios, bastava o que devemos a Anchieta, o grande missionário que, no dizer de Euclides da Cunha, reconcilia-nos, a todos, com a Companhia de Jesus, e "cujo nome tem, na nossa terra, a propriedade de fundir todas as crenças e opiniões, numa veneração comum"...

 

Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2015

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