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Finda o século XVI no Espírito Santo - Por Mário Freire

Luiza Grinalda

Desprezada, nas doações das primitivas Capitanias, a famosa lei mental, contrária à sucessão de mulheres, pode uma, segundo dissemos, destacar-se como “Capitoa e Governadora” do Espírito Santo; por morte de filho de igual nome do Fundador, coube a donataria, em 1589, à viúva D. Luiza Grimaldi ou Grimalda. Serviu-lhe de adjunto Miguel Antônio de Azeredo, capitão de ordenanças.

Foi a doadora do sítio onde os franciscanos construíram, em Vitória, o convento; bem assim, o monte, com a ermida a S. Francisco e a capela N. S. da Penha, na vila do Espírito Santo, como tudo ficou registrado na Câmara de Vitória.

Não lhe correram os dias de governo sem graves cuidados, pois até piratas da expedição de Tomás Cavendish, de volta de Santos, atacaram em 1592 o Espírito Santo. Foram, porém, rechaçados, graças, em parte, a um forte, cuja construção, em Vitória, Anchieta aconselhara. Hostilizado foi também Olivier Van Noord; circunavegando o mundo, pretendera abastecer-se no rio Doce.

Tendo Francisco de Aguiar Coutinho obtido que a Capitania lhe fosse adjudicada com direito de senhorio, D. Luiza Grimaldi ou Grimalda entregou o governo a Miguel de Azeredo, com patente de Capitão-mor, e retirou-se para Portugal. Recolhida ao convento do Paraíso, em Evora, depois em 1626, contando 85 anos de idade, no processo da beatificação do Padre Anchieta. Nesse depoimento recordou como sempre se valera, na administração, dos conselhos desse jesuíta.

Nunca esse dedicado padre deixou de vibrar, interessado pelo progresso desta Capitania, donde, pouco depois de a Governadora haver partido, escrevia: Nesta, do Espírito Santo, encontro agora muita perturbação entre os portugueses, uns com os outros, sobre pretensões de ofícios e honras; e com os nossos, porque não lhes concedemos que façam dos índios cristãos à sua vontade, querendo servir-se deles a torto e a direito". Faleceu esse venerável jesuíta a 9 de junho de 1597, em Reritiba, depois Vila Nova Benevente, atual cidade de Anchieta. Foi a figura central de nossa história, nesse primeiro século da colonização, envergando modesta sotaina, por vezes, de retalhos de velas náuticas, mal tingidas... Sepultado em Vitória, à entrada da capela-mór, sob o arco cruzeiro da igreja de Santiago, em lugar assinalado hoje no Palácio do Governo, perderam-se seus restos mortais, depois que o Geral Aquaviva mandou, em 1611, transportá-los para a Bahia.

Miguel de Azeredo iniciara seu governo promovendo uma grande expedição contra os goitacazes, ao sul. Mais, uma vez fora preciso afastar o perigo dos índios vingativos. Oito engenhos viu, depois, Francisco de Aguiar Coutinho produzindo em sua donataria.

De par com as dissensões que Anchieta tanto combatia, outro jesuíta antevia próxima, de novo, a decadência da Capitania, pelas constantes expedições ao sertão, em busca de infelizes indígenas, descidos sob falsas promessas de virem, como os padres faziam, para os aldeamentos do litoral. Enaltecidos pelos jesuítas, teriam esses aldeamentos constituído quistos de diferenciação étnica e cultural, desfavoráveis à obra de unificação da colônia, malefícios que, no dizer de Fernando de Azeredo, as "bandeiras" depois evitaram e corrigiram.

Não deixaram de produzir alguns males as sucessivas jornadas que, na aventura dos descobrimentos, se internavam, de preferência, pelo rio Doce. Antes de findar esse primeiro século da colonização, ainda subira Diogo Martins Cão, o Matante Negro, a mando do governador geral; acompanhou-o Francisco de Proença, bandeirante do sul espírito-santense, filho de um degredado pelo rapto de uma freira, no Reino; seguira Diogo Gonçalves Laço, insistindo no roteiro de Diogo Cão; e aventurara-se, finalmente, Marcos de Azeredo Cantinho, sobrinho de Belchior de Azeredo, o rico fazendeiro a quem Mem de Sá confiara a capitania... Nem todos voltaram como este, trazendo da serra que resplandecia muito, junto de um grande rio, nas proximidades da temida lagoa de Vapabussu, pedras capazes de arrancar da Corte maravilhada, entre, outras mercês, uma tença anual de 40$000... Os outros voltaram, como Diogo Cão, na mais lastimável miséria...

Mais felizes, os jesuítas colhiam sempre bom êxito das entradas em prol do ideal cedo previsto pelo cronista da expedição de Cabral, diante dos primitivos habitantes da terra: — "O melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente; e esta deve ser a principal semente que V. A. em ela deve lançar"... Dessas entradas, contudo, pelo menos uma provocou um pleito judicial; a do Padre Antônio Dias. Partindo de Reritiba em 1594, recusou-se, na volta a entregar índios reclamados como escravos fugidos.

No Espírito Santo, a história desse primeiro século girou, como se viu, em torno da aventura das incipientes jornadas e do trabalho metodizado dos jesuítas. Aquelas acabaram desorganizando algumas grandes culturas, estabelecidas, a muito custo, com labor de numerosos escravos: no século seguinte os jesuítas lamentariam terem desaparecido extensas propriedades como as haviam tido, cultivadas, o donatário casado com D. Luiza Grimaldi, Belchior, Marcos e Miguel de Azeredo.

À entrada, a jornada ia, desde logo, fazendo sentir a influência depois atribuída às grandes bandeiras, guiadas com rumo a oeste: — "Desfeudalizava a economia da casa grande, golpeando de morte a aristocracia agrária do litoral". No Espírito Santo, desfariam elas, principalmente, os efeitos da obra jesuítica de segregação, em grandes aldeamentos. Não puderam, todavia, ser aqui, nesse primeiro século, fatores de fixação ou civilização. Visando sempre os pontos longínquos do sertão, onde afinal descobririam as Gerais, mesmo no tocante ao desenvolvimento material nenhuma importância tiveram na civilização do território, por último, espírito-santense.

 

Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ maio/2015

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