Outra vez os holandeses no Porto de Vitória
A capitania devia estar atravessando uma quadra de prosperidade. Em 1627, foram arrendados os seus dízimos, pelo prazo de um triênio, a três mil oitocentos e cinqüenta cruzados por ano.(29) Pouco depois, os franciscanos ampliaram a ermida da Penha, transformando-a em santuário.(30) Prova da medrança foi a arremetida que, em 1640, lhe fizeram os holandeses.(31)
Sete navios comandados pelo coronel Koin alcançaram o porto de Vitória a vinte e sete de outubro daquele ano, conseguindo, logo de início, aprisionar dois navios carregados de açúcar,(32) apesar da resistência que lhes opuseram.(33)
No dia seguinte desembarcaram quatrocentos homens na ilha principal e acometeram a vila.
Achava-se, então, à frente do governo da capitania João Dias Guedes, com o título de capitão-mor.(34) Auxiliado por “trinta fuzileiros, duas companhias de índios armados de arcos e flechas, e homens do povo armados de piques e chuços”,(35) além de cinco canhões(36) – exército bisonho para tão poderosa força inimiga –, Dias Guedes conseguiu expulsar os holandeses da ilha, obrigando-os a reembarcarem. A ação durou três horas e meia.(37)
Koin atribui o insucesso das suas armas aos soldados que comandava – recrutas inexperientes.(38) Barleu vai além, acusando-os de pusilânimes e covardes.(39)
Mal sucedidos aqui, os flamengos investiram contra a vila do Espírito Santo, três dias depois, atentos, naturalmente, nos engenhos e outras propriedades do recôncavo. Adão Velho e Gaspar Saraiva, à frente da reduzida força de defesa, tentaram embargar-lhes os passos, mas era de tal vulto a superioridade inimiga que se viram obrigados a abandonar a povoação, retirando-se para o mato, de onde, reforçados pelo socorro mandado por Dias Guedes, contra-atacaram vitoriosamente, a dois de novembro,(40) expulsando os invasores da pequena faixa de terra que, por algumas horas, haviam conseguido dominar.(41)
Os cronistas recolheram os nomes de uns poucos heróis que se distinguiram durante essa rija prova de bravura e intrepidez: Domingos Cardoso,(42) Antônio do Couto e Almeida,(43) vigário Francisco Gonçalves Rios,(44) Manuel Nunes e frei Geraldo dos Santos.(45)
NOTAS
(29) - DH, XV, 114.
(30) - FREIRE, Capitania, 55. Este mesmo autor nos fala de um mapa da costa do Espírito Santo, composto em 1631, que “acusa um engenho pouco antes do Pão de Açúcar (o Penedo), designado como “do Azeredo”; adiante, o Forte de S. Marcos; do lado oposto, o de S. Miguel. Figuram ainda quatro trapiches (engenhos de bois), em frente à Vila da Vitória; e, na embocadura do atual S. Maria, dois engenhos: o da direita, de Francisco de Aguiar; e o da esquerda, de Leonardo Froes” (op. cit, 53).
(31) - Em fins de 1637, o governador geral, prevenido pelo rei de que os holandeses estavam aparelhando nova armada para lançar contra as costas brasileiras, ordenou “se mandasse a Capitania do Espirito Santo Munições de Artilharia por haver nella muito e boa...” (DH, XVII, 17), nomeando, ao mesmo tempo, a Marcos de Torres para o posto de capitão da artilharia do senhorio (idem, ibidem).
(32) - A carga totalizava quatrocentas e cinqüenta e uma caixas de açúcar (VARNHAGEN, HG, II, 390).
(33) - RIO BRANCO, Efemérides, 502.
(34) - Anteriormente, haviam servido naquele posto Francisco Alemão de Cisneiros e Domingos Barbosa de Araújo. O primeiro era falecido em dezessete de fevereiro de 1635, quando foi substituído pelo outro, de quem o governador geral, Diogo Luís de Oliveira, fez a seguinte referência, na patente de sua nomeação: “tem servido a Sua Magestade muitos annos nesta terra, sempre com grande pontualidade, e satisfação” (DH, XVI, 217).
Também Antônio do Canto d’Almeida, que muito se distinguiu, conforme veremos, na luta contra os flamengos, quando do assalto de 1640, governou a capitania. Na patente de sua nomeação para o cargo de capitão-mor, datada de seis de janeiro de 1636, o governador geral Pedro da Silva declarou a seu respeito: “morador na Capitania do Espírito Santo deste Estado, e de sua sufficiencia, e partes para reger, e defender a dita Capitania, como o ha feito em algumas occasiões” (DH, XVI, 318).
Os capitães-mores venciam nessa época 192$000 por ano: “100$000 por conta do donatário e 92$000 por conta da Fazenda Real” (DH, XVII, 303).
(35) - RIO BRANCO, Efemérides, 505.
(36) - RIO BRANCO refere-se a duas peças e, entre parêntesis, observa: “(KOIN dizia que cinco)” (Efemérides, 505). VARNHAGEN fala em “cinco pequenos canhões que nele [“castelo situado em um alto”] havia” (HG, II, 390).
(37) - GARCIA, Notas à HG, de VARNHAGEN, II, 390.
(38) - Apud GARCIA (Notas à HG, de VARNHAGEN, II, 390).
(39) - “Koin, homem aliás de grande ânimo e prudência, tentou frustraneamente opugnar a vila do Espírito Santo, na Capitania desse nome, malogrando-se a empresa pelo pouco traquejo dos soldados e por falta de navios menores, a qual impedia o rápido desembarque das forças. Demais, avisado previamente, o inimigo munira com obras apressadas a vilazinha, mandara vir em auxílio brasileiros do Rio de Janeiro e se recolhera a um morro, donde com cinco peças atacava proveitosamente os holandeses. Forcejando o coronel por galgar o tope do monte para dali expulsar o adversário, foi obrigado a bater em retirada pela pusilanimidade e covardia dos seus. Incendiaram estes a vila em vários pontos, mas não pegou fogo, graças às casas construídas de tijolo. Foram levadas do rio somente duas naus de carga com quatrocentas e cinqüenta caixas de açúcar; mas o inimigo disparou a artilharia contra elas e desconjuntou-as todas, de sorte que foi o seu doce lastro transportado como presa para outras naus. Dos nossos tombaram mortos sessenta soldados rasos e alguns de posto mais alto, e ficaram feridos oitenta” (História, 200).
(40) - RIO BRANCO, Efemérides, 513.
(41) - Koin fez-se de vela a oito de novembro, mas ficou retido em frente da barra até o dia treze, por falta de vento (RIO BRANCO, Efemérides, 525).
(42) - Domingos Carneiro, escreveu CARLOS XAVIER PAES BARRETO (RIHGES, I, 13).
(43) - Parece que Antônio do Couto e Almeida e Antônio do Canto d’Almeida são a mesma pessoa, devendo ser atribuída a diferença da grafia aos copiadores de documentos.
(44) - O vigário descreveu assim os sucessos que presenciou: “Lembrança da notável vitória, que Deus deu aos moradores desta Vila em vinte e oito de outubro de 1640, não por merecimentos dos que presentes nos achamos, mas pela grande misericórdia e bondade de Deus Nosso Senhor. Confessados, feitas muitas amizades, unidos uns com outros, foi ele servido de nos dar em vinte e oito de outubro de 1640 uma tão grande vitória, quanto milagrosa, que, vindo um João Delchi holandês afamado, com uma esquadra de onze naus e navios, deitou em terra, com uma polaca e um patacho e com nove barcaças e lanchas de seiscentos homens até oitocentos; e no porto de Roças Velhas, estância do colégio e dela capitão Domingos Cardoso da defesa, onde lhe matamos mais de trezentos e tantos homens, e muitos feridos, e da nossa parte morreram três, e lhe tomamos muitas armas: este tão grande milagre, como outros muitos que na tal guerra houve, como de não haver mantimentos na terra, perante a dita polaca e um patacho do inimigo trouxe Deus duas caravelas, uma de Santos com muitas farinhas, carnes, e peixe, e arribou dos Abrolhos, que ia para a Bahia, veio logo a outro dia outra com vinhos e fazendas da Bahia, cousa milagrosa, para sustento deste povo. Pelo que os senhores oficiais da Câmara e o senhor capitão-mor têm mui particularmente obrigação de cada ano de dar muitas graças a Deus, fazendo uma festa com solene procissão a S. Simão e Judas, em cujo dia foi a vitória, e não pôr isso em esquecimento, como o têm feito, da transfiguração do Senhor, em cujo dia antigamente houve nesta vila outra vitória contra o rebelde holandês, e eu ou o vigário que for, então, fará o que deve, como o fiz na dita guerra: dando por testemunhas a porta de Manoel Nunes e o paço de Roças Velhas. Vitória, treze de novembro, em cujo dia se foram de 640. O Vigário: Francisco Gonçalves Rios” (Apud PENA, História [Apêndice], 41-2).
(45) - DAEMON, Prov. ES, 114-5.
– Quando, na Bahia, se soube da vitória das armas luso-brasileiras sobre os flamengos, no Espírito Santo, a Câmara da cidade do Salvador, em vereação, ordenou se fizesse uma procissão em regozijo e ação de graças (Documentos Históricos do Arquivo Municipal, I, 479).
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, junho/2017
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