AEL, os primeiros cem anos - Por Pedro Sevylla de Juana
O Céu é o leito quente no inverno,
o lar familiar da infância, o útero materno.
O Céu é o amor correspondido e a felicidade.
Não está no alto. CGC 1981
Perante a dúvida, vou comprovar a afirmação do meu heterónimo.
Subirei, subirei e subirei. PSdeJ 2020
ONTEM
O assunto começa no dia em que inicio a ascensão. Vou sulcando o céu com o veleiro de três mastros, chamado Nova Era, de meu longo poema elíptico; indo em ziguezague à velocidade do pensamento. Chegado aos impossíveis confins do espaço, compreendo que todo o Céu é só um inacabável fervedouro de estrelas escapando dos buracos negros. Desta vez parti da baía de Vitória no ES. Acumula Brasil muita experiência elevando balões aerostáticos; e isso me ajudou. Em 2021, a Academia Espírito-santense de Letras celebra o primeiro Centenário da sua fundação, e eu quero estar presente. Por isso, tento voltar ao ponto de partida e avanço até chegar à atmosfera terrestre onde começa a verdadeira descida. Nas cercanias, com as velas em posição horizontal, baixo aos poucos. Vejo, com detalhe, a Cidade Ilha e os arredores marítimos e continentais.
O mar, o campo e as cidades compõem um mapa em relevo. Minha vista penetra nas casas. Vejo pessoas vivendo, sobrevivendo. Vejo cadernos, computadores, livros abertos e fechados, sozinhos ou agrupados. Olho para uma sala vazia com a janela aberta e, junto às estantes cheios de obras, no escritório, há alguns exemplares. Seus títulos eu consigo ler: Estilo de ser assim, tampouco, Pus, Um, A tabela periódica, Vírgula, Os dias ímpares, Blue sutil e Safira. Uma rajada de vento abre os livros e posso ler:
sonhei que um barco
um Drakkar com vários Vikings
passeava sob as cinco-pontes
mas agora – desperto – vejo um guindaste que pesca containers
o que há nos containers que caem no cais?
uma esperança a mais ou a menos
dúzias de marinheiros ou peixes de bom tamanho
um certo estrangeiro com boas falas e outra língua
ou seriam feixes mais feixes de pontos de interrogação
da ponte que são cinco avisto a cidade de bruços
na noite que me resta e basta
eu luthier para novos instrumentos-acordes e rumos
admiro a cidade – ilha sem Crusoé porto de dreams e minhas âncoras
Quero segurar a nave, mas uma corrente de ar a eleva. Muito, a meu ver, porque teria querido seguir a leitura de autor tão singular, Sérgio Blank, a quem conheci no IHGES numa apresentação dos seus poemas a cargo do professor Francisco Aurelio Ribeiro.
A nova altura amplia a visão até o ano 1921. De modo que posso ver no Parque Moscoso o Clube dos Boêmios. E no Clube, reunidos até em quatro ocasiões, os mais distinguidos intelectuais capixabas. Enfim, no dia 4 de setembro, uma vez discutido o documento estatuário elaborado por Alarico de Freitas com Elpídio Pimentel e Sezefredo Garcia de Rezende, teve lugar a fundação oficial da denominada, a pedido de Pimentel, Academia Espírito-santense de Letras.
Reclama a minha atenção que, após a reunião de 27 de setembro, para aprovar o documento de Regimento Interno elaborado por Aristeu Borges de Aguiar, os proclamados académicos fazem uma pausa que dura até 20 de agosto do ano seguinte.
Maravilha! A nave compensa todos os seus movimentos e fica quieta no ar.
Assim posso ler em Patronos & Acadêmicos de 2014, que, no ano de 1930, começa um período de inatividade de sete anos. Entre outras causas, a morte de alguns acadêmicos, a marcha à capital da República dos mais ativos e o pouco interesse pela Academia dos jovens escritores.
De fato, os jovens fundam a sua Academia. Escreve Renato Costa Pacheco: “Éramos um grupo de rapazes dedicados às letras. Fundamos a Academia Capixaba dos Novos”. Fundação que representa um impulso para a AEL. Em maio de 1949, Renato Pacheco foi eleito membro da AEL e, em julho de 1957, tomou posse. No IHGES entrou em abril de 1953.
Leio no morrodomoreno.com.br, que, em 1973, primeira presidência da AEL do professor Nelson Abel de Almeida, o Presidente corrobora que a imprensa capixaba já não destaca as atividades da Academia como nos primeiros anos, quando Diário da Manhã, Diário da Tarde e A Vitória, publicavam até os discursos dos acadêmicos. Justifica o imobilismo aparente pela falta de recursos. Sobre as acusações segundo as quais a Academia se constitui numa espécie de “panelinha”, o professor Nelson Abel de Almeida aduz a falta de interesse dos intelectuais mais jovens em torno de suas atividades.
Estabilizada a nave, eu olho e vejo na Casa do Velho, antiguidades, uma senhorita atendendo um cliente. Dentre os livros da biblioteca da Bibi Ferreira, toma um que na capa mostra um sol surgindo do mar onde se reflete. Acima, as letras JT’M, e abaixo, Kosciuszko Barbosa Leão Poema.
A atendente mostra a primeira página e aparece uma dedicatória manuscrita:
A Bibi Ferreira
este canto da minha
mocidade, repetido agora
na minha tarde.
Com profunda admiração Kosciuszkobarbosaleão 22/8/78
Na estaçãocapixaba.com.br encontro, pertencente ao Projeto Digitalização do Acervo Olympio Brasiliense, um documento identificado como ID 299 - Projeto de Residência [modificações], Cidade Alta, Praça João Clímaco, Vitória, proprietário Kosciuszko Barbosa Leão. Novembro de 1952 e abril de 1953.
Salto de alegria. É a esbelta e bela sede atual da Academia, chamada, por isso, Casa Kosciuszko Barbosa Leão, seu generoso doador. Se deslocaram ali as reuniões mensais sendo logo sede própria, quando o Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo foi demolido, perdendo AEL parte do seu acervo e os retratos dos patronos.
Devo dizer, que entendo vasos comunicantes de um todo intelectual, a UFES, mãe nutrícia, as Academias, o IHGES e a Biblioteca Pública Estadual; a colaboração faz importantes ao conjunto e às partes. Daqui vejo a cidade de Vitória como um labirinto de espaços e intersecções, o que confirma minha própria experiência: Entrei nela facilmente, mas não acerto sair. Me sinto em casa.
HOJE
Nas alturas lembro Maria Beatriz Figueiredo Abaurre, modéstia, inteligência e sensibilidade. Pertenceu à AEL, AFESL e IHGES. Musicista virtuosa e fervorosa escritora, divulgou a cultura capixaba. Semper ascendere. Ainda encontro na internet alguns dos versos que traduzi naqueles tristes momentos tão emotivos da sua morte:
Buscando la Libertad
Poema de Beatriz Abaurre
Traducido por Pedro Sevylla de Juana In memoriam
Quiero estar segura de ser libre
así que no me enseñen códigos.
Comprendan mi sigilo en el dolor y en el amor;
respeten la herrumbre de mis proyectos arrinconados,
mis visitas espontáneas,
mis silencios absurdos, mi tristeza infrecuente.
Sé que tengo el adiós de todos los dioses,
sé que porto conmigo la eterna interrogante
en todos mis sueños soñados y olvidados;
escalones cubiertos de hojas muertas y resecas,
sé que soy un poco de todo,
un poco de nada.
Así que permitan despuntar la amanecida
con mis ojos pegados a la ventana.
Consientan que la soledad se derrita como plomo
en el ardor vital que escondo en mi interior.
No me esperen en un lugar determinado,
pues solo quiero caminar por las calles
como camina cualquiera por las calles.
Solo quiero estar segura de ser libre…
Posso ver o blogue de Jô Drumond
artigosdajo.blogspot.com
E nele, uma crônica cada mês, delícia de escrita a e de sensibilidade. Tudo o que chama a sua atenção é tratado com perspicácia e admirável capacidade de análise. Em minha biblioteca, vivem seus livros, dedicados com essa letra grande e separada, tímida e forte, de intelectual erudita e rigorosa.
Eu leio em mallarmargens.com a minha tradução dos poemas de Jorge Elias Neto dedicados a Miguel Marvilla. Por esses poemas e por uma análise de Ester Abreu me interessou o poeta intenso de Marataízes, o insólito contador de histórias, o fotógrafo e diretor de teatro, o editor comprometido com a qualidade e divulgador da obra dos outros.
De Jorge Elias Neto conheço seu blogue, onde apareceram alguns de meus poemas; e seus livros dedicados com letra enérgica e artística de grande formato. Os seus poemas breves, são, em essência, pensamentos resolvidos e agudos, concisos conceitos luminosos. E na forma: esculturas ágeis se erguendo, se elevando, com efêmera leveza eternizada em aço inoxidável. Isso disse eu em minha análise crítica: A poesia última de Jorge Elias Neto, publicada em Cronopios.com.br
O professor e doutor Francisco Aurelio Ribeiro escreveu o prefácio de meu livro bilíngue Brasil sístoles e diástoles. Por seus artigos quinzenais de A Gazeta tenho amplo conhecimento da realidade capixaba imediata. Cerca de sessenta livros publicados: infantil, contos, crônica e pesquisa, explicam sua capacidade de trabalho e sua bagagem cultural. Dedicou trinta anos ao ensino e cumpriu seu quinto mandato como presidente da AEL, de que é Presidente de Honra. Palestrante ele, e grande divulgador cultural, investigando os fatos do ES, sempre encontro seus trabalhos conscienciosos.
Descubro Pedro J. Nunes no seu blogue pedrojnunes.com.br. Grande leitor, confessa que passaram 23 anos entre a publicação dos seus livros inicial e segundo; e explica a causa. Leio contos de ambos os livros e compreendo a razão de ser ele um autor tão lido, reeditado e premiado. Em entrevista feita por Joacles Costa, Pedro, entre agudas respostas sobre a linguagem e a leitura, comunica ter sido professor de redação oficial. É sócio do IHGES e escreve na Revista.
Na tertuliacapixava.com.br livros e autores do Espírito Santo, encontro quase todos os escritores que admiro. Me detenho em cada um. Chego a 160 anos de história: Biblioteca Pública do Espírito Santo, acúmulo e difusão do patrimônio cultural capixaba. Agradeço o seu louvável esforço aos criadores da Tertulia; Pedro J. Nunes entre eles.
Em gtneves.blogspot.com, Getúlio Marcos Pereira Neves escreve uma análise laudatória de Sérgio Blank: azul, poeta, acadêmico sutil. Nela se refere, também, ao trabalho das Academias de Letras, esclarecendo o conceito de imortalidade atribuída aos acadêmicos. Aos 56 anos, Getúlio Neves já foi quase tudo no exercício da justiça. Possui estudos e práticas em áreas muito diversas, a modo do homem do Renascimento. Como guitarrista e compositor participou na formação da banda Urublues, com dois CDs gravados de canções próprias. Tomou posse na AEL em setembro de 2005 e é membro de outras Academias. Pertence ao Pen Club do Brasil e tem publicados trabalhos muito variados: artigos, discursos, ensaio, novela, poesia, história, etc. Desde 1997 é sócio efetivo do IHGES e correspondente de outros Institutos. E desde 2008 preside essa Instituição à que pertencem acadêmicos da AEL, colaboradores na magnífica Revista, ISSN 1981-9528.
Acadêmico da Cadeira 40 na AEL, conheci Anaximandro Oliveira Santos Amorim na reunião Pré Flic realizada em Jacaraípe, Serra. Conversamos e ele me causou uma grata impressão. Foi membro fundador da Academia Jovem Espírito-santense de Letras no início do século, com Leonardo Passos Monjardim como primeiro presidente, 25 acadêmicos e os correspondentes patronos. A AJEL em todo momento teve a colaboração de AEL e IHGES. A promessa que representava Anaximandro Amorim se foi concretizando como um poeta, ensaísta e romancista valente, capaz de abordar qualquer tema e tratamento com verdadeira solvência. Em minha análise de sua escrita pensei ter visto duas almas que se complementam. Pertence a diversas Academias e Organizações estaduais e é sócio da IHGES.
Depois de meu percurso leitor pela história da AEL e seus protagonistas, entendo que a função acadêmica continua progredindo, apesar de persistir os problemas de sempre, talvez inerentes e irresolúveis. Estamos prestes a iniciar a celebração do Centenário e já se vê o alegre alvoroço organizado. Em janeiro de 2020, assumiu a presidência a professora doutora Ester Abreu Vieira de Oliveira, cujos méritos explico utilizando versos de meu conterrâneo Jorge Manrique:
sus hechos grandes y claros
no cumple que los alabe,
pues los vieron;
ni los quiero hacer muy caros
pues que o Estado todo sabe
cuáles fueron.
Assim, Ester Abreu, se apoiando em uma Diretoria comprometida, nos acadêmicos de cadeira e nos membros correspondentes, dará forte impulso à instituição. Agradeço a Ester Abreu boa parte do meu conhecimento do capixaba e do meu carinho a esta terra que deu novo estímulo a minha vida e a minha obra.
Ponho as velas da nave Nova Era em posição inclinada, e desce até flutuar na baía de Vitória. Se aproxima ao pé de O Penedo, assisto à reunião presencial do 14 de dezembro no “Solar da Ester”, e fico ancorado esperando o início do ano 2021 com a ideia de passar aqui o Centenário da AEL para colaborar no que esteja ao meu alcance. pedrosevylla.com/
Fonte: Fonte: Revista da Academia Espírito-santense de Letras / 100 anos – Vol 26. (2021) - Vitória
Autor: Pedro Sevylla de Juana. Escritor espanhol, membro correspondente da AEL e Prêmio Internacional Vargas Llosa de romance. Tem vinte e oito livros publicados
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2022
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