Com o pé no futuro - Por Nilo Martins
Não sou capixaba de nascimento. Nasci num morro do Rio de Janeiro, no bairro de Santa Teresa, há pouco mais de meio século, numa época em que os partos ainda eram feitos em casa com a ajuda do médico de família. Mas, poucos anos depois, descemos o morro em direção a Copacabana, na Zona Sul carioca, que foi onde me criei e vivi numa área que abrangia outros bairros importantes como Ipanema, Leblon e a Lagoa, nas margens da qual se situava a minha escola, o Colégio de Aplicação.
Nos meus tempos de adolescente, joguei muita pelada nas ruas de Copacabana, que, ainda àquela época, tinha mais casas do que prédios de apartamentos. Nós morávamos no Rio, mas nossas férias, tanto as de fim de ano como as de julho, eram religiosa e prazerosamente usufruídas no Espírito Santo, entre a casa de vovô Ceciliano, na verdade um casarão cercado de mangueiras, goiabeiras e pés de amora, sapoti, fruta-de-conde, cajá-manga, carambola e perinho, na confluência do Parque Moscoso e Vila Rubim, e as praias de um paraíso que vovô havia descoberto um pouco mais ao norte, na distante, para os padrões da época, Manguinhos.
Durante toda a minha infância e adolescência foi assim: estudava e vivia no Rio durante o ano letivo e gozava das delícias das férias no Espírito Santo, a não ser em duas oportunidades em que, pendurado em segunda época em algumas matérias, tive que me debruçar sobre os livros de português, matemática, francês ou latim durante os meses de verão, enquanto via irmãos e primos curtindo o sol, o mar e as matinês de cinemas como o São Luiz, o Vitorinha, o recém-inaugurado e luxuoso Santa Cecília, o Capixaba lá nas lonjuras de São Torquato ou o Jandaia.
Vitória, na década de 50, era muito provinciana. Jantava-se cedo, conversava-se nas portas e janelas das casas, que não sofriam a concorrência das novelas de televisão, e fazia-se o "footing" na Praça Costa Pereira, ou melhor, enquanto as meninas andavam ao redor da praça, os rapazes ficavam em rodinhas, conversando, contando piadas ou então gozando alguém, num comportamento que os capixabas definiam como enxovar. Por volta das dez horas da noite, as ruas se esvaziavam e Vitória dormia em silêncio.
Como jovem que acompanhava os últimos modismos cariocas, sempre que chegava a Vitória eu era olhado meio de banda pelos amigos, que ficavam um pouco ressabiados com as novidades que eu trazia do Rio, como andar de sapatos sem meias, usar bermudas ou vestir camisas vermelhas ou de banlon. Na província capixaba, naqueles tempos, isso, definitivamente, não era visto como coisa de homem. Mas eu achava graça e, com paciência, tinha certeza de que as novidades acabariam sendo assimiladas dentro de alguns meses.
Depois de adulto, saí do Rio, passei um ano numa bolsa de estudos para jornalistas nos Estados Unidos, e quando voltei para o Brasil fui trabalhar e morar em São Paulo. Já me sentindo cidadão do mundo, me identifiquei muito com São Paulo, cidade de que passei a gostar mais do que do Rio, e onde cresci profissionalmente e vivi durante dez anos. Para quem quer trabalhar, poucas cidades no Brasil podem se igualar a São Paulo, onde as oportunidades são muitas e quase sempre tentadoras. Mas com o trânsito lento, o mar distante, a poluição e os preços dos serviços sempre em ascensão, a qualidade de vida oferecida por São Paulo a seus habitantes cada vez mais deixava a desejar. Em 1977, comecei a me decidir a sair de São Paulo e procurar meu futuro em outro lugar. Considerei seriamente a possibilidade de me transferir para Santa Catarina. Minhas raízes capixabas, porém acabaram prevalecendo e, no mês de janeiro seguinte, estava desembarcando em Vitória com armas e bagagens, cortando, como o conquistador espanhol Cortez ao chegar ao México, qualquer possibilidade de retorno.
Em 1978, Vitória ainda não havia perdido seu ar de província. O comércio era muito fraco, sem grandes supermercados. E eu, habituado a ter à mesa bons frios e queijos finos, do tipo camembert, gorgonzola ou brie, costumava afirmar que o futuro chegaria à cidade e que daí a uns quinze anos já seria possível encontrar tais produtos nas lojas de comércio. Outro traço característico da vida pré-cosmopolita eram as viagem de avião tendo como origem ou destino o Rio de Janeiro ou São Paulo: quase sempre se conhecia pelo menos de vista a maior parte dos passageiros.
Mas tudo isso foi mudando, com a chegada dos grandes projetos industriais ao Espírito Santo e com o Estado desenvolvendo seu potencial portuário e sua tendência de a cada ano se fortalecer ainda mais na área de comércio e dos serviços em geral. Numa época em que a economia do Brasil ficou paralisada, o futuro continuou a chegar ao Estado, fazendo com que ele crescesse acima da média nacional.
E as transformações foram acontecendo com muita rapidez. A circulação de riquezas em Vitória foi permitindo que uma série de administradores competentes e responsáveis, ainda que de naturezas políticas diferentes, fossem cuidando de investir na cidade, dotando-a de novas qualidades urbanas e de lazer, como a duplicação da Avenida Dante Michelini, a urbanização de Jardim da Penha, a periferia de São Pedro e outros bairros adjacentes, além de, mais recentemente, Jardim Camburi, a criação de áreas de lazer como as praças dos Namorados e dos Desejos, a limpeza permanente das ruas e seus novos jardins floridos.
A Vitória do futuro já vem sendo construída há alguns anos, não só pelos capixabas como também pelos milhares de outros brasileiros que para cá vieram, se encantaram com as belezas naturais da cidade, com sua qualidade de vida, e passaram, através do trabalho, da consciência ecológica e das experiências trazidas de fora, a perseguir e a planejar uma constante melhoria da qualidade de vida. A Vitória do futuro será o resultado dos anseios e fantasias de todos nós que, ao longo das últimas décadas, acreditamos que, se aqui já era um grande lugar para se viver, sempre pode ficar melhor ainda. E já caminhamos nessa direção. Afinal Vitória, como qualquer lugar do mundo, tem como futuro a força que move seus habitantes.
Fonte: Escritos de Vitória Nº14 Vitória do Futuro, 1996
Autor: Nilo Martins
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro 2014
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