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Afonso Cláudio: Um defensor dos oprimidos

Afonso Cláudio

Em momentos de grandes expectativas às aspirações nacionais, quando mudanças são preconizadas e as esperanças ascendem com as perspectivas de modificação do sistema e do regime faz-se mister uma reflexão aos momentos passados, quando essas mesmas esperanças e expectativas estavam presentes, como na Independência, na Proclamação da República, em 1930, ou em 1946.

Malgado a ausência da participação popular em alguns desses movimentos, sobretudo na Independência e na República, este último insere-se no contexto das grandes reformas sociais, com a supressão da monarquia coroada e a abolição da violenta exploração do homem pelo homem, destituído de seus direitos, no sistema escravista.

É na esteira desses acontecimentos que vamos encontrar Afonso Cláudio de Freitas Rosa, nome homenageado no II Encontro Cultural de Defensores Públicos, sintomaticamente organizado na cidade que escolheu como patrono o ilustre capixaba.

Além de viver numa estrutura escravocrata, cuja repulsa o tornará um precursor dos defensores dos mais desvalidos, a conjuntura vivida por Afonso Cláudio não poderá deixar de impeli-lo à participação política ativa para consecução de seus ideais. Era o Espírito Santo uma região essencialmente agrícola e predominantemente cafeicultora, já nas últimas décadas do antigo regime imperial. As crises econômicos que ocorreram na Primeira República refletiram a fragilidade da economia capixaba e desafiaram os primeiros presidentes do estado. Estes entretanto, as enfrentaram com muito mais autonomia que os governos provinciais, na República que Afonso Cláudio ajudou a construir.

No Império, o sistema centralista sugava as principais fontes de impostos para o Governo Geral, ficando a província obrigada a coletar seus tributos nos raros produtos que ainda não estivessem sobrecarregados com o imposto nacional.

Às províncias eram-lhes vedado taxar a importação, a criação do selo, e as taxas sobre a exportação já eram tão altas que qualquer tentativa do governo local em gravá-las não deixaria de trazer sério transtorno à economia local. Assim sendo, o orçamento provincial mal dava para pagamento do funcionalismo, encargos elementares. Também quase nula a verba destinada a obras e melhoramentos públicos.

Havia por consequência a necessidade de uma política autônoma para que a província pudesse traçar seu próprio caminho, isto é, o federalismo, que era obstacularizado pelo centralismo do império, monocultor, patriarcalista, latifundiário e escravagista até 1888. Sem dúvida, essa situação atraía prosélitos às ideias republicanas, de que temos vestígios no Espírito Santo desde a Independência.

É a partir da década de 1870, porém, que estes vestígios começam a se acentuar, culminando com o Clube Republicano, em Cachoeiro de Itapemirim, em 1887, por iniciativa de Bernardo Horta, Joaquim Amorim e Antônio Aguirre. Este último dirigia O Cachoeirano, jornal que veiculava ideias republicanas.

No ano seguinte, 1888, o Partido Republicano local efervescera de adesões. Como nas demais províncias brasileiras, com a abolição da escravidão, o movimento republicano foi engrossado, paradoxalmente, por grande parte dos chefes das municipalidades, proprietários rurais e antigos monarquistas, que se sentiam prejudicados com o 13 de maio. De forma que, também no Espírito Santo, a proclamação da República não trouxe quase reação alguma, empossando-se, no dia 18 de novembro de 1889, o primeiro presidente do estado, Afonso Cláudio de Freitas Rosa.

Afonso Cláudio nasceu a 2 de agosto de 1859, na fazenda de Mangaraí, no antigo município de Porto Cachoeiro de Santa Leopoldina, na província do Espírito Santo.

Ao realizar o curso secundário, que começara no Rio de Janeiro e Vitória, e concluíra no Recife, Afonso Cláudio já se sentia atraído pelo republicanismo, aliás, desde o preparatório, no Ateneu Provincial, o primeiro núcleo republicano espírito-santense, no dizer de Antônio de Ataíde e de Amâncio Pereira.

Em 1878, aos 19 anos de idade, matriculou-se na Faculdade de Direito de Recife, habitando no Convento de São Francisco, onde dividia sua cela com os futuros luminares que foram Clóvis Bevilacqua e Martins Júnior. Ali começou sua formação jurídica, influenciado por Tobias Barreto e Sílvio Romero.

Traduzindo e interpretando as ideias de Ihéring, Tobias influenciará toda uma plêiade de grandes juristas ligados a Afonso, como os já citados Clóvis Bevilacqua e Martins Júnior, além de Virgílio Sá Pereira, Gumercindo Bessa e Faelante da Câmara, entre outros, expondo a teoria da nova concepção do Direito, compreendendo-o como fenômeno social, criado pela própria sociedade, para assegurar sua vida e desenvolvimento.

Por esse tempo, as correntes espirituais do século passado começavam a empolgar os jovens acadêmicos, que se fizeram livres pensadores em Filosofia e republicanos em Política. Tornaram-se abolicionistas ardorosos.

Os versos de Tobias Barreto e os de Castro Alves eram declamados nas festas e nos torneios literários realizados no Teatro Santa Isabel, onde ideias anti-escravagistas e republicanas eram pregadas abertamente, e Nabuco exaltava o abolicionismo, empolgando os estudantes com suas frases candentes. Foi nessa época, antes de diplomar-se, que Afonso Cláudio publicou sua profissão de fé republicana.

Afonso Cláudio era fervoroso propagandista do abolicionismo. Retornando ao Espírito Santo em 1884, concedeu alforria a todos escravos que possuía no ato de seu casamento. Ao lado de Aristides Freire, Cleto Nunes e Moniz Freire, entre outros, participou da Sociedade Libertadora Domingos Martins, sendo encarregado das libertações, e orador da Sociedade, ao longo de toda a sua existência.

Sua propaganda, porém, repousava no Direito, não contra ele. Analisava a condição jurídica do escravo, considerado como "objeto" à época, pessoa de posição anômala no Direito; e interpretava a instituição da escravidão, desde o Direito Romano até as velhas leis portuguesas, preconizando a extinção da escravidão decorrente do alvará do Marquês de Pombal, da Abolição do Tráfico e da Lei do Ventre Livre; angariando fundos e mesma subsídios oficiais para libertação até o 13 de maio de 1888.

Após o êxito da campanha abolicionista, intensificar-se-ia, como vimos, a propaganda republicana. Ligado aos participantes do Clube Republicano de Cachoeiro de Itapemirim, Afonso Cláudio dedica-se à causa, atuando em Vitória e norte da província, sobretudo em Santa Leopoldina, seu local de nascimento, e na zona guanduense, sob a jurisdição do mesmo município.

Os propagandistas republicanos constituíram uma verdadeira cruzada. Em 1889, só no Espírito Santo, havia mais de uma dezena de clubes, causando Afonso Cláudio profundas impressões nessas agremiações, tanto pela palavra coma por seus escritos em O Cachoeirano ou A Tribuna, de Anchieta. Sobrevindo a proclamação da República, é natural que tenha sido escolhido presidente do Estado.

No período da propaganda republicana, a região do Guandu, tributário do rio Doce, estava, como vimos, sob a jurisdição de Santa Leopoldina. Segundo Judith Freitas, filha e biógrafa de Afonso, havia ali um fazendeiro, Guilherme Schwartz, de grande prestígio local e entusiasta do movimento republicano, tanto que chegou a fundar, em Santa Isabel, atual Domingos Martins, um clube republicano, do qual foi ativo presidente. Inspirado no paraibano Coelho Lisboa, teria fundado até mesmo numerosa milícia para auxiliar o exército republicano, se necessário fosse.

Admirador de Afonso Cláudio, Schwartz, em outubro de 1889, em Vitória, dá-lhe noticias inusitada: havia elevado o Alto Guandu à categoria de cidade, com a denominação de "Cidade Republicana de Afonso Cláudio".

O futuro presidente do estado apressou-se em ir ao Guandu agradecer a homenagem, recomendando, porém, por motivos óbvios, se evitassem precipitações que poderiam comprometer a República, que se avizinhava. Com efeito, eclodiria, no mês seguinte, a instituição do novo regime, que abalaria definitivamente a ordem imperial, sem que esta oferecesse qualquer resistência.

Daí o nome de Afonso Cláudio dado à região do Guandu, hoje município de peculiar paisagem, onde consideráveis fendas graníticas formam "Os Pontões", monumento natural de rara beleza, e que viveu, antes do 15 de Novembro de 1889, a chama ardente da República, com a denominação não oficial de Cidade Republicana de Afonso Cláudio, em homenagem àquele que seria o primeiro presidente do Estado do Espírito Santo, sabendo-se que, a instalação oficial da vila ocorreu a 20 de janeiro de 1891.

A Gazeta. Vitória, 01 de abril de 1985.

 

Fonte: Notícias do Espírito Santo, Livraria Editora Catedra, Rio de Janeiro - 1989
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2021

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