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Annette: Uma patrona de honra – Por Maria das Graças Neves

Annette de Castro Mattos

Era agosto... ano de 1949, a Academia Espírito-santense de Letras criava a AFESL — Academia Feminina Espírito-santense de Letras, visto o espírito machista que reinava na época impedindo o ingresso de mulheres na mesma. Assim, junto com a "Academia das Mulheres" figura Anna de Castro Mattos, pseudônimo — Annette, mulher de fibra, garra e prestígio. Capixaba de nascimento de Mimoso do Sul e vitoriense por título concedido pela Câmara Municipal de Vitória, em 1967.

Uma cabeça lúcida, impressionava a todos pela forma de palestrar naturalmente, chegando a uma platéia seleta, com altivez e desenvoltura.

Confirmando minha tese, refiro-me que na presença de Arminda Villa-Lobos, durante o 1° Concurso Nacional Villa-Lobos, Annette, a escolhida para a abertura do Concurso, descreveu sobre "O sentido de brasilidade da música de Villa-Lobos", com autoridade.

Uma criatura de rara beleza interior, superava pelo senso humano, no tratamento e na atenção com as pessoas. Ela própria, no seu poema "Dúvidas", publicado em novembro de 1958, questionava a condição humana:

 

"Atravessei o Lethes

O Rio do 'Esquecimento'?

Para que assim não leve atrás de mim

nenhuma dor, nenhum tormento,

nem a vil, grosseira podridão humana?

E que após tamanha luta insana,

consiga ao menos repousar serenamente,

adormecer placidamente, indiferentemente,

alcançar, por fim, a graça do nirvana."

 

Portanto, Annette fez de sua vida um poema de ações e reações culturais, promovendo a Academia Feminina além fronteiras, chegando a divisas como Argentina e Europa. Isso posto, reafirmamos pelas palavras de Mesquita Neto na notícia publicada em 12 de julho de 1958 no jornal A Gazeta —"Uma pessoa que, no Espírito Santo, trabalha ativamente pelo intercâmbio cultural do Brasil com a Argentina e outros países de língua espanhola, no continente, é a escritora Annette de Castro Mattos"...

No declinar estas palavras, o jornalista reconhece o trabalho de Annette, merecedor da homenagem no Ateneo de Estudios Humanísticos de Buenos Aires, no qual sua personalidade foi destacada e interpretada.

"Annette honra a mulher intelectual da América."

Escritora, jornalista, advogada, foi uma cronista que falou fundo, falando de Vitória, vivenciando passagens, fluindo do arquivo de sua memória os sonhos de uma fase de Vitória, "a cidade presépio" com suas ruelas e paisagens bucólicas, no seu livro Dedo Minguinho.

Também no jornal A Tribuna, de 30 de abril de 1977, entrevista concedida a Fernando Tatagiba, Annette expõe a público alguns de seus lamentos – relembrando o tempo na década de 50, quando havia uma autêntica vida intelectual no Estado:

"Hoje, as mulheres só pensam em novelas e bens de consumo."

Como último lamento, Annette fala das promoções da AFESL: "Embora alguns critiquem, dizendo não saber da existência da Academia, nunca estivemos paralisadas desde a fundação. Mesmo não possuindo sede própria, ao longo dos anos participamos ativamente da vida artístico-cultural de Vitória."

Para criticar é preciso realizar! Temos que registrar na memória de Vitória fatos como os quais Annette empreendeu. Enquanto viveu, na mais tenra idade lutou em prol de um ideal, essencialmente puro. E idealistas como ela não podem apagar dos anais da história e nem banir sua imagem de um passado de glórias.

Lembro- com saudades de sua última visita à minha casa, ao lado de sua grande amiga Arlette Cypreste, sentamo-nos à mesa para tomar chá, e a intelectualidade das duas me contagiou e até saciou minha sede. Fui à fonte com vontade, falamos de literatura, da obra Os Sermões, de Padre Antônio Vieira, que me foi ofertada naqueles dias pelo meu padrinho. Também abordamos música, e em especial a "Trilogia Musical", palestras proferidas por Annette a respeito de Chopin, Villa-Lobos e Liszt, inseridas no livro, cujos originais ela entregou-me para prefaciar naquele mesmo dia. Infelizmente, Annette morreu sem ver a obra editada. Durante aqueles momentos saudáveis relembramos das amigas Ricardina Stamato, a pianista, e Maria Marques, a bailarina. Era grande o seu interesse pela música e dança. Promoveu juntamente com a Escola de Música o Recital Chopin, comemorando o centenário do ilustre compositor. Foi uma perfeita comunhão espiritual, grandes almas elevadas pelo sentido do saber comungaram no poder mais nobre – a divina arte. No reviver dessas personalidades, reverenciamos aquelas que fizeram parte da história cultural desta cidade.

Annette foi uma das mais brilhantes intelectuais de sua geração. Faleceu em Vitória em 23 de fevereiro de 1992. E, para ressaltar ainda mais a sua figura humana, faço juntar nestes escritos impressões de Arlette Cypreste, que compartilhou e vivenciou com Annette dessa trajetória cultural.

"Os anos passaram e a nossa amizade se tornou cada vez mais sólida. Annette se foi, mas ficou sempre presente entre nós pela magnífica obra literária que nos legou. Ela continua entre nós no reino da saudade, da admiração e do exemplo. Imortal para sempre."

E para simbolizar todo esse amor pela literatura registro uma quadra que impõe o respeito de ser Annette uma personalidade vitoriense.

"O meu orgulho consiste

Em duas coisas somente:

A gente de minha terra,

E a terra da minha gente."

 

Fonte: ESCRITOS DE VITÓRIA — Personalidades de Vitória – Volume 15 – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES, 1996.
Prefeito Municipal - Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar
Sub-secretário Municipal de Cultura e Turismo - Sidnei Louback Rohr
Diretor do Departamento de Cultura - Rogério Borges de Oliveira
Diretora do Departamento de Turismo - Rosemay Bebber Grigatto
Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici
Chefe da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim - Lígia Maria Mello Nagato
Bibliotecárias - Elizete Terezinha Caser Rocha e Lourdes Badke Ferreira
Conselho Editorial - Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Revisão - Reinaldo Santos Neves e Miguel Marvilla
Capa - Vitória Propaganda
Editoração Eletrônica - Edson Maltez Heringer
Impressão - Gráfica e Encadernadora Sodré
Autor do texto: Maria das Graças Neves
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2018

Personalidades Capixabas

Rubem Braga

Rubem Braga

"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na
porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem 
para não me deixar entrar, ele ficará indeciso
quando eu lhe disser em voz baixa:
"Eu sou lá de Cachoeiro..."

Rubem Braga, considerado por muitos o maior cronista brasileiro desde Machado de Assis, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, ES, a 12 de janeiro de 1913.

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