Belchior de Azeredo é feito capitão (1560)
Curioso, muito curioso, é que o provimento dado pelo próprio Mem de Sá a Belchior de Azeredo,(29) fazendo-o capitão do Espírito Santo, é datado de três de agosto,(30) isto é, sete meses depois da sua primeira visita à capitania. Fê-lo o governador geral “nesta villa de Nossa Senhora da Victoria”, quando regressava do Rio de Janeiro para a Bahia. Os seus termos, além do mais, não coincidem precisamente com as informações contidas na epístola de trinta e um de março. Nesta, ele se refere à carta e à procuração de Vasco Coutinho; no provimento, lemos a seguinte afirmação categórica: “Vindo eu correr a costa, Vasco Fernandes Coutinho, capitão e governador, que era della [capitania do Espírito Santo], a renunciou em Sua Alteza, e eu...”
Parece razoável admitir que em agosto Vasco Coutinho já havia tornado à colônia e, pessoalmente, apresentara a Mem de Sá o pedido de renúncia. Só assim se explica a existência do provimento de três daquele mês, pois ficáramos sabendo, pela carta, que o governador geral tomara posse da capitania em nome da Coroa quando se dirigia para o sul. Em síntese, o provimento pode ser considerado uma segunda via do auto, porém reforçada pelo pedido direto e pessoal do renunciante.
Belchior de Azeredo foi nomeado capitão do senhorio “por ser elegido pelo povo, e as mais vozes”, atribuindo-se-lhe o uso “de todos os poderes e jurisdições que Vasco Fernandes Coutinho tinha”.
NOTAS
(29) - Belchior de Azeredo, que encontramos nas Cartas, III, 464 e 467, como Melchior de Azeredo e d’Azeredo. No diploma de sua nomeação para os cargos de “Escrivão d’ante o Provedor, Feitor, e Almoxarife, e Alfândega” (DH, XXXV, 62), se lê: Belchior de Azevedo. Os jesuítas consideravam-no “pessoa mui nobre e pera este oficio [capitão] mui sufficiente, assy por sua virtude e saber como por ter elle animo pera sojeitar estes Indios e resestir aos grandes combates dos Franceses [...] Todos os seus negocios e cousas de consciência comunica sempre com o P.e Brás Lourenço, a quem elle tem muito credito, e obediência in Domino, e hé muito nosso familiar, e nos manda comumente ajudar com suas esmolas” (Cartas, III, 465). Teremos oportunidade de mencionar, no texto, outros serviços seus.
– BASÍLIO DAEMON, a nosso ver, equivocou-se quando afirmou terem existido, “naquela época, na Capitania, dois homens de igual nome, e que ocupavam nela importantes lugares, e foram Belchior de Azeredo Coitinho, o Velho, e Belchior de Azeredo Coitinho, o Moço, este sobrinho daquele” (Prov. ES, 75). Logo adiante, o efemeredista capixaba assevera que o “Velho” foi “nomeado capitão-mor da Capitania a pedido do povo, e que para aqui viera por instâncias de Vasco Coitinho para exercer o lugar de administrador da Justiça, e seu secretário particular”. Ao outro, isto é, ao sobrinho, atribui as façanhas da baía da Guanabara, conforme a seu tempo se verá.
– Preferimos ficar com o padre SERAFIM LEITE, que, repetindo José de Anchieta, diz: “Belchior de Azeredo teve dois sobrinhos, Marcos de Azeredo e Miguel de Azeredo” (HCJB, I, 222-3).
– Diligentes pesquisas levaram-nos à conclusão de que só existia, na capitania do Espírito Santo, nessa primeira fase da sua história, um indivíduo chamado Belchior de Azeredo, que foi – só ele – administrador da Justiça, secretário de Vasco Fernandes Coutinho, provedor da Fazenda, capitão-mor e herói celebrado por Estácio de Sá em documento que oportunamente recordaremos.
(30) - “Mem de Sá, do conselho d’el-rei Nosso Senhor, capitão da cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, e governador geral em todas as capitanias e terras de toda a costa do Brasil pelo dito senhor. Faço saber aos juízes, vereadores e povo desta capitania do Espírito Santo, que vindo eu correr a costa, Vasco Fernandes Coutinho, capitão e governador que era dela, a renunciou em Sua Alteza, e eu em nome do dito Senhor a aceitei, e em seu nome faço capitão dela a Belchior de Azeredo cavaleiro da casa d’el-rei Nosso Senhor, por ser elegido pelo povo, e as mais vozes, e por confiar dele em tudo o que encarregar do serviço de Sua Alteza, o fará bem, e fielmente, e como deve, e ele poderá usar de todos os poderes e jurisdições que Vasco Fernandes Coutinho tinha, e usará por bem de suas doações, e haverá todos os próis e percalços ao dito ofício ordenados, enquanto servir o dito cargo, que será até Sua Alteza prover, e a mim me parecer seu serviço, e ele haverá juramento em câmara, para que seja metido de posse do dito cargo, sobre os Santos Evangelhos, que bem e verdadeiramente servirá o dito cargo, guardando em tudo o serviço de Deus, e de Sua Alteza, o direito das partes, de que se fará assento nas costas desta, e será registada no livro da dita câmara, onde se fará outro do termo do dito juramento, que o dito Belchior de Azeredo assinará. Pelo que vos mando que obedeçais em tudo e por tudo o que vos por ele for mandado, como capitão que é. Cumpri-o assim. – Dado nesta vila de Nossa Senhora da Vitória, sob meu sinal e selo das suas armas. – Hoje três de agosto de 1560. Antônio Serrão a fez. – Mem de Sá” (apud JOSÉ MARCELINO, Ensaio, 15).
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, maio/2017
O navio em que Coutinho regressou ao Brasil tocou em Pernambuco e, com certeza, era de sua propriedade
Ver ArtigoCoube a do Espírito Santo, descoberta em 1525, a Vasco Fernandes Coutinho, conforme a carta régia de 1.º de junho de 1534
Ver ArtigoEnfim, passa da hora de reabilitar o nome de Vasco F. Coutinho e de lhe fazer justiça
Ver ArtigoTalvez o regresso se tivesse verificado em 1547, na frota mencionada na carta de Fernando Álvares de Andrade, ou pouco depois
Ver ArtigoConcluo, dos nobres que aportaram à Capitania do Espírito Santo, ser ela a de melhor e mais pura linhagem
Ver Artigo