Cachoeiro na obra do cronista Rubem Braga
A memória da infância e de parte da adolescência vividas em Cachoeiro de Itapemirim permeia a obra de Rubem Braga. São frequentes as citações e referências da terra natal em crônicas escritas ao longo de mais de meio século.
O Córrego Amarelo, o Amarelinho, local de pescarias e brincadeiras; o tão caudaloso Rio Itapemirim; as missas na Matriz de Nosso Senhor dos Passos; as histórias de Zig, o cachorro que tinha até o sobrenome Braga; os pios produzidos na Fábrica Maurílio Coelho, que anda funciona no mesmo casarão há mais de um século, na Ilha da Luz; o quintal da casa da Rua 25 de Março, o velho pé de fruta-pão.
As lembranças de Cachoeiro aparecem também em expressões de saudade, orgulho e consciência da origem de um lugar especial, berço dos valores que constituem a própria identidade do cronista.
“Nasci a dez metros da margem direita do Córrego Amarelo e a menos de cem metros da margem direita do Rio Itapemirim, onde ele se lança. Mudei depois para a margem esquerda do córrego; e uma grande parte da minha infância foi passada a li, a pescar piabas, carás, bagres, moreias, camarões e lagostins, às vezes até mesmo um piauzinho vermelho que entrava pelo córrego; o Amarelo foi o nosso primeiro amigo da infância, só depois sumimos pelo rio e pelo mar”.
Como o mais importante escritor capixaba, Rubem Braga deu significativa contribuição para tornar conhecido o bairrismo cachoeirense. Mas não se trata de um ufanismo desmedido, conforme se pode depreender do trecho abaixo:
“... É possível que gente de outras terras ache exagero no culto que nós cachoeirenses temos pela nossa terra. Ela não será melhor que as outras. Nem é para ser, nem para fingir que é. Mas nesse carinho egoísta de um homem pela sua cidade, cada um de nós sente alguma coisa de superior e de bom. O sentimento da cidade, a comunhão dos seus homens, nos ajuda a desfrutar tudo o que separa e divide os humanos; a cidade é nosso exercício de compreensão do mundo...”
Frequentemente, contudo, o próprio cronista se permitia brincar com o tema.
“Já que não vou eu, que digam essas palavras. É no dia 29 a festa de Cachoeiro. Está visto que a maioria dos meus leitores, que não nasceram em Cachoeiro de Itapemirim, não tem nada com isso. Que fazer? Só a uma pequena e seleta minoria de brasileiros foi permitido esse privilégio de nascer em Cachoeiro”.
E é com essa verve de humor que cunhou uma expressão repetida exaustivamente pelos cachoeirenses mais entusiasmados: “nasci, modéstia à parte, em Cachoeiro de Itapemirim”.
O sobrado da família, na Rua 25 de março, também é cenário de muitas histórias e referência constante em várias crônicas, como a intitulada “Os sons de antigamente”, do livro A Traição das Elegantes.
“Conta-se na família que, quando meu pai comprou a nossa casa de Cachoeiro, esse relógio já estava na parede da sala; e que o vendedor o deixou lá, porque naquele tempo não ficava bem levar.
(Hoje, meu Deus, carregam até uma lâmpada de 60 velas, até o bocal da lâmpada e deixam aquele fio solto no ar.)
Há poucos anos trouxe o relógio para minha casa de Ipanema, Mais velho do que eu, não é de admirar que ele tresande um pouco. Há uma corda para fazer andar os ponteiros, outra para fazer bater as horas. A primeira é forte, e faz o relógio se adiantar: De vez em quando alguém me chama a atenção, dizendo que o relógio está adiantado quinze ou vinte minutos, e eu digo que é a hora de Cachoeiro.
O relógio citado na crônica acima pode ser visto no Museu dos Braga que funciona na antiga residência da família, no número 162 da Rua 25 de Março. Lá também o velho pé de fruta-pão resiste ao tempo, sombreando o antigo quintal, transformado em praça da poesia e espaço de leitura.
“Estou dormindo no antigo quarto de meus pais; as duas janelas dão para o terreiro onde fica o imenso pé de fruta-pão, a cuja sombra cresci. O desenho de suas folhas recorta-se contra o céu; essa imagem das folhas de fruta-pão contra o céu é uma das mais antigas de minha infância, do tempo em que eu ainda dormia em uma pequena cama cercada de palhinha junto à janela da esquerda”. (crônica Trovões de Antigamente, de 1958).
Fonte: A Gazeta, caderno especial Bienal Rubem Braga, de 27/05/2006
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2012
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