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Campo de Piratininga na história do Convento

Piratininga, 1924

Crescia, portanto, o grande monumento da Fé, na Capitania de Vasco Fernandes Coutinho. E muito concorreu para esse progresso a doação do General Salvador Corrêa de Sá e Benevides, a 17 de Junho de 1652: — cem mil réis por ano, em vinte cabeças de gado, tiradas dos seus currais, em Campos da Paraíba, ordinária valiosa que os descendente, do glorioso Governador do Rio de Janeiro aumentaram para trinta, e mais duas, a título de esmola, quando Martim Francisco Vasques Anes, em 1664, visitou a Penha.

Como prova de gratidão a esse benefício que, de certo muito favoreceu as obras do Convento e a vida religiosa, na Penha, a Ordem Franciscana do Brasil conferiu, a 10 de Setembro de 1653, a Salvador Corrêa de Sá e Benevides e sem descendentes o título de "Padroeiros Venturosos daquele Santo lugar" e "participantes de todos os sacrifícios, e cada um dos sufrágios e prerrogativas dos Religiosos ali assistentes".

Urgia, porém, uma providência para o abrigo e a conservação dos animais, em lugar amplo e acessível à fiscalização pelos religiosos. Por isso, em 1654 (?), os franciscanos compraram o campo de Piratininga, por 5$000, a Da. Catarina de Vide, viúva de Manuel de Vide, o compadre e amigo de Anchieta.

O Convento da Penha continuou a auferir as vantagem dessa ordinária, durante séculos, tanto assim que, proclamada a Independência e seqüestrada a fazenda de Campos em poder dos herdeiros de Salvador Corrêa de Sá e Benevides S.M. o Imperador Dom Pedro I atendeu ao requerimento do Procurador Geral dos Franciscanos e ordenou, a 31 de Agosto de 1824, o prosseguimento da generosa doação de trinta novilhos. (22) Tal benefício perdurou, até 1849, faltando, porém, outras notícias, daí em diante. (Frei Basílio, Páginas...)

Em atenção ao pedido de Frei Sebastião do Espírito Santo, a 6 de Novembro de 1653, o Convento da Penha recebeu outra ordinária valiosa: — uma pipa de vinho, um quarto de azeite, uma quarta de farinha do reino para hóstias e duas arrobas e cera lavrada, tudo no valor de 90$000 que, de acordo como o Rei Dom João IV, deveria ser pago anualmente com muita pontualidade, sem redução alguma.

Tendo substituído o Enfermeiro das Contas Brancas, no cargo de Superior da Penha, Frei Nicolau de São Tomé incrementou as obras do Convento, iniciadas pelo seu antecessor. Durante quatro anos, trabalhou com dedicação pelo futuro Santuário, tão querido e admirado, em nossos dias. Sucedeu-lhe, em 1657, Frei Antônio dos Santos cuja atividade concorreu para que, terminada a fábrica do Convento, o Capítulo de 1659 elevasse a Guardião o cargo de superior da Penha, conferindo-o a Frei Manuel dos Mártires.

Prosseguia assim metódico o desenvolvimento daquela extraordinária obra iniciada por Frei Pedro Palácios. Tanto na vida religiosa quanto na parte material, a Penha avultava para transformar-se na montanha sagrada, orgulho da terra capixaba.

A 4 de Dezembro de 1660, concluída a construção do primitivo cenóbio. Frei Antônio das Neves assume o cargo de Guardião, passando-o em 1662, a Frei Francisco, o Fundão que, em 1664, teve a honra de receber a visita de Martim Francisco Vasques Anes, filho de Salvador Corrêa de Sá e Benevides. O ilustre excursionista aumentou a ordinária concedida pelo General seu pai, conforme registramos anteriormente. Viera ao Espírito Santo, em sindicâncias da crise financeira atravessada pela Capitania.

Estabelecida a comunidade, na Penha, contava quinze religiosos, em 1730.

Durante muitos anos, pairou o silêncio, em torno do Convento da Penha. Somente as romarias movimentavam a placidez da vida religiosa, no outeiro, porque, segundo Frei Apolinário, concorriam os habitantes de todas as capitanias "a visitar a sagrada imagem, uns a pedir e outros a agradecer, e nenhum deixava de se elevar na sua presença, parecendo-lhe estaria já de posse da bemaventurança, e que quem logra esta não tem mais que apetecer".

Terminava o cronista dizendo que não tinha mais o que desejar, no mundo, quem chegasse a gozar da visita ao Santuário da Penha. Justifica-se portanto a declaração de Salvador Corrêa de Sá e Benevides, quando foi venerar a Virgem da Penha:— "se não o prendesse o vínculo matrimonial e não o detivessem os negócios de S. M., ali ficaria toda a vida". (27)

Sobra, portanto, fundamento, para a trova popular: —

Fui ao Convento da Penha,

visitar a mãe querida;

agora, posso dizer

que já fui ao Céu, em vida!

 

Essa trova, cujo autor é Luis Barbosa dos Santos, poeta capixaba, do Século passado, tem muitas variantes, como por exemplo, a que serve de Mote à Glosa popular do Real Convento: —

Eu fui ao Real Convento,

Ver minha mãe tão querida,

M'envolvi em tal grandeza

Que senti o Céu, em vida.

 

Comprazeu a Divindade

Do nosso Pai amostrá

Numa penha colocá,

No cimo da imensidade,

Aquela Mãe de bondade

De tanto mericimento.

Tocada de um pensamento,

Fui nossa Adevogada,

Subi a grande carçada

E fui ao real convento.

 

Entrei, fiz minha oração

Me dirigi prô artá,

Para, de perto, amostrá

A do meu coração.

Fiz a minha confissão,

Dos pecado arripindida,

Contei despois minha vida.

Como filha obidiente,

Irei continuamente

Ver minha Mãe tão querida.

 

Vi o seu manto dourado.

Sua capela mimosa,

Amada Mãe extremosa,

Com o seu Filho adorado,

No seu trono colocado.

 

Por mistério da grandeza,

Brilhando no claro dia,

E de tanta alegria,

M'envolvi em tal grandeza.

 

De nada mais me alembrava,

Só das canseiras do mundo,

E qual Sol ardente ao fundo,

A Mãe de Deus contemplava,

E Ela me amostrava

A minha alma engrandecida

No seu olhar envolvida.

Senti tamanho prazê,

Que digo e torno a dizê

Que senti o Céu, em vida.

 

E o povo continua: —

Quando subo pela encosta

daquela Penha querida,

pela pressa com que subo,

me parece uma descida.

 

Fui ao Convento da Penha,

tive o ensejo de sentir

que a sua encosta descer

custa mais do que subir.

 

Mas, a celestial assistência que, desde os primórdios da colonização, irradiando daquela montanha predestinada, pairava sobre o Espírito Santo, para conservá-lo imune do pirata e dos invasores, quer nas investidas de Cavendisch (1592), quer nas tentativas inglórias dos holandeses, jamais arrefeceu, confirmou aliás que "os pés do hereje não calcam impunemente um território colocado sob a gloriosa proteção da Virgem Imaculada". (28) Outrossim, nos dias aflitivos de todas as provações espirituais e corporais, à Penha voltaram-se, infalíveis, as preces do povo capixaba.

Confirmaram-no, por exemplo, os dias dolorosos de 1669, quando irrompeu terrível epidemia, em Vitória. Organizou-se um préstito, para trazer a imagem de Nossa Senhora da Penha, até a Vila martirizada, onde permaneceu quinze dias. O povo rezou, fervoroso, e não tardou em receber o favor suplicado, — o declínio do mal que o dizimava.

Esta parece ter sido a primeira viagem de Nossa Senhora da Penha, em procissão, de Vila Velha a Vitória, porque, na guerra holandesa, a imagem veio incógnita, para o Convento de São Francisco, onde se conservou, algum tempo, guardada.

Em meados do século XVIII, Frei Agostinho de São José, então Provincial, considerando que se elevava o número de religiosos da Ordem, no Espírito Santo, resolveu ampliar o Convento da Penha. Determinou, para isso, a construção de mais um corredor e celas, com treze janelas para o mar, na parte leste do rochedo. É o corredor inferior. À sua direita, ficam as referidas celas. De certo, foi arrojada essa construção, no declive mais forte do rochedo. Resultou disso o acréscimo da comunidade que, em 1765, era de vinte e três religiosos. (23)

 

NOTAS

 

(22) — Frei Basílio — Páginas... 

(23) — Idem. Idem

(27) — Frei Agostinho de Santa Maria. — Santuário Mariano.

(28) — Dom Fernando de Sousa Monteiro. — Carta Pastoral. (1902)

 

Fonte: O Relicário de um povo – O Santuário de Nossa Senhora da Penha, 2ª edição, 1958
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2016

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