Frei Pedro Palácios e a Virgem Ss. da Penha - Por Orminda Escobar Gomes
POEMA
O TEMPORAL
Polida, a superfície imensa do oceano!
O tempo vai... Do sol, os raios osculavam —
Suavemente, a quilha do navio. Estavam
— Tomados de alegria, os nautas. Soberano
Orgulho dominava o pobre ser humano!
Porém, alteia as ondas, o tufão, e... travam
Os elementos, luta. Incautos, não contavam
Com a fúria da matéria, a raiva do tirano.
Blasfêmias, gritos, ais.. terríveis, lancinantes...
Ressoam pelo espaço... Os vagalhões, constantes
Estouram, vergastando aquela gente brava!
Palácios ajoelha... Humilde, eleva o olhar
Ao céu... e arroja, após, a capa sobre o mar...
O temporal passou... Ardentemente, orava!...
II
A GRUTA
Ufana, entrava a nau, na barra de Vitória
ao longe, a serrania; e, perto... graciosas
Esparsas — emergindo — as ilhas. Espumosas,
As vagas, num vai-vem contínuo... A trajetória,
Traçada de além-mar, chegava ao têrmo... e a glória
Do Lusitano audaz, se expande em belicosas
Canções que faz ouvir, nas plagas luminosas...
— Narrando, com ardor, seus feitos... sua história...
Um firmamento azul, sem nuvens, refletindo
na limpidez do espelho da enseada... Lindo
cenário, a marujada exausta, deslumbrava!
Saltando, do reinol, encontra a porta aberta...
E o frei vagando, só, na praia — já deserta —
Distante vê, na gruta, o abrigo que buscava.
III
O QUADRO
— Poético... ideal!... Estrelas pontilhavam
O pálio azul safira desta terra. A brisa
Ao impelir, de manso, a barca que desliza
Cicia, brandamente. A tiritar pescavam
Praieiros, na restinga ou no alto mar. Cuidavam
Tenazes, enfrentar a vida rude. Frisa
A face da baía, quase sempre lisa
Veloz gaivota ou garça. As aves pipilavam
Alegremente. Afim de esquadrinhar a praia
Risonha — onde a gemer o vagalhão desmaia —
Saiu da furna, o frei, ao despontar da aurora.
Depois galgou o monte a pesquisar... e, atento,
De assombro cheio — olhando o pico, no momento...
Entre as palmeiras, viu — O Quadro da Senhora!
IV
O PANORAMA
— Palácios se prostrou, em pranto, soluçando...
Foi esta a vez primeira em que se deu tal fato;
Mas, deram-se outros mais, a lenda o diz. No mato,
Angustiado, então, errava procurando
O corpo castigar — o espírito elevando...
Porque razão a Santa, a Virgem-Mãe, com este ato
Sua alma torturava? Era, ele, um insensato?!
Não! Não! Era um devoto... eterno, suplicando!...
Depois, surpreso... o frei, de pé, sobre o rochedo
Extasiado... olhava — as franças do arvoredo
E o horizonte, o espaço, o sol que tudo inflama...
A serra, o vale, o rio — em curvas — caprichoso...
A gleba, a planta, a flor... O céu maravilhoso
Soberbo, sem rival! Sublime — o Panorama!
V
A ESCOLHA
"Somente aqui, eu sei, a Virgem quer ficar!"
Suave, tênue luz, o dia anunciava...
Também a nuvem de ouro, a gota que brilhava.
E a orquestração dos sons dispersos pelo ar...
Levanta-se ondulando, em fúria, o torvo mar!
Nesta hora matinal, um barco navegava
Mercê do abismo hiante... o vendaval soprava...
Horrível transe! irá a nave soçobrar!
"Senhora! Ouvi... ouvi! Deveis servir de guia
A quem — vagando incauto — o pego atrai... Seria
Um grande, imenso, bem — a Vossa permanência
No cimo desta escarpa!... Aqui o peregrino
Virá com fé e ardor — a Deus cantar um hino
E a Vós, Mãe! suplicar — amor, graça e clemência!”.
VI
A CAPELA
Palácios concebeu um plano: deveria
Perseverante e calmo um culto iniciar
No cume da montanha... E, logo, foi rezar
Curvado, ante o Painel da Virgem-Mãe, Maria!
O povo, curioso, ouvindo o que dizia
O frei; e vendo-o, após, as pedras carregar
Ao ombro já crestado... o bom exemplo dar ...
Se aproximava, humilde e o braço oferecia
Batendo a mata — a fim de preparar caminho
No monte -- transformado em singular cadinho —
Primava cada qual em bem servir. Só Ela,
Com a proteção de Deus podia conceder
Tal graça, tal favor... e, muito mais, prover
O que preciso foi... Assim, fez a Capela.
VII
O ÊXTASE
— Entusiasmo intenso, estranho, irreprimível!
O nobre coração do frade sublimava!
Da Virgem, Mãe de Deus, a festa celebrava
Com toda a devoção e pompa indescritível!
Em tudo agia alegre e prestimoso. Incrível
Atividade a sua. A todos exortava
Da Penha, na igrejinha, à súplica... Exultava
De unção, de crença e amor — sincero inextinguível!...
O quanto conseguiu, pasmava! E os que o viam
— Semblante iluminado! — apenas suporiam
Que a santa aspiração do frei chegara à meta...
Depois... do altar, em frente... um leigo, consternado.
Palácios encontrou, inerte... ajoelhado!...
N'um êxtase infinito... Ah! se extinguira o Asceta!
Fonte: Lendas e Milagres no Estado do Espírito Santo (Poesias 1551-1950) – Prêmio Cidade da Vitória, 1951
Autora: Orminda Escobar Gomes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2021
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