Capela de Nossa Senhora das Neves – Por Elmo Elton
Nos terrenos do antigo Convento de São Francisco, em Vitória, construiu-se, possivelmente no primeiro meado do século XIX, a capela ou ermida de Nossa Senhora das Neves, ainda de pé. Em 1856, quando presidente da província do Espírito Santo o Barão de Itapemirim (José Maurício Pereira de Barros), alastrou-se, na capital, uma epidemia de colera morbus, causando fome, sobretudo muitas mortes. A falta de um cemitério em Vitória (as igrejas já não dispunham de espaço para o sepultamento de tantas vítimas) levou aquela autoridade a solicitar a coadjuvação dos franciscanos no sentido de conseguir-se a cessão de um pedaço de terreno no convento, a fim de que pudesse servir "provisoriamente" de necrópole. Frei José de Santa Helena Soares, o guardião, transmitiu o pedido ao Provincial da Ordem, em ofício de 19 de janeiro daquele ano, obtendo resposta favorável. Murou-se, então, a área cedida, os tijolos vieram da Bahia, sendo que, com o decorrer do tempo, tal área se foi ampliando, visto a repetida ocorrência de epidemias na cidade, de modo que a ermida de Nossa Senhora das Neves passou a ser necrotério ou câmara mortuária, em lugar de capela, assim permanecendo até 1908, quando se inaugurou o cemitério municipal de Santo Antônio, para onde foram transferidos alguns túmulos com lápides, como, também, ossadas em nicho, construindo-se, no páteo do convento, um ossário geral.
Com a cessão "provisória" de terrenos do convento ao governo da província, os franciscanos não mais conseguiram reaver seus bens, tanto que, em 1880, o engenheiro Torres Homem, encarregado de obras militares em Vitória, passou a derrubar, até, os muros do aqueduto, construído pelo guardião frei Paulo de Santo Antônio (1639-43), que abastecia de água aquele monastério, objetivando empregar o material das demolições nas obras do quartel de infantaria, sob a alegação de ter para isso recebido ordens superiores. O Provincial dos franciscanos lavrou protestos perante o Ministro da Guerra, sem, contudo, lograr êxito, sendo que as benfeitorias pertencentes ao Convento de São Francisco, incluindo o próprio, após muitas lutas, em vão, para que os mesmos retornassem ao poder dos frades, passaram, afinal, a pertencer, definitivamente, à Mitra diocesana, criada a 15 de novembro de 1895.
Depois de 1908, a capela de Nossa Senhora das Neves passou a servir de morada a famílias de favelados, sendo que, durante toda a década de 30, lá residiu um casal de cor, com três ou quatro filhos menores, onde recebia visitas diárias de um tipo popular da cidade: — Rainha das Flores. Tal "rainha" ia apanhar com crianças dali sementes de maravilha. Essas sementes, pretinhas quando maduras, guardam em si um pó branco, parecendo polvilho, de que ela se servia para empoar o rosto, braços e joelhos, visto que, mulata, queria passar-se por branca, "branca como uma lady", segundo dizia.
Antes da abertura da rua Uruguai, no morro de São Francisco, então literalmente coberto por mata densa, a capelinha era vista de longe, mas, depois, com a construção de prédios e mansões em suas imediações, ficou escondida, daí que poucos os vitorienses de hoje lhe sabem da existência, embora tenha sido tombada, recentemente, pelo Conselho Estadual de Cultura.
A capela, atualmente de porta cerrada ao público, recebera como patrona Nossa Senhora das Neves, possivelmente, di-lo frei Basilio Rover, em lembrança do primeiro convento, que os franciscanos erigiram no Brasil, em 1585, em Olinda, que teve e tem este título. Quando a mesma capela perdeu seu caráter sagrado, a imagem da santa foi para a matriz de Viana (ES), informa J.J. Gomes Neto, em seu As maravilhas da Penha, 1888, o que não me parece correto, já que a referida imagem, pequena, de roca, teria sido levada para a igreja de São Gonçalo, em Vitória, onde permanece. Aliás, existiu, nessa última igreja, até os anos 40, a Irmandade de Nossa Senhora das Neves, que promovia, anualmente, no dia 5 de agosto, concorrida procissão de sua padroeira, embora de itinerário reduzido, passando, inclusive, como que por tradição, pelas ruas General Osório e Caramuru, então das mais estreitas da cidade.
A invocação de Nossa Senhora das Neves assim se explica:
"Nos tempos do Papa Libério, estando as rédeas do imperador Constâncio, um cristão, homem de assinaladas virtudes, o patrício João, pertencente à nobreza romana, casado com uma dama que o acompanhava na piedade como não tinham filhos e já haviam chegado ao inverno da vida, resolveu, de combinação com a esposa, legar todos os seus bens à Santíssima Virgem. Por longos dias, oraram à Mãe de Deus, pedindo que os iluminassem de como aplicariam a fortuna em sua honra. No dia 5 de agosto, ela lhes aparece em sonho, separadamente, dizendo-lhes que a vontade de seu divino Filho, como a sua, era que edificassem uma igreja sobre o monte Esquilino, no lugar que encontrariam, de manhã, coberto de neve. Ao despertarem, os dois esposos, dando um ao outro ciência do que se passara, procuraram o Papa Libério, para lhe comunicar o que eles julgavam ser uma inspiração do céu. Libério, que tivera o mesmo sonho, viu na coincidência das circunstâncias o desejo do Altíssimo. Reuniu o clero e o povo, e, em procissão de que fazia parte o patrício romano e sua mulher, dirigiu-se para o monte Esquilino, onde encontrou um terreno coberto de neve, embora fosse época de grande calor. Ereta a igreja, recebeu o nome de Santa Maria das Neves, mais tarde mudado para o de Basílica de Libério, em homenagem ao Papa, em cujo pontificado foi começada. Atualmente, a sua in-vocação é de Santa Maria Maior, título que lhe foi dado não só pela sua beleza e antigüidade, mas porque é a primeira das igrejas dedicadas em Roma a Maria Santíssima" (V. Campos Góes, Os santos do ano, Rio, Edições O Cruzeiro, 1953).
Fonte: Velhos Templos de Vitória & Outros temas capixabas, Conselho Estadual de Cultura – Vitória, 1987
Autor: Elmo Elton
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2017
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